O MUNDO EM TRANSIÇÃO: reflexões sobre trabalho, tecnologia e saúde mental
- Autor(a) Convidado
- 21 de mai.
- 3 min de leitura

*Por Camila Braga
Vivemos um momento histórico de intensa transição. Como em todo período de mudança de paradigmas sociais e culturais, emergem sentimentos de instabilidade, insegurança e até mesmo manifestações que podem ser interpretadas como histerias coletivas.
Ao longo da história, grandes transformações como revoluções industriais e avanços científicos provocaram rupturas nos modos de viver e trabalhar. O momento atual não é diferente: estamos imersos em uma transformação acelerada impulsionada pela tecnologia, especialmente pela ascensão das inteligências artificiais.
Esse crescimento vertiginoso está gerando um estresse coletivo profundo. Medos relacionados à substituição de profissões, à obsolescência de funções e à desvalorização de competências humanas estão cada vez mais presentes. No tempo em que cursamos uma graduação, surgem milhares de novas profissões criadas pelo avanço tecnológico, o que exige uma adaptabilidade que nem sempre é possível acompanhar.
Assim como ocorreu nas revoluções industriais anteriores, há uma tensão entre o novo e o antigo. No entanto, a diferença atual é o ritmo. Conforme alerta Zygmunt Bauman em Tempos Líquidos, a rapidez das transformações contemporâneas impede que as pessoas se preparem adequadamente para a nova realidade. Na época da transição dos lampiões a gás para a energia elétrica, por exemplo, os profissionais mais jovens tiveram tempo de se qualificar e se recolocar. Hoje, o tempo de resposta é insuficiente: novas profissões emergem antes mesmo de termos oportunidade de compreendê-las ou nos adaptarmos a elas.
Esse processo tem efeitos profundos sobre a saúde mental coletiva. Muitos se sentem como os antigos acendedores de postes: perdidos em um mundo onde suas funções deixam de existir. A angústia pela instabilidade profissional é potencializada por um ambiente de cobranças contínuas. A tecnologia, que antes era um meio, tornou-se uma exigência para o exercício de muitas funções. Sem determinados recursos, muitas atividades já não podem ser realizadas.
Vivemos também uma espécie de "colapso silencioso" nas relações interpessoais. Em meio à exaustão emocional, cresce a intolerância diante dos erros e divergências. Relações humanas, sejam familiares, afetivas ou profissionais, estão se tornando cada vez mais frágeis e substituídas por vínculos mais superficiais, mediados por telas e algoritmos.
Essa crise se reflete até mesmo em práticas sociais simbólicas como o fenômeno dos "bebês reborn" ou os "casamentos" com bonecos. São formas de criar vínculos sem lidar com a complexidade das relações humanas reais. Preferimos animais de estimação a filhos, assistentes virtuais a conversas presenciais. Esses comportamentos, por mais caricatos que pareçam, revelam sintomas de uma sociedade em sofrimento psíquico.
No campo educacional, a precarização do trabalho docente também é sintomática. Professores enfrentam sobrecarga, com turmas de milhares de alunos, ensino de baixa interação e avaliações mediadas por plataformas digitais. O ideal de uma educação humanizada dá lugar à lógica produtivista, em que o professor é exaurido por demandas que nenhuma inteligência artificial conseguirá substituir com sensibilidade ou presença.
Essa realidade impacta diretamente nossa percepção de identidade profissional. Muitos educadores já não se reconhecem na função que antes exerciam com entusiasmo. A experiência de "ser professor", em muitos contextos, deixou de existir como outrora.
Como disse a professora Elisangela Sousa, da Universidade da Cairu, “vivemos em uma linha tênue entre a lucidez e o desequilíbrio”. A exaustão psíquica é o retrato de uma sociedade que acelera o cérebro humano além do seu limite biológico de aprendizado e adaptação.
Diante desse cenário, é urgente cuidar da saúde mental. Buscar espaços de prazer, desaceleração e autorreflexão tornou-se essencial para mantermos a sanidade em um mundo cada vez mais exigente e desumanizado. É preciso repensar modelos, humanizar processos e reconstruir sentidos antes que a transição se complete sem que tenhamos nos reencontrado como sujeitos.
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*Autora Convidada: Pedagoga, mestre em educação e tecnologia. Graduanda em Psicologia pela FVC.
Link da imagem: https://www.ligadonosul.com.br/colunistas/tecnologia-e-saude-mental-por-ana-dalsasso/
Cirúrgica
Gostei. Precisa e atual! 📚👏👏👏
Estava conversando exatamente isso com minha esposa enquanto assistia a um vídeo em que se comentava as novidades das IA's do Google. Ótimo artigo!
Desafiador!
Sociedade liquida, marcada pela fragilidade das relações, dos costumes, da hiper velocidade de avanços tecnológicos e do medo da inadaptação nesse emaranho de coisas.