Hoje eu vou te ensinar a diferenciar um esquerdomacho de um aliado, afinal, eles se confundem. Um lado, acompanha e participa fidedignamente da luta feminista. O outro, finge que faz o mesmo, mas, deixa rastros de machismo e opressão nas mulheres com que se envolve.
Quem são os esquerdomachos? Onde moram? O que comem? Vamos começar pela etimologia da palavra, criada nos ambientes feministas quando mulheres discutiam sobre homens escrotos. “Esquerdo” refere-se a possível linha política do marmanjo, mas não implica que seja o que prevalece. Ele pode ser apolítico ou até um centro-direita. O ponto é que são homens inclinados a defender os direitos humanos e que concordam com a luta das mulheres contra as opressões masculinas (pensamentos condizentes aos discursos de política de esquerda no Brasil). “Macho” é de machista, simples assim. Isso pode soar meio irônico porque os estudos feministas esclarecem o machismo como um sistema estrutural, sendo todos/as passíveis de reproduzí-lo, então, porque ditá-lo como machista? Eis o cerne da questão: ele discursa como um aliado, mas age como um opressor.
Pelos locais que frequentava, a tendência era eu estar sempre rodeado por eles, de amigos a namorados. Por falar nos últimos, um rápido exemplo de namorado esquerdomacho. Um dia, estávamos caminhando em um shopping chique e percebemos que havia um evento de moda acontecendo, apenas com VIPs. Uma cordinha separava os transeuntes comuns do evento. Parecia uma vitrine da vida glamourosa que ninguém ali teria acesso. Para completar, era época de chuvas e muitas pessoas haviam perdido suas casas. O esquerdomacho ficou indignado. Com sua caneta e caderno em mãos, escreveu frases de protesto e ficou na frente do evento, exibindo sua revolta. Eu fiquei ao seu lado, também segurando um papel com protesto, me sentindo orgulhosa pela sua iniciativa. A ironia é que enquanto ele queria representar a dor de uma população pobre nesse gesto, comigo, era sádico em seus jogos mentais e manipulações, ao ponto de me deixar em profunda depressão. O rapaz defendia todos os direitos, menos o meu de ser feliz.
Quero deixar claro que entendo bem a discrepância do senso comum de pensar que todas as pessoas que defendem melhores condições humanas devem ser, obrigatoriamente, coerentes em seu comportamento em 100% das situações. Errar é humano e faz parte do percurso da vida. Meu namorado do exemplo acima poderia ser um desses casos, de uma pessoa fidedignamente preocupada com o outro, mas com dificuldades psicológicas e emocionais para lidar com os mais íntimos de sua vida. Acho plausível esse argumento e faço questão de esclarecer em qual ponto termina a vulnerabilidade humana de errar e começa o comportamento nocivo e machista de um esquerdomacho.
A diferença está na vulnerabilidade dele diante de possíveis comportamentos machistas. Um aliado erra, encara o que fez, normalmente de maneira não explícita ou escandalosa, e pede ajuda a amigos e profissionais adequados para ajustar sua atitude. Entendendo a dimensão do seu erro, o aliado vive um processo íntimo e doloroso de rever sua forma de pensar e agir e sabe que isso não será um processo fácil ou simples. Por isso, ele até se afasta definitivamente de um relacionamento amoroso, caso seu comportamento resvale nele. Ele se melhora com o tempo e por etapas, sem precisar anunciar a tudo e a todos a respeito do que está passando. Ele sabe que é difícil mudar, se corrigir.
O esquerdomacho parece muito o aliado no momento em que é pego no flagra. Ele admite, aparenta se sentir mal e, em alguns casos, até chora! Diz que precisa de ajuda, que o machismo está entranhado dentro dele e discursa sobre como sua infância foi repleta de maus exemplos de homens escrotos e que até a sua mãe reproduzia discursos machistas, e que blá, blá, blá, blá. Bota discurso nessa hora! E mesmo que ele não fale muito no momento e apenas ensaie um olhar triste e baixe sua cabeça, horas depois vai fazer um textão em alguma rede social falando como o machismo é algo cruel, especialmente para os homens.
Se for artista, vai trazer um vídeo de uma nova canção sobre sua dor em sair deste lugar de opressão imposto por uma sociedade cruel e misógina. Esquerdomacho não se arrepende de verdade, ele transforma a situação de vulnerabilidade em um grande espetáculo para que aqueles e aquelas afetados pelo seu comportamento fiquem ofuscados e encantados com sua tamanha “entrega” a uma mudança de comportamento. Ao fazer isso, ele foge do B.O. real e fidedigno que é tomar decisões e paulatinamente vivenciá-las..
