Uma DR de nada mais nada menos que 1 hora e 46 minutos, entre Zendaya e John David Washington, e dirigida por Sam Levison (mesmo diretor de Euphoria). Essa é a minha dica temática nada convencional pro dia dos namorados na coluna de hoje.
Talvez à primeira vista, e não muito equivocada, seja um filme um tanto quanto pesado para indicar nessa data que, foi criada com um objetivo comercial, mas que de qualquer forma inspira a celebrar o amor e tantas declarações fofas pela rede.
As comédias românticas e romances com certeza têm seu lugar, mas nada é melhor que um bom drama pra nos fazer refletir acerca de certos temas, por um viés mais de acordo com a realidade, nu e cru.
Por esse motivo (e outros tantos), te convido a mergulhar nos diálogos de Malcolm & Marie, e se atentar para que nem sempre as coisas são como parecem ser, principalmente quando o assunto é relacionamento, e os dois indivíduos que fazem parte dele.
A película americana e independente foi gravada em 2020, mas passou somente a fazer parte do catálogo da Netflix em 2021. É um daqueles títulos que ficam meio escondidos no streaming, aparecendo para uma parcela dos usuários, através das sugestões do mesmo, a partir de seu perfil.
No roteiro, um cineasta (Washington) volta para casa com sua namorada (Zendaya) após a festa de lançamento de seu filme. Enquanto esperam as críticas deste, a noite muda repentinamente. Uma discussão entre os dois traz à tona revelações e dificuldades da sua relação.
Digamos que foi uma aposta arriscada de Levison, que já põe a cara bastante à tapa com os episódios densos e violentos de Euphoria (também estrelado por Zendaya).
Quando digo arriscado, me refiro ao fato de ser uma produção em P&B, que se passa na mesma locação e com apenas dois atores durante toda a sua duração.
Confesso que tenho uma queda por esse tipo de filme, sem muita firula e baseado em diálogos. E que diálogos, senhoras e senhores! Por vezes prendi o fôlego com algumas das sentenças do casal.
Outro ponto de bastante risco são os assuntos abordados, pois além do tema relacionamentos, as falas dos protagonistas giram em torno de tópicos como lugar de fala, saúde mental e do mundo cinematográfico, repletas de críticas extremamente cirúrgicas e ácidas.
Adentrando finalmente no ponto específico desse ensaio - as relações amorosas - posso dizer que foi uma experiência bem interessante o desenrolar do enredo.
Isto porque, comecei “torcendo” por um dos lados na discussão, depois virei a casaca, e mais a diante percebi que não havia um lado vencedor, um lado certo. Simplesmente haviam ali duas pessoas se relacionando, com suas feridas e belezas expostas, como na vida real.
Nem sempre será preto ou branco. Nem sempre será certo ou errado. Nem sempre tudo é tão simples e dicotômico. Não que o dicotômico seja simples, não é mesmo? Na verdade, ele é bem difícil de lidar, exatamente por ser tão simplório, superficial.
O fato é que não são lados, mas sim camadas. Camadas que vão se revelando, ao longo do filme, ao longo do relacionamento, ao longo da vida. Aquela história da cebola.
Na maioria das vezes, o que vemos de cara não chega a um milésimo do todo. E basear nossa opinião e o jeito como vamos nos portar, nessa “vista do ponto” é muito perigoso, ainda mais ao se relacionar com o outro.
Em Malcolm & Marie, vemos isso acontecendo na nossa frente e na nossa mente, porque as posições e opiniões vão mudando, e se abrindo aos poucos. Assim vamos progressivamente conseguindo ter a visão do quadro completo (e inacabado) do casal.
Como os dois se atraíram por particularidades tão difíceis de ambos, que colocam à prova suas questões psicológicas, que interagem de forma oscilante entre o disfuncional e o funcional.
É cruel, difícil, instigante, mas belo de ver, exatamente por ser tão verídico em várias partes, de acordo com a forma em que o ser humano se relaciona.
A sacada de Sam em não apresentar a história em cores foi genial, pois o filme pode até ser preto e branco, mas certamente nem tudo será, no amor, nos relacionamentos, nos sentimentos, nos enfrentamentos de vida.
Cabe a nós tentarmos não se prender ao P&B do dia a dia, seja com parceiras e parceiros, seja com nós mesmos.
Deixo você com a reflexão, e um trecho muito sensível de Malcolm & Marie, o qual com certeza vai te animar a assistir essas duas personalidades interagindo.
“Obrigado por entender que nem sempre consigo expressar como me sinto e me mostro mais no trabalho que na vida real. Obrigado, porque sei que as coisas nem sempre são boas e espero que aceite isso. Obrigado. Sei que sou insensível às vezes, mas sou grato por não levar isso a mal. Obrigado por pressupor o melhor.”
Por Sarah Ferraz
Psicóloga e Terapeuta Cognitivo Comportamental.
Imagem: themilsource.com
Esse filme é um delícia de tão angustiante. É o fazer sentir como espectador que ainda não sei se é melhor, pior ou igual estar naquela dinâmica. Amei a mensagem que vc trouxe analisando a dinâmica do filme!