O PENSAMENTO DA ANTIGA GRÉCIA E A REALIDADE CONTEMPORÂNEA
- Alan Rangel
- 11 de fev.
- 5 min de leitura

Este breve texto reflete sobre o artigo Reflexões ético - políticas: A filosofia Grega clássica e a política brasileira. É um paper antigo, mas o conteúdo permanece atual.
Indagação inicial do artigo: é possível resgatar a dimensão ética na política, como faziam os gregos antigos? A preocupação dos autores é baseada na experiência: a corrupção tem sido um calcanhar de Aquiles para o bom funcionamento da política no Brasil.
As duas primeiras partes do artigo foram direcionadas para compreender o pensamento de Platão e Aristóteles sobre a visão da política e da ética. A terceira parte, ressaltou a discussão sobre ética e política na contemporaneidade.
A primeira parte, sobre o pensamento de Platão, discorre sobre a concepção clássica do ideal de Estado. Para o filósofo grego, o Estado deve ser o espelho da alma humana, o reflexo das virtudes desenvolvidas nos homens. Mais do que isso, deve se basear na ideia de Justiça, do bem último de todas as coisas, contida na Ideia de Verdade, que é essencialmente imperecível e imutável.
Viver bem é viver de acordo com a Justiça transcendente, o Bem Supremo. Quer dizer, é preciso procurar descobrir a virtude da alma que lhe compete, e exercê-la da melhor forma possível. A natureza da alma precede qualquer tipo de organização política. A ética está intrinsecamente entrelaçada com o conceito, a priori, de virtude da alma. Os cidadãos da pólis estarão classificados em três tipos: trabalhadores, guerreiros e governantes. E esses tipos estão ancorados em partes da alma que mais se destacam: razão, temperamento e apetites.
Para o fundador da academia, só poderia governar a pólis (cidade-estado) aquele que atingir o ponto máximo da virtude, o autoconhecimento: sabedoria, coragem, temperança e justiça. O bom governante deve ter vencido a fragmentação da alma, e reúne em todo o seu ser a comunhão com o Bem Supremo.
Já Aristóteles constrói sua filosofia na concepção clássica de que a finalidade de todo individuo e da cidade é a felicidade. Para que a pólis alcance o seu fim último, necessariamente as pessoas devem desenvolver a sua virtude moral. E para que eles possam atualizar as suas capacidades naturais, é preciso que possam viver na experiência com o coletivo. Não se expressa a capacidade isoladamente. O homem, por natureza, é um ser social, e como tal, um zoon polítikon. A virtude deve, portanto, ser exercida cotidianamente, sendo um hábito para toda vida.
A pólis deve garantir a felicidade de todos, o bem-estar dos cidadãos. Ela não pode ser vista, de forma simplista, como um meio material para a sobrevivência de coletiva. A ética é imprescindível na vida política, na pólis.
A última parte do texto, discute sobre a questão ética na contemporaneidade. Os autores ressaltaram a criação dos Conselhos de Ética no Brasil, como um avanço significativo, uma vitória da ética na política. Outra lei importante foi a criação do Projeto Ficha Limpa, de iniciativa popular, que barra candidaturas de políticos condenados pela justiça.
Nas considerações finais, os autores resgatam a concepção de Paulo Freire sobre a politização das pessoas. É preciso que os indivíduos se interessem pela política, e não deixe relegar essa dimensão importante da vida social aos que desejam status e honrarias. Estes últimos, preocupam-se somente com questões privadas, egoístas e não pelo bem coletivo.
No último parágrafo das considerações, é questionado se os avanços éticos no Brasil são e serão usados como discurso falacioso dos candidatos, ou um comprometimento político verdadeiro.
A importância do texto em trazer a discussão da ética e resgatar os filósofos gregos é louvável e merece ser discutido em todo lugar. Mas algumas questões devem ser revisadas. A primeira delas é quanto ao pensamento grego. A natureza humana é desigual, pois cada um possui talentos diferenciados, e, como tal, uns terão capacidades mais desenvolvidas do que outros. Por isso, na pólis existiam escravos, estrangeiros, homens, mulheres. Somente os homens livres, de pai e mãe ateniense, maiores de 18 anos, e nascidos na cidade, eram considerados cidadãos. Só eles poderiam participar da ágora (esfera voltada para discussões políticas).
