MÃES QUE DESOBEDECEM: Pureza e o Poder de Fazer Justiça
- Nieissa Pereira

- 11 de mai.
- 3 min de leitura

Esta semana, estava em casa, após mais um dia de trabalho e resolvi me entreter com o que passava na televisão. Ao ligar e sintonizar no canal da Globo, me deparei com um filme extremamente emocionante e que me chamou muito a atenção, em mais uma edição da Sessão da Tarde.
Se tratava do filme Pureza. A obra cinematográfica é baseada na história real de Pureza Lopes Loyola, interpretada, magnificamente, pela atriz Dira Paes. Dona Pureza é mãe solo e mora com o seu filho Abel, interpretado pelo jovem ator Matheus Abreu. Os dois moram em uma região carente do Maranhão e por estar insatisfeito com as dificuldades que enfrentam juntos diariamente, o jovem resolve deixar a sua cidade em busca de um trabalho em um garimpo, com o desejo e a promessa de dar uma vida melhor para a sua mãe.
Durante meses sem notícias do filho, Dona Pureza resolve ir em busca do rapaz e durante a sua jornada, ela encontra uma fazenda com trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, em pleno final do século XX, a famosa escravidão moderna. Ainda à procura do filho, ela passa a trabalhar neste lugar, testemunhando o tratamento brutal sofrido pelos empregados, além do desmatamento ilegal de florestas. Lutando contra um sistema perverso e poderoso, esta batalhadora mulher enfrentará a tudo e todos que ficarem à sua frente, sempre com uma fé religiosa inabalável e a esperança de encontrar o filho. Sua investigação transforma-se em denúncia, e seu instinto materno em ferramenta de justiça social.
No Brasil, no dia de hoje, é comemorado o Dia das Mães e essa data costuma ser marcada pela publicidade que simboliza este dia com a entrega de flores, perfumes, corações e almoços de domingo. Mas e se, em vez de homenagear a mãe idealizada pela mídia de comunicação, voltássemos o olhar para a mãe que levanta a voz, atravessa fronteiras e desafia o poder? Uma mãe que não pede licença, que não aceita a ausência do filho como normal e que faz do luto um ato político. Essa mãe existe. E tem nome: Pureza Lopes Loyola.
Dona Pureza não é uma mãe abstrata e não está sozinha. Muitas mães, Brasil afora, lutam dia e noite, de forma incansável por justiça em nome dos seus filhos desaparecidos ou assassinados. Dona Pureza e essas mães representam o corpo, o chão rachado, a voz firme e a dor que caminha. O filme desromantiza a ideia de maternidade como sacrifício silencioso e a apresenta como ação radical. Ela não apenas sente saudade do filho – ela o procura, ela investiga, ela se infiltra, ela confronta o Estado. A maternidade, aqui, é motor da denúncia, é resistência viva.
Essa representação rompe com a imagem passiva da “mãe sofredora” que a cultura popular insiste em repetir. Em vez disso, nos apresenta uma mãe insurgente, que usa a dor como impulso para transformação coletiva. Pureza não busca apenas o filho: ela enfrenta um sistema fundado na exploração, no racismo estrutural e na impunidade.
O filme denuncia algo que muitos preferem ignorar: o Brasil ainda mantém práticas de trabalho escravo. Essas pessoas são, na maioria, homens negros, pobres, vindos do Norte e Nordeste, que saem em busca de sustento para suas famílias. São filhos, como Abel. São pais, irmãos. E são as mães que, quase sempre, ficam – esperando notícias, enterrando silenciosamente a saudade, ou, como Pureza, fazendo da ausência um grito político.
Pureza é uma metáfora viva das mães periféricas, negras, indígenas, camponesas que cotidianamente enfrentam o abandono do Estado e a violência das estruturas de poder. São as mães de filhos presos injustamente, desaparecidos pela polícia, mortos por balas perdidas com CEP.
Elas não têm espaço nas vitrines do Dia das Mães. Mas são elas que sustentam este país invisível com leite, lágrima e luta. É por isso que neste Dia das Mães, talvez a melhor homenagem não seja comprar um presente, mas ouvir essas mães que movem montanhas, que enfrentam o latifúndio, o capital, o silêncio e o descaso.
Assistir a “Pureza” não é apenas um ato de empatia: é um compromisso com a memória das mães que fizeram da maternidade uma trincheira, e da dor, uma denúncia. Porque ser mãe, neste país, muitas vezes não é cuidar do lar – é resistir ao mundo.
REFERÊNCIAS:
PUREZA. Direção: Renato Barbieri. Brasil: Giros Filmes, 2022. 1 filme (101 min), son., color. Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-266248/. Acesso em: 08 maio. 2025



A história de Dona Pureza denuncia algo que ainda acontece no Brasil: o trabalho escravo moderno. Isso atinge, principalmente, homens negros e pobres do Norte e Nordeste. Filhos como Abel. E são as mães, quase sempre, que ficam — esperando, chorando, resistindo.
"Ser mãe neste país não é cuidar do lar, é resistir ao mundo".
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