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O GOVERNO DO COLONIZADOR E A VIOLÊNCIA ESCANCARADA


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É Frantz Fanon quem defende a tese de que a colônia é o produto de uma “continuada conquista militar, reforçada por uma administração civil e policial.” O que temos aqui? A essência básica desse processo de domínio que é a colonização (econômica, política, social e da própria mente) que busca via o domínio e a subordinação do outro com a institucionalização e naturalização da violência, em transformar as relações sociais livres, amorosas e comunitárias em relações permanentes de opressão, desamor e egoísmo, tudo isso sendo indispensável para a instituição colonial do poder, ou seja, perpetuação e legitimação da violência. Esta possui uma dimensão triangular: em um dos vértices é a violência comportamental na cotidianidade do colonizador em relação ao colonizado, subordinando-o, controlando-o, vigiando-o numa perspectiva do panóptico, num sistema de exploração que vai do micro ao macro, sem espaço para uma ação ou comportamento diferente ou transgressor, exceto aqueles propiciados pelo colonizador, que visam sobretudo a legitimação comportamental dos colonizados; no outro vértice percebemos a violência no que se refere ao passado do colonizado, sendo este passado esvaziado de sua essência, ou seja, o passado do colonizado é totalmente apagado, os registros de memória e de história são elididos, nega-se a alma do colonizado e, o tempo tem início com o tempo do conquistador, pois antes disso não há história; o último vértice é aquele da violência a respeito do futuro, isto é, apresenta-se o sistema colonial como eterno, sendo apresentado como redentor, messiânico (muitas vezes) e salvador, estando acima de tudo e de todos, não admitindo oposição, pois o futuro a Deus pertence e o colonizador é o próprio representante desse Deus.


O que temos aqui? Temos a presença de uma violência colonial em sua forma de rede, sendo o nó, o enlace de várias e múltiplas violências, que são diversas, cumulativas, vivenciadas e experimentadas reiteradamente na dinâmica da vida imposta, tanto na dimensão mental, como também corporal. A dimensão da mente é tão expressiva que inclusive os sonhos são alterados, pois não se sonha o próprio desejo, mas o desejo de quem domina, daquele que é o opressor, ou seja, o colonizador. A dimensão do corpo é subordinada, via uma regulação, uma imitação daquilo que é entendido como padrão normal. Tratamos aqui de um corpo domesticado, domado, que se apresenta descorporificado, desambientado e desnaturalizado. O corpo é colonizado, é inibido e também erradicado em toda e qualquer vontade de demonstrar autenticidade, tornando-se inautêntico, isto é, vive e experiencia um corpo que não é o seu, mas do colonizador.


Podemos falar teologicamente e penso que isso já tem sido feito desde o início. Jesus não se rendeu ao padrão comportamental do colonizador, ou seja, do Império Romano. Ele não foi subjugado, apesar de ter sido surrado, agredido, vigiado, numa violência escancarada. Ele transgrediu e não se deixou dominar ou domesticar, não deixando que seu passado fosse apagado; o passado de seu povo, de seu Deus (que é Ele mesmo) não é elidido, assim a memória mítica do povo é preservada, não sendo aceita a invasão de outra consciência mítica, ou dito de outro modo, de outros deuses. Já o futuro é apresentado como uma possibilidade, algo que carece de construção, onde o paraíso não é tão somente uma lembrança, mas uma esperança.


O que vemos hoje aqui no Brasil é um pseudo evangelho, as boas notícias do colonizador, o evangelho de seu alcaide local. Este evangelho chegou por aqui via o comportamento subordinador, vigiador, controlador, baseado no panopticismo, que tudo vê, e tudo violenta. Seu representante local tem “Messias” no nome, mas é um enganador, um traidor do Evangelho de Jesus. Esse, que é mais um traidor do Evangelho de Jesus, busca apagar a memória indígena, negra e de todas as minorias, como se somente existisse um passado, este que tem uma origem e, esta tem sua origem na Europa e seu centro gravitacional nos EUA, via uma lógica em um passado etnocêntrico, em que o Jesus torturado e assassinado, foi devidamente domesticado, para em lugar de ser um transgressor da lei e, opositor às forças do Império Romano, transformar-se, a partir de uma negação e esvaziamento do passado,  em uma figura de uma mensagem descontextualizada, mas operativa na perspectiva do que projeta o colonizador sobre o passado do colonizado, ou seja, a inexistência de um passado, pois esse somente tem manifestação na realidade a partir da Cruz, essa devidamente subjugada. Eis esse falso Messias em sua ação cotidiana, em sua ação de negação do outro e da busca inconteste pela perpetuação no poder, via o autoritarismo, a tortura e a defesa dos torturadores. É preciso entender que Deus não é um torturador, tampouco um defensor de torturadores, ou um matador!


Faz-se importante destacar que a colônia precisa ser entendida como um sistema de formação de poder que possui uma determinada vida própria e para seu funcionamento, este sistema de poder ampara-se num aparelhamento de poder de padrão conspiracionista e muita alucinação, sem a qual nada funcionaria conforme o colonizador deseja e impõe.


O representante das elites locais (o capitão do mato), que representa os interesses do colonizador, no nosso caso, esse falso Messias e seus seguidores, realiza uma não aceitação das diferenças e uma refutação das semelhanças. Faz-se a imposição que o colonizado seja semelhante ao colonizador, mas ao mesmo tempo nega-se essa possibilidade via a construção da via sacrificial, seja da violência ou do privilégio. O sistema do falso Messias é sacrificial, assumindo o caráter sacerdotal, que difere totalmente do profético. De forma aligeirada, o sacerdote tem morte natural, já o profeta morre violentado, assassinado pelo sistema sacerdotal, cujo alinhamento é feito com o colonizador e seus representantes. Esse sistema não aceita as diferenças, traduz o corpo de forma cativa, faz dele um corpo sujeito a trabalhos forçados, ou devidamente educado, alimentado e remunerado, tal como Sísifo, que com sua pedra está inevitavelmente enrolado. O falso Messias apresenta-se como aquele que trata, mas ao mesmo tempo magoa, pois atua no campo do paradoxo do comando, que se baseia na força e na violência, ou na força da violência ou ainda na violência que usa a força numa espécie de razão (falsa) de fantasia (narrativa arbitrária) e crueldade (sem limites e grotesca). Tudo isso vem embutido numa pulverização do amor e exaltação do torturador.


Onde se encontra Jesus? Ao lado do amor, do torturador ou do matador? O colonizador faz sua ação pulverizando o primeiro, ao passo que exalta o segundo e terceiro, afirmando que fez o bom combate, procurando o bem do povo. Entendendo aqui que é o colonizador que inventa o colonizado, sendo o corpo desse último seu próprio epitáfio. Em tempos atuais, o falso Messias, que exerce o comando, faz (como cotidianamente faz) um  tipo de mando acompanhado pela desejo frenético, uma espécie de desejo inconteste de humilhar o outro, seja o diferente (que não é respeitado ou tolerado), seja o semelhante (que não é aceito) pois não é da mesma origem.


Eis o frenesi no seu surgir, aparecer e perpetuar a dor lancinante, o sofrimento repugnante e a insensatez ultrajante. Precisamos superar esse triângulo maligno, via uma postura dialética, paradoxal, contraditória, mas intuitiva, fraterna (carregada de sororidade e fraternidade) e muita amorosidade, cuja marca é do engajamento e emancipação humana.


Que possamos superar a dita violência escancarada de um governo colonizador, malfeitor e opressor por um governo solidário, humano e descolonizador.


Um Xêro no coração!



IMAGEM: Ensinando de Sião

21 comentários

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Taiane dos santos Araújo
há 6 dias
Avaliado com 4 de 5 estrelas.

Tratando de um texto contundente, expõe com clareza como a lógica colonial ainda estrutura mentalidades, corpos e políticas no Brasil. A leitura de Fanon, articulada à crítica teológica e ao cenário contemporâneo, revela o perigo de falsos messianismos que perpetuam violência e apagamento histórico. É um convite urgente a romper com essa herança opressora e reconstruir um futuro descolonizado, humano e verdadeiramente comprometido com a dignidade de todos, essa crítica é muito interessante, pós nos mostra como o poder pode dominar corpos e mente da colonização.

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Bruna Alessandra
13 de nov.

A violência colonial, segundo Frantz Fanon, vai muito além da força física. Ela atua como uma rede que domina a vida do colonizado de três formas principais.

A primeira é a violência no cotidiano, que é um controle constante sobre o comportamento, como se o colonizador vigiasse tudo o tempo todo (aquele negócio do panóptico).

A segunda é a violência contra o passado, que apaga a história, a memória e a identidade do colonizado, como se sua cultura não tivesse valor antes da chegada do colonizador.

A terceira é a violência contra o futuro, que faz o sistema de opressão parecer eterno e impossível de ser mudado, e juntas, essas violências conseguem até mudar a forma como o colonizado sonha…

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Manoele Carvalho
12 de nov.
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Interessante a crítica de como o poder pode dominar corpos e mentes, como a colonização não seria apenas política ou econômica, mas também mental, alterando até os sonhos das pessoas para refletirem os desejos do opressor.

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Roberta
12 de nov.
Respondendo a

Interessante, vemos atualmente no Brasil discursos de um sistema governamental colonizador que se mantém através de diversos tipos de violências.

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Mariele
12 de nov.
Avaliado com 3 de 5 estrelas.

Uma crítica profunda e corajosa. É urgente repensar o papel do poder e da religião nesse sistema de dominação.


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Isa Clara
12 de nov.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Texto forte e muito bem construído. Gostei da forma como o autor articula as ideias de Fanon para expor como a violência colonial ainda se manifesta nas estruturas de poder e nas relações sociais atuais. A análise é crítica, profunda e faz pensar sobre o quanto ainda vivemos sob heranças de um sistema que tenta apagar memórias e identidades.

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