O SOMBRIO MUNDO NOVO: A Infoxificação
- Alan Rangel

- há 20 horas
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Atualizado: há 9 horas

Estamos em uma época muito excepcional: assimilamos muita informação, com o avanço dos meios de comunicação, e não estamos conseguindo processar tudo isso na mesma velocidade. Com a revolução digital, a quantidade de informações que recebemos em um dia é, provavelmente, muito superior a todo século XVIII. Por isso, o montante de dados que nosso córtex cerebral recebe, diariamente, tende a criar uma infoxicação. Não evoluímos para armazenar toneladas de estímulos. Justamente por isso corremos um grave risco: a sobrecarga. E o que pode gerar isso? Uma série de impactos negativos cognitivos, emocionais e comportamentais.
A exorbitante onda de informação torna muito difícil uma seleção criteriosa e valiosa do nosso sistema nervoso, o que impede a formação de estruturas saudáveis. Ou seja, não há tempo e grau de relevância fundamentais na construção de memórias de longo prazo. Excesso de informação não gera conhecimento. “Por informação, entendemos qualquer evento passível de ser processado pelo sistema nervoso: um fato, um objeto, uma experiência pessoal, um sentimento ou uma emoção”.[1] Há uma deficiência entre aquisição de informação e sua consolidação.
Do ponto de vista das alterações sinápticas (funcionais), as memórias de longo prazo complexas requerem um maior recrutamento de sinapses (como por exemplo, os assuntos que aprendemos na faculdade) que as memórias simples (lembrar o nome de uma pessoa). E a consolidação das informações é prejudicada, como veremos abaixo, devido a elevados índices de dopamina. Também, a falta de concentração gera um déficit de memória.
A gama de interrupções nas tarefas diárias não produz consolidação. Por quê? Em média, levamos de 23 a 25 minutos para retornar o foco de algo em que estávamos concentrados, laborando.[2] Isso realmente é fruto de uma sociedade que exige a multitarefa. Já não conseguimos imprimir uma boa dose de concentração em algo, pois nos distraímos facilmente. Por exemplo, em sala de aula os estudantes parecem zumbis olhando para smartphones. Essa distração é fruto do hiper estímulo de neurotransmissores, mensageiros químicos importantes, sendo o principal a dopamina. E o que ela faz? Entre as suas várias funcionalidades, está ligada ao sistema de recompensa, responsável por motivações e geração de sensações de prazer. Quando essa atividade é exagerada, temos os vícios: o desejo ilimitado, uma dependência compulsiva. E o uso de telas excessivas, essa má gestão de tempo, comum na sociedade atual, nos coloca numa situação de vulnerabilidade. O que pode gerar os vícios dopaminérgicos? Vários estudos apontam a depressão, a ansiedade, cansaço excessivo, falta de sono, problemas de visão, o TDAH, alucinações[3].
Não sou apenas um estudante de Neurociências, mas um cientista social. Em uma análise sociológica, a quem interessa uma sociedade com distrações compulsórias? Os que precisam da fábrica das hiperestimulações. Especialmente, os que ganham dinheiro com nossa falta de foco. Ou os que procuram domar a nossa percepção da realidade, a nível político ou ideológico. Alguém está ganhando com isso, e eu e você estamos perdendo.
A infoxificação foi cunhado por Alfons Cornella, na década de 90, e tinha por objetivo “explicar a dificuldade em digerir o excesso de informação oferecida diariamente no meio digital e também distinguir a qualidade, veracidade e relevância das informações a serem absorvidas” [4] . A quantidade de informações resultantes do nosso estilo de vida gera uma vertente da neurointoxicação. Mas, devemos encarar a sobrecarga de informações como uma anomia social, parafraseando Émile Durkheim, sobre as mazelas sociais. Em suma: nossa sociedade não está bem.
Por isso é necessário mudanças. Sair de uma lógica em que o outro é considerado como um potencial consumidor compulsivo, sectário, desinformado ou fanatizado.
Estão surgindo ações que tentam afastar esse “sombrio mundo novo” das crianças e adolescentes, mirando as próximas décadas. É salutar a Dinamarca, por exemplo, proibir o uso de várias redes sociais para crianças e jovens menores de 15 anos.[5] Claro que essa é uma questão mais complexa, que envolve, por exemplo, o que farão os pais com seus filhos. Ou mesmo sobre uma questão de gênero, considerando a sobrecarga de funções que uma mãe tem em casa, comparada aos homens. Ou mães solos sem rede de apoio. O cansaço e o estilo de vida, também, devem ser repensados.
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Link da imagem: Ia Germini.
Referências
[1] MOURÃO JÚNIOR, Carlos Alberto; FARIA, Nicole Costa. Memória. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 28, n. 4, p. 791, out./dez. 2015.
[2] https://www.cnnbrasil.com.br/saude/estudo-mostra-como-nao-ter-atencao-desviada-das-tarefas-e-manter-o-foco/
[3] https://www-columbiapsychiatry-org.translate.goog/news/link-between-hallucinations-and-dopamine-not-such-mystery-finds-study?_x_tr_sl=auto&_x_tr_tl=pt&_x_tr_pto=wapp&_x_tr_hl=uk#:~:text=Os%20pesquisadores%20descobriram%20que%20n%C3%ADveis,que%20pode%20resultar%20em%20alucina%C3%A7%C3%B5es.
[4] KWIECINSKI, Anelise Maya; BERTAGNOLLI, Silvia de Castro; VILLARROEL, Márcia Amaral Corrêa Ughini. Infoxicação, políticas públicas e educação. ScientiaTec: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia do IFRS, v. 7, n. 1 (Edição Especial 4° Seminário de Pós-Graduação do IFRS), p. 5-17, jun. 2020. Disponível em: https://periodicos.ifrs.edu.br/index.php/ScientiaTec/article/view/4137/2610. Acesso em: 23 nov. 2025.
[5] https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/dinamarca-vai-proibir-redes-sociais-para-menores-de-15-anos/ar-AA1O2exw



Muito bom!
Excelente texto!