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ENTRE A TRAGÉDIA REAL E A FICÇÃO: VIOLÊNCIA ADOLESCENTE NO SERTÃO E NA SÉRIE ADOLESCÊNCIA


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A morte de uma menina de 11 anos em Serrita, no Sertão de Pernambuco, após ser brutalmente espancada por colegas de escola, trouxe novamente ao debate público a questão da violência escolar no Brasil. Segundo informações da imprensa, a estudante foi agredida dentro da instituição de ensino, durante o intervalo, e não resistiu aos ferimentos, vindo a óbito no hospital horas depois. O episódio, de caráter trágico, expõe a fragilidade das redes de proteção infantojuvenil e levanta indagações sobre os limites da convivência escolar, a eficácia das políticas públicas de combate ao bullying e a necessidade de ações preventivas e socioeducativas que ultrapassem o discurso protocolar.


A tragédia, ocorrida em um espaço que deveria ser de proteção e aprendizado, evidencia a vulnerabilidade de crianças e adolescentes frente a dinâmicas de violência que muitas vezes são naturalizadas como meras “brincadeiras” ou “conflitos típicos da idade”. No entanto, quando essas interações ultrapassam a barreira da convivência saudável e assumem contornos de agressões físicas, psicológicas e simbólicas, tornam-se indicadores graves da incapacidade institucional de garantir a segurança mínima no ambiente escolar.


Enquanto o Brasil se debruçava sobre esse caso concreto, o cenário internacional celebrava a consagração da série britânica Adolescência, produzida pela Netflix, que conquistou oito prêmios Emmy em 2025. A produção dramatiza, com intensidade, as contradições da vida juvenil, explorando temáticas como bullying, hierarquias sociais, exclusão, machismo e masculinismo nas redes sociais. Ao colocar em evidência a violência estrutural que atravessa a adolescência, a série encontrou ressonância mundial, transformando experiências locais em questões universais.


Essa coincidência temporal, a tragédia no Sertão de Pernambuco e a vitória da série, revela um fio condutor: a adolescência, em diferentes contextos culturais, está marcada por tensões, violências e disputas de poder. Se na ficção britânica a narrativa denuncia a forma como o masculinismo digital alimenta práticas de exclusão e violência psicológica, no Brasil a realidade mostra como a ausência de suporte socioemocional e de protocolos eficazes de mediação pode culminar em consequências fatais.


Do ponto de vista criminológico, esses fenômenos não são meros desvios individuais, mas expressões de laços sociais mais amplos. Como lembra Monteiro (2014), ao analisar os efeitos da violência e da sedução exercida por figuras de poder, a sociedade contemporânea frequentemente compactua com laços sociais perversos, nos quais o sofrimento alheio é naturalizado e até convertido em espetáculo. Nesse sentido, a violência entre adolescentes não pode ser reduzida à dimensão individual ou escolar, mas deve ser compreendida como produto de estruturas sociais marcadas por desigualdade, exclusão e banalização do mal.


escola, nesse contexto, aparece como espaço paradoxal. De um lado, deveria ser o ambiente protetivo por excelência; de outro, é palco privilegiado de violências, disputas de poder e reprodução de desigualdades sociais. A morte da menina pernambucana evidencia que não basta a existência formal de políticas contra o bullying: é necessário garantir sua efetiva implementação, com investimentos em psicologia escolar, mediação de conflitos e formação de professores para lidar com as complexidades das relações juvenis.


A série Adolescência contribui para ampliar o debate, mas também expõe a ambivalência da cultura pop. Ao mesmo tempo em que denuncia a violência juvenil, corre o risco de estetizá-la e transformá-la em espetáculo. O sucesso internacional, medido em prêmios e audiência, mostra que há interesse coletivo em discutir essas questões, mas também alerta para o perigo de que a empatia se desloque para a narrativa estética, enquanto a realidade concreta continua sem respostas efetivas.


Do ponto de vista jurídico, o caso de Serrita impõe reflexões sérias sobre responsabilidade civil e penal. Cabe ao Estado garantir a integridade física e psíquica de crianças e adolescentes no ambiente escolar, em consonância com o artigo 227 da Constituição Federal e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). A ausência de medidas preventivas pode configurar falha na prestação do serviço público educacional, ensejando responsabilização. Além disso, a conduta dos adolescentes envolvidos, dependendo da idade, pode ensejar medidas socioeducativas previstas no ECA, sem que se ignore a necessidade de responsabilização compartilhada entre escola, família e poder público.


Em síntese, tanto a tragédia real quanto a ficção premiada expõem uma verdade incômoda: a adolescência, em vez de protegida, tem sido atravessada por violências estruturais que se manifestam no corpo, na mente e nas redes. Se a arte tem o mérito de sensibilizar e provocar reflexão, a realidade exige ações concretas: fortalecimento das redes de proteção, investimentos em políticas públicas de educação socioemocional, formação de professores, participação das famílias e responsabilização do Estado.


Entre a menina de Serrita e os personagens de Adolescência, o elo comum é o alerta: sem intervenção efetiva, a juventude continuará sendo palco de violências que, longe de ficção, produzem tragédias irreparáveis. Cabe à sociedade, portanto, não apenas assistir ao espetáculo da dor, mas agir para ressignificar a adolescência como espaço de cuidado, acolhimento e futuro.


Referências:

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

 

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

 

CNN BRASIL. Menina morre após ser agredida por alunos dentro de escola no Sertão do PE. São Paulo, 17 set. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/nordeste/pe/menina-morre-apos-ser-agredida-por-alunos-dentro-de-escola-no-sertao-do-pe/. Acesso em: 19 set. 2025.

 

MONTEIRO, Klaylian Marcela Santos Lima. Assassinos seriais e os efeitos da sideração no psiquismo e no laço social. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 77, n. 3, supl., p. 738-748, set. 2014.

 

UOL. Série “Adolescência”, que trouxe à tona masculinismo nas redes, é uma das grandes vencedoras do Emmy. Notícias UOL, São Paulo, 15 set. 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2025/09/15/serie-adolescencia-que-trouxe-a-tona-masculinismo-nas-redes-e-uma-das-grandes-vencedoras-do-emmy.htm. Acesso em: 19 set. 2025.

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