O SORRISO DA MULHER BAIANA
- Autor(a) Convidado

- 23 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de jul.

*Valério Hillesheim
“Os olhos são a janela da alma”. É uma expressão muito usada por muitas pessoas, no cotidiano. Em geral, o uso dessa expressão quer mostrar como os olhos e o olhar têm uma dimensão expressiva, referindo-se a alguma dimensão constitutiva da pessoa, quer de ordem valorativa, quer de ordem emotiva, mostrando algo de essencial. A origem da expressão não é certa. Alguns indicam ser de Mateus ou Lucas, da Bíblia, outros de Cícero ou Leonardo da Vinci e até mesmo de Shakespeare. O olhar pode mostrar tristeza, alegria, medo, amor, paixão, espanto, entre outras coisas mais.
Se os olhos e o olhar “são a janela da alma”, ouso dizer que “o sorriso é a expressão da beleza da alma”. Logo, “o sorriso da mulher baiana”, expressa a beleza da mulher baiana. O sorriso é uma manifestação excepcional e extraordinária da beleza do ser da mulher. Ele chama atenção por sua leveza, suavidade, gentileza, alegria e muitos outros atributos. O sorriso encanta porque é belo. É belo porque atrai a nossa atenção por aquilo que tem de agradável, afável, meigo e afetivo. Ele atrai por parecer gratuito e espontâneo.
Ouso dizer, também, que o “sorriso da mulher baiana” é o mais belo de todas as mulheres brasileiras e, mais, é o mais belo de todas as mulheres do mundo. Portanto, é “o mais belo dos belos”, parafraseando a canção. Ele expressa a riqueza multifacetada da mulher baiana. É a presente manifestação cultural e histórica de como o ser da mulher baiana foi constituído e se constituiu. Ele é forte, potente e não há império humano que não ceda ao seu poderoso encanto.
O sorriso é a alegria, traduzida em festa, em música, em arte. O sorriso da mulher baiana é um convite ao pertencimento coletivo, no humano humanizado, traduzido na sensível beleza alegre, afetiva e potente, cristalizada nas infinitas performances diárias, expressas em múltiplos contextos. É o “humano demasiado humano” de Nietzsche, em sua versão de “amor fati e de eterno retorno”. Por consequência, podemos desejar que se repita eternamente.
Ah, esse sorriso que nos arrasta para as festas populares, para os encontros não calculados, não planejados, portanto, espontâneos. Encontros livres de estereótipos, de classificações excludentes que invisibilizam a expressão da beleza da mulher baiana, mais valiosa que todas as pedras preciosas do mundo. