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Educação Politizada e Revolucionária!

Foto do escritor: Equipe SoteroprosaEquipe Soteroprosa


Autora: Marianna Farias


Em um Brasil verdadeiramente democrático, assuntos como “poder, política, história, filosofia, sociologia” não poderiam ser tidos como perigosos ou subversivos, até porque eles seriam perigosos para quem? Bem… fatalmente, eles não serão para nós


Como argumentei em um ensaio passado, tudo que fazemos é político e, especialmente em tempos como os que estamos vivendo, de extrema desvalorização da educação, o ato de educar chega a ser, até mesmo, revolucionário.


Desde 2019, temos acompanhado muitos professores de diversas áreas do conhecimento com medo de se posicionarem politicamente em sala de aula e sofrerem graves consequências por conta disso[1]. Circulam notícias diversas, principalmente, aquelas que focam em estudantes e pais que reagem de forma agressiva contra ao conteúdo ministrado de determinados componentes curriculares, como a história do feminismo, do racismo, do machismo e de estudos de gênero, por considerá-los doutrinadores e perigosos[2]; há também as instituições escolares, especialmente aquelas de grande porte, que durante as aulas remotas puderam obter gravações e tirar falas de contexto para incriminar o profissional da educação por estar, simplesmente, posicionando-se politicamente contra o governo atual[3]. Por conta disso, muitos foram os professores que acabaram sendo demitidos, perseguidos e, até mesmo, encarando longos processos judiciais por serem considerados criminosos, mesmo estando, simplesmente, exercendo a própria liberdade de cátedra.


Como querer ser educador em tempos assim, quando o direito de ser professor, ministrar conteúdos e construir conhecimento pode ser a sua ruína? Como apostar as nossas fichas na educação, quando uma das profissões mais nobres deste mundo está sofrendo de todos os lados ao passo que é calada, denunciada e criminalizada? Quando certos conteúdos programáticos tornam-se “tabus” e nem todos os professores conseguem tratá-los com naturalidade, o medo é generalizado e nos faz pensar que, talvez, os tempos em que o Estado tinha poder para punir a leitura em sala de aula de certos escritores por considerá-los insidiosos, como Jorge Amado devido a sua adesão ao comunismo, estejam voltando.


Hoje, há estudantes que advogam de leis vigentes durante a própria ditadura[4] para tentar incriminar professores que não se alinham com o governo atual, como também, existem aqueles estudantes que saem ilesos, mesmo se vestindo com as roupas utilizadas por um grupo neonazista, supremacista branco, racista e xenófobo, chamado Ku Klux Klan, responsável até hoje pela morte, tortura e incitação de violência contra diversas parcelas sociais, como imigrantes, negros e judeus.[5] Mas ora, por que uma atitude é considerada crime e a outra não?


O sistema político e econômico em que vivemos se apoia no racismo e machismo estruturais para consolidar a desigualdade social, mantendo os ricos cada vez mais ricos, saindo ilesos de crimes contra a humanidade; e os pobres ainda mais pobres, que lutam para sobreviver em circunstâncias inimagináveis.


Mas, falando em imaginação, já parou para pensar em como seria se o Brasil tivesse um sistema econômico inverso, que privilegiasse os de baixo em detrimento dos de cima? Se tivesse uma taxa de analfabetismo igual a 0? Se em todas as escolas públicas do país, todas as pessoas, independentemente de cor, credo, etnia e classe social, tivessem aulas com profissionais bem formados, em uma escola totalmente equipada, climatizada, que oferecesse aulas de música, esportes, meditação, teatro, artes, dança, matemática, história, química, língua portuguesa, francesa, inglesa, mandarim? Além de também oferecer três refeições fartas, nutritivas e projetos educacionais internacionais? Tudo isso de forma gratuita e de qualidade? Parece até um sonho, não é?! Mas este é um sonho que, infelizmente, não é partilhado por todos e, ainda por cima, só é vivido por poucos. A minoria da população brasileira, a burguesia, formada pelas pessoas realmente ricas, junto com uma classe média alta, são as que têm acesso a uma escola onde todos esses atributos que destaquei acima (e muitos mais) são de sua realidade, sendo extremamente caras e onde a todo momento ensinam os seus filhos riquinhos a serem os “futuros líderes” que continuarão a ocupar o “topo” e deverão destruir um projeto de futuro em que eles e os filhos do zelador e da empregada doméstica possam ter acesso a essas mesmas condições de educação, isto é, em que o sistema possa parar de privilegiar uma classe social que sempre teve seus direitos inquestionados.