Na verdade, sua energia é ocupada em não ser “descoberto” e, por isso, quanto mais merda ele faz, e quanto mais perto de ser descoberto está, cresce seu empenho incansável em causas sociais e luta feminista. Nessas horas, o que ele pode fazer? Eu já vi de tudo um pouco. De apoiar diretamente os coletivos feministas, fazer músicas sobre a luta das mulheres, lançar livros e até escrever uma tese inteira de doutorado por quatro anos a favor do discurso feminista dentro de um nicho específico.
Esse último exemplo foi o que me mobilizou a escrever esse texto. Descobri que uma figura extremamente abusiva com sua esposa há anos estava prestes a terminar seu doutorado e o tema era uma análise minuciosa sobre o feminismo, tema a qual ele era exaltado por muitas mulheres do seu círculo de amizades. Me embrulhou o estômago ver o cara sendo exaltado enquanto eu sabia o quanto sua cônjuge estava mal e sofrendo. Particularmente, acredito que ela já percebeu o mal que ele lhe faz mas, como ter coragem de jogar a merda no ventilador para um homem tão desconstruído e aparentemente alinhado com as causas sociais, especialmente as feministas? Uma universidade inteira o aplaudia! Quem iria acreditar nela?
Agora posso comentar o que realmente um esquerdomacho faz. Não se engane de que, pelo fato dele ser uma figura com apelos mais humanos, o seu machismo seja mais leve e sutil. Nessa categoria, encontramos de tudo. De abuso psicológico ao físico, de violência financeira a patrimonial. O controle, a mentira e a manipulação cabem muito bem no pacote desse homem. O que, talvez, você pode perceber de diferente nele é o discurso para sustentar a violência. Ele pode não dizer “mulher tem que obedecer homem”, mas, “sua energia feminina precisa se equilibrar com minha energia masculina”, enquanto ele faz você trocar de roupa (de novo) porque ele acredita que está te protegendo de olhares masculinos machistas que te enxergam como um pedaço de carne.
O foco do esquerdomacho é se misturar às mulheres e, junto delas, “combater o machismo” dos homens a quem ele não se alia. Sua intenção é sair do campo de visão delas, deixar de ser um alvo. Ele nunca será o abusador, e sim, o amigo querido que nunca olha seus corpos como um objeto de desfrute. Jamais será o cara irresponsável com os filhos, porque ele é sempre doce com as crianças - ainda que não se empenhe para pagar a pensão das suas. Ele não será o manipulador, pois está voltado a um causa maior e seus dramas pessoais - como ser responsabilizado pela violência contra a sua esposa - não podem atrapalhar sua trajetória por um mundo melhor.
O que pega no homem esquerdomacho é seu esforço imenso em se esconder nos bastidores, se misturando às mulheres e, de alguma forma, se tornando quase elas, vítimas diretas do machismo. Essa pessoa, além de carregar um comportamento extremamente abusivo, alimenta a ideia de que ser ou não machista é como escolher um time e vestir sua camisa - e seu lugar seria o da “seleção das mulheres”. Essas figuras lêem, estudam e falam de machismo na ponta da língua mas, não querem entender o tema como uma estrutura entranhada no seu comportamento e, portanto, que precisa ser corrigida. Preferem lidar com o assunto como um grande espetáculo para os olhos humanos, especialmente os femininos.
Com esse comportamento, os esquerdomachos colecionam alguns triunfos que os mantém felizes e intactos em suas dissimulações:
Mulheres não têm medo de estar perto deles, assim, eles serão os últimos a serem apontados como machistas.
Eles têm menos homens para competir pela atenção feminina (como disse uma canção que ouvi esses dias: “será que você está afim dele ou ele é o único homem na sua aula de yoga?”).
Ele se torna o refúgio de muitas mulheres, especialmente com questões sobre o masculino. Ele é o cara que explica a mente do homem!
No meio dos homens “comuns” ele é um nada, não tem o perfil para competir com eles, mas, entre elas, está em um pedestal.
Eu tenho certeza que você lembrou de alguém (ou de si mesmo?), lendo esse texto. Veja o momento como uma oportunidade para abrir seus olhos. Como mulher, perceba o quanto está deixando de ouvir outras que denunciam o comportamento do seu “amigo querido” - que você não tem coragem de encarar porque ele sempre se mostrou um homem doce e sensível, entendido da causa feminista. Como homem, o buraco é mais embaixo. Demanda extrema maturidade se desprender desse papel e perder todo o privilégio de proteção e atenção feminina. Primeiro de tudo, terapia, para que você admita suas verdadeiras intenções ao se situar nesse lugar. Por fim, guarde esse texto e sempre revisite-o ao avistar indícios de um possível esquerdomacho.
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