top of page

O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO E OS DILEMAS DE LULA III


ree


O recente anúncio do desembarque do União Brasil e do PP da base do governo Lula e os possíveis desdobramentos dessa perda de apoio iluminam mais do que apenas peças do tabuleiro do xadrez eleitoral de 2026. Ao mesmo tempo, expõem um traço característico dos governos petistas — acentuado pelas alterações institucionais no equilíbrio entre os Poderes —, que, mais do que nunca, parece à deriva no mar de incertezas que tomou a Praça dos Três Poderes em Brasília.


Na cada vez menos utilizada gramática política do presidencialismo de coalizão, rupturas desse tipo são sinais de alerta, pois evidenciam a incapacidade do governo de turno em manter uma base coesa para aprovar medidas no Parlamento. Um governo é tanto mais eficaz quanto consegue compor uma base de apoio coordenada, sustentada por incentivos como a distribuição de cargos e emendas. Com efeito, conforme se apontou na coluna passada, os incentivos à manutenção do apoio legislativo estão cada vez mais ameaçados pela independência — sobretudo orçamentária — de que hoje dispõe o Congresso. Nesse sentido, um dos indicadores que demonstram essa capacidade é a taxa de efetividade.


Considerando os governos Lula I e II, a taxa de sucesso legislativo esteve em torno de 71%, mesmo levando em conta os efeitos do mensalão em meados dos anos 2000. Nos governos liderados pela ex-presidente Dilma Rousseff, essa taxa caiu para aproximadamente 60%, até o processo de impeachment que culminou com sua saída do poder.


Por outro lado, observa-se que, embora o governo Dilma I tenha atingido a maior base de apoio da história pós-1988 (339 deputados e 58 senadores), a taxa de sucesso legislativo diminuiu de forma considerável. A incapacidade de manter um terço dos votos necessários para barrar o processo de impeachment na Câmara revela que sua base de apoio, além de extremamente heterogênea, impunha altos custos de manutenção e, quando mais necessária, desfez-se no ar. Em suma, embora os governos petistas tenham ampliado progressivamente o número de partidos em sua base, foram perdendo força até o apeamento do poder em 2016.


Mas há outro dado relevante que ajuda a compreender esse quadro. Considerando as coalizões como algo além de simples instrumentos de obtenção de apoio, elas podem expressar a cooperação de partidos políticos que buscam governar com base em um programa mínimo. Nesse sentido, há uma métrica que ajuda a compreender tal perspectiva: o índice de coalescência, que mede a proporcionalidade entre o peso legislativo e a distribuição de ministérios.


Nos governos Lula I e II, o índice variou entre 49% e 52%. Já no governo Dilma I — paradoxalmente, o mais “forte” de todos — o índice caiu para cerca de 43%. Em outras palavras, os governos petistas, embora contem com uma base relativamente grande, tendem a ser avessos à divisão de poder. Considerando os postos centrais e as pastas mais cobiçadas, estas historicamente ficaram sob o comando de quadros do partido, indicando uma tendência persistente à concentração decisória.


Mesmo que o terceiro mandato do presidente Lula tenha se iniciado com um alto índice de coalescência (64%), essa divisão não se refletiu em sucesso na aprovação de medidas. Propostas como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, embora aprovadas, parecem ter resultado mais de um consenso congressual do que propriamente de uma vitória do governo. Considerando o contexto, até as emas de Brasília sabem dos problemas de comunicação que Padilha e Rui Costa enfrentaram com o então presidente da Câmara — episódios que custaram inúmeros desgastes ao governo e se refletiram na dificuldade de emplacar uma agenda mais ampla.


Com o recente desgaste do Congresso em razão da malsã tentativa de aprovação da PEC da Blindagem e da anistia aos golpistas de alto coturno, a reforma do Imposto de Renda parece soar como uma agenda positiva que Arthur Lira e seu escudeiro, Hugo Motta, desejam para limpar a imagem perante a sociedade. Não obstante, a sensação é de que, a despeito do contínuo aprimoramento institucional do sistema político brasileiro ao longo dos anos, ainda padecemos da síndrome de um sistema mais orientado por interesses individuais do que circunscrito por arranjos institucionais estáveis.


Para o União Brasil e o PP, parece ser mais lucrativo negociar ad hoc com o governo do que permanecer formalmente na base — mantendo viva a noção de que o presidencialismo de coalizão é, em essência, um arranjo de barganhas permanentes. Ao que tudo indica, o governo Lula III aposta, mais do que nunca, em fatores conjunturais para emplacar sua agenda. Em um cenário em que o Legislativo se fortalece e o espaço fiscal se estreita, a única coisa que parece continuar fora do radar é a disposição em dividir o poder.



Referência da imagem:

BRASIL. Câmara dos Deputados.Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão sobre a reforma trabalhista.Fotografia: Luis Macedo. Agência Câmara de Notícias.Brasília, 18 abr. 2017.Disponível em: https://sindicatodosadvogados.com.br/plenario-da-camara-dos-deputados-rejeita-pedido-de-urgencia-para-projeto-da-reforma-trabalhista/.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GATTO, Malu A. C.; DOS SANTOS, Pedro A. G.; WYLIE, Kristin N. Gendering Coalitional Presidentialism in Brazil. German Politics, v. 31, n. 1, p. 50–73, 2022.SAGE Journals. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1866802X221114473. Acesso em: 5 out. 2025.


LUZ, Joyce. A retomada do governo de coalizão em um novo governo Lula.Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), 2023. Disponível em: https://olb.org.br/a-retomada-do-governo-de-coalizao-em-um-novo-governo-lula/. Acesso em: 5 out. 2025


PEREIRA, Carlos. Brazilian President Rousseff’s First Governing Coalition: Better, But Not Good Enough. Washington, D.C.: Brookings Institution, 2014.Disponível em: https://www.brookings.edu/articles/brazilian-president-rousseffs-first-governing-coalition-better-but-not-good-enough/. Acesso em: 5 out. 2025.


SILVA, Débora de Souza; PEREIRA, Frederico Bertholini.Mecanismos de alinhamento de preferências em governos multipartidários: controle de políticas públicas no presidencialismo brasileiro. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 24, n. 68, p. 1–27, 2019. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/329/32963008006/html/. Acesso em: 5 out. 2025.

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page