Em torno dessa diferenciação da natureza, a sociedade grega era aristocrática, o "governo dos melhores". Melhor não por causa da riqueza material, necessariamente, mas por causa da virtuosidade e capacidade natural do talento que lhe incumbe. A riqueza é uma conseqüência da vida boa para o pensamento dos filósofos.
Os autores não enfatizaram a questão da desigualdade natural dos homens, ponto crucial do pensamento grego. Os gregos concebiam que a sociedade estratificada deveria ser organizada sempre em consonância com o fato natural de alguns já nascerem em condições superiores. Em outras palavras, nem no campo social, nem na natureza, a igualdade existe.
O pensamento grego concebia que toda a vida individual e coletiva deve estar em sintonia com a Natureza. Este é um todo ordenado, com leis próprias, regulares, imutáveis que estrutura todo o universo. O humano deve exercer a eudaimonia, bem supremo, felicidade, encaixe com a Natureza. O Todo para os gregos é dividido em partes, com cada qual cumprindo a sua função, sua finalidade natural. Assim, também, deveria ser a vida humana: cada um buscando o seu talento e seu papel.
Por esses motivos, é perigoso relacionar a ideia de ética dos gregos com a política para o mundo atual. O pensamento grego era completamente diferenciado do pensamento moderno e contemporâneo. A ideia de um Ordem cósmica, com suas leis próprias e imutáveis, não acompanha o mundo da vida cotidiana. Em uma sociedade multicultural, como a brasileira, por exemplo, há inúmeras diferentes concepções sobre o divino. A nossa Carta Magna tenta abarcar algo comum, fora da religião ou da natureza, mas há diversas moralidades em jogo.
Quanto aos talentos naturais, por mais que os seres humanos tenham capacidades distintas em termos de habilidades e competências, pensar em um mundo social organizado pela desigualdade natural beira ao retrocesso. Até porque talentos não são naturalmente valorizados, mas dispostos e escolhidos, como superiores e inferiores, por diferentes tipos de sociedade. E, no fim, o dinheiro, numa sociedade capitalista, amplifica a desigualdade e hierarquiza os indivíduos em classes.
Para Nietzsche, amante do mundo grego, os melhores devem governar, devem ter posições mais elevadas na sociedade. Mas, baseados em quê? Quais talentos são valorizados, e por quê? Quais são os critérios do bom governante? Baseado em que valores, em que concepções civilizatórias?
Nietzsche, ainda, abraçou a ideia de que o indivíduo deve agir sempre de acordo com sua vontade de potência, sua expressão natural, sua virtude, em detrimento de uma razão moral que iguale os homens, ou em detrimento de instituições que reduzam a singularidade. Mas, voltando a Aristóteles, o humano é antes de tudo um ser social, e, como tal, deve colocar suas capacidades a serviço da sociedade. Se o seu talento for imbuído de traços egoístas, antissociais, intolerantes, antiéticos, que ataca valores caros para uma coletividade, devemos mesmo assim garantir que esse indivíduo prospere a qualquer custo? Ou devemos apostar mesmo na liberdade irrestrita?
Deixo essas breves reflexões a partir do artigo trabalhado. Espero que suscite algo provocativo acerca de como devemos encarar a vida social, relacionando o indivíduo e o social.
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Link da imagem: https://pt.dorit-meir.com/o-que-socrates-platao-e-aristoteles-pensavam-sobre-a-sabedoria
Referências
MEDEIROS, Alexsandro Melo; MEDEIROS, Adriano Melo. Reflexões ético-políticas: A filosofia Grega clássica e a política brasileira. RELEM – Revista Eletrônica Mut ações, Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Faculdade Atual da Amazônia - FAA, jan.-jul. 2011
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