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Motivos para ler Belo Mundo, Onde Você Está



Belo Mundo, Onde Você Está, lançado em 2021, é o terceiro romance de Sally Rooney, jovem escritora irlandesa, também autora de Pessoas Normais - aclamado pela crítica e adaptado para série homônima.


Confesso que não apostava muito na obra, pois tentei ler Pessoas Normais há dois meses atrás e, na época, não engatei no estilo de escrita de Rooney. Acabei deixando o livro de lado e partindo pra outro.


Agora, analisando melhor, penso que o romance que havia finalizado antes comprometeu minha visão, posto que tinha me envolvido demais com a história. Aquele possuía uma linguagem e conceito bem mais fluidos e leves que os da irlandesa.


E como acabei chegando à Belo Mundo e me apaixonando por ele, ao ponto de indicá-lo aqui na coluna? É um mistério! Brincadeira. O que aconteceu foi que a Amazon já tinha me sugerido algumas vezes o livro (por conta de leituras parecidas), mas não dei muita atenção. E claro que pretendia retomar Pessoas Normais em outro momento. Então pensei ser lógico esperar e seguir a cronologia de obras da autora.


Mas, por acaso (ou não), estava passeando por uma livraria no shopping, onde tomaria um café sozinha – algo não muito frequente para uma mãe de filho pequeno, se é que me entende. Me ocorreu, desapontada: Poxa, não tenho nenhum livro aqui na mochila pra acompanhar o meu café, logo hoje!


Neste exato momento, me deparei na prateleira com a capa azul e amarela da brochura, contendo a silhueta das quatro personagens – a qual já tinha visto antes. Virei o livro e percorri as palavras “Eu estava cansada, era tarde, quase dormia no banco de trás do taxi, quando me lembrei de um jeito esquisito que, aonde quer que eu vá, você está comigo, assim como ele, e enquanto vocês dois viverem, para mim, o mundo será belo.”


E pensei: Porque, não? Afinal não deve ter sido à toa que me sugeriram esse romance. Então comprei o exemplar, fui à cafeteria, bem feliz e contente, sentei, pedi meu cappuccino e mentalizei: vamos lá, Rooney, me encante!


Não foi amor à primeira vista, tenho de dizer. O encadeamento da escrita realmente é bem diferente das leituras que faço, e as personagens não te cativam de cara, mas a cena de abertura foi intrigante, ao ponto de me fazer dar continuidade.


Alice (romancista) e Felix (funcionário de armazém) se conhecem num bar de hotel de uma pequena cidade costeira da Irlanda, através do aplicativo Tinder. Um encontro daqueles bem estranhos e desconcertantes.


Logo após, somos apresentados à segunda protagonista principal, Eileen, editora em uma revista literária em Dublin, e grande amiga de Alice. E, mais adiante, aparece na trama Simon, amigo e crush de infância de Eileen, que também construiu uma amizade com Alice, quando as jovens estavam na faculdade e dividiam apartamento.


Acompanhamos encontros, desencontros e reencontros dessas quatro pessoas, tão diferentes, mas que carregam um mesmo conflito: lidar com o passar dos anos e mudanças, com suas questões internas, e com a preocupação em relação ao futuro e à beleza que há/pode haver no mundo.


É tudo muito real e franco, não tem frufru, nem idealização, é um tanto cinzento. Um retrato bem construído dos dilemas mais comumente enfrentados pela geração millennial, em especial da que se encontra entre os vinte e tantos e trinta e cinco anos.


Um ponto crucial, partilhado pelos quatro personagens é a insatisfação (e o questionamento) com o que fizeram, e estão fazendo, de suas vidas. Porque chegaram até ali e o que realmente querem, do que suas necessidades emocionais falam?


Alice e Eileen são as que incorporam com mais força esse papel no enredo, o que conseguimos captar através da correspondência de e-mails que mantém entre si.


Esse sentimento que afeta tantos jovens adultos atualmente, uma insatisfação enorme com o que escolheram, ou deixaram de escolher, com o que se apresenta em sua vida; um receio de não conseguir dar conta do que virá a seguir, com o futuro tão incerto que se descortina; a preocupação em fazer escolhas que abranjam suas necessidades emocionais, diante de uma contracorrente de liquidez nos relacionamentos e no mundo laboral.


Não é nada fácil se manter fiel ao que entendemos como saudável pra nós e alimentar o lado que nos ajuda com isso. Somos colocados à prova, todo santo dia, não é mesmo?


Inclusive, outra discussão importante que a narrativa promove - sobretudo nos últimos capítulos - é a expectativa irreal direcionada ao que os relacionamentos poderiam prover a cada uma das protagonistas. Aquilo que esperam receber emocionalmente, e o modo disfuncional que adotam em suas atitudes (até certo ponto do romance), cada uma em sua singularidade, com relação a isso.


Sally Rooney também se aventura em trazer em sua publicação, nas conversas das duas amigas, um pouco de estética. A estética é um ramo da filosofia que tem por objetivo estudar, de maneira racional, o belo. Aquilo que de certa forma incita a emoção estética, por meio do observar, da contemplação de algo e consequentemente, o sentimento que desperta no ser humano.


Em outras palavras, seria o conhecimento através dos sentidos. O que é belo? E o que há de belo ainda para se vivenciar nesse mundo confuso e cheio de cicatrizes? São indagações implícitas presentes no texto.


Por fim, outro motivo pra ler Belo Mundo, é o questionamento que este provoca acerca de como lidamos com a felicidade em nossa vida. Como a enxergamos e, se a buscamos realmente, ou corremos léguas dela, por estarmos tão presos à padrões de pensamento e emoção. Será que você se permite, de verdade, ter felicidade? Fica aí a pulga atrás da orelha.


Uma curiosidade sobre o livro é que ele foi escrito e reescrito durante a pandemia, passando por três versões antes de ser finalizado.


A autora se perguntou “Quando você vive em uma época de enormes crises históricas e está preocupada com isso, como justifica que a coisa a que escolheu dedicar sua vida é inventar pessoas falsas que têm casos de amor falsos uns com os outros?”


É nítido que a própria Sally se inquiriu sobre o propósito, por assim dizer, da sua escolha.


Sabe, depois entendi o motivo pelo qual foi difícil passar pela parte inicial do livro e me acostumar com a sua narrativa. Esta se assemelha muito com a sensação de estar imersa em uma mente humana. Tudo muito junto, truncado. Não há quase separação entre os discursos das personagens. É necessário um certo esforço, no primeiro contato, pra discernir quem está falando ou pensando. Assim como é dentro de nós.


Aí também notei um dos porquês que me levou ao apaixonamento, ao longo dos trinta capítulos. O que não penso que tenha sido um número escolhido ao acaso.

E não é que Rooney acabou me encantando? Ao tecer essa prosa dura, porém, ao mesmo tempo, tão sensível, sobre se enxergar e se reavaliar, sobre dúvidas e tristezas, sobre seguir com suas verdades e dificuldades, da melhor forma possível, e amadurecer, nesse “belo mundo” (externo e interno) que temos pra viver.


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