Para os mais ricos continuarem mais ricos é preciso que exista essa segregação e diferenciação de classes sociais em todos os níveis. É preciso que eu e você não circulemos nos mesmos espaços que eles, que eu e você não sejamos vistos usando a mesma roupa, o mesmo perfume, dirigindo o mesmo carro, morando no mesmo prédio, tendo o mesmo ensino. É preciso que em uma escola de elite não tenham pessoas pobres, da zona rural e trabalhadoras; é preciso que a ideia de educação de qualidade seja direcionada ao ensino privado, apenas para os que são considerados, erroneamente, como mais aptos da “cadeia alimentar”; é preciso falar, a todo momento, para a vasta maioria da população, que o tempo todo batalha para conseguir melhores condições de vida, que o lugar dela, de seus filhos e netos, não é na escola, mas sim, nas ruas, alimentando esse sistema de desigualdade.


Uma escola pública e uma universidade pública que não dispõem de investimentos na infraestrutura e que propositalmente são deixadas de lado pelo Governo, direcionam essas ideias que são, também, incutidas em frases que ouvimos cotidianamente, como as seguintes, pelas próprias pessoas que são atingidas por esse sistema: “Você vai competir com o filho do cara mais rico de São Paulo, mas se você perder, a culpa é sua”; “Você não se esforçou o suficiente, não ficou sentado sob um poste de luz, no frio, estudando, como seu colega que saiu no jornal, fez”; “Para quê estudar? Olha o estado da sua escola, onde nada presta, nem as cadeiras, nem os professores”; “Você precisa parar de estudar e começar a trabalhar, meu filho, pois seus irmãos estão passando fome”; “Para quê você vai estudar sobre política? Nada vai mudar mesmo”; “Você acha que é quem para mudar alguma coisa?”; “Você nunca vai vencer na vida. Está fadado ao fracasso.”


Sim, são frases que carregam muito peso. São frases que já ouvimos muitas vezes e, repetidas, podem desmotivar tanto o mais aplicado aluno, como o mais entusiasmado professor. Mas são nestes momentos de crise, de peso, que os sonhos servem: para que nos lembremos de que temos o poder de atuação e de transformação da nossa realidade. E que não podemos continuar alimentando um sistema que tanto nos persegue, criminaliza e mata!


Sonhar e batalhar todos os dias por uma nova realidade é acreditar que ela pode ser possível. À medida que conseguimos humanizar os nossos estudantes e professores, respeitá-los e nos indagarmos de que forma poderemos ajudar a construir uma educação de melhor qualidade, para que esse sistema de desigualdade social extrema seja minado, todo o nosso entorno começa a mudar. À medida que fazemos o trabalho de base, que colocamos o pé em sala de aula e nos dispomos a exercer o nosso ofício com honestidade, estamos desempenhando um dos papéis mais cruciais para que esse sonho possa acontecer: o de construir e consolidar uma consciência social, política e econômica, que não se perde! Mas que se dissemina, que se alastra em todo corpo social com força!


E quando o sistema atual percebe essas atitudes que visam miná-lo, ele nos distrai, nos persegue, nos criminaliza, pois polemizar discussões e debates e tornar a infraestrutura decadente para que as escolas e cursinhos privados lucrem e sejam vistos como “o topo da cadeia alimentar” é parte do projeto político que visa conservar o poder para os mais ricos e a miséria para os mais pobres. Mas vejamos que ao longo da História, nós temos sonhado e transformado a nossa própria realidade: há alguns anos, mulheres não eram admitidas em escolas; pretos e pretas eram vetados ao ensino também. E, hoje, após muitas lutas, já conseguimos esses avanços, mas, sabemos que ainda faltam muitos mais. Afinal, em um Brasil verdadeiramente democrático, assuntos como “poder, política, história, filosofia, sociologia” não poderiam ser tidos como perigosos ou subversivos, até porque eles seriam perigosos para quem? Bem… fatalmente, eles não serão para nós.


Fontes:

[1] https://www.esquerdadiario.com.br/Toda-solidariedade-a-Alex-e-Viviane-professores-perseguidos-por-lutarem-contra-o-PEI-de-Doria [2] https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/05/perseguicao-professores-que-discutem-genero-e-sexualidade/ [3] https://apublica.org/2021/12/professores-relatam-vigilancia-em-aulas-remotas-na-pandemia/ [4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0898.htm#art44 [5] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/06/estudantes-se-vestem-de-ku-klux-klan-na-bahia-e-causam-revolta.html



Referência da imagem:

Xilogravura “A professora” do artista José Francisco Borges.

 
 
 

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Maravilhoso texto! Me fez pensar como o capitalismo nos ilude com a ideia que, com o esforço certo, teremos mobilidade social. Diante de todos os obstáculos que vc citou fica claro que não! No final, capitalismo está mais para um sistema de castas...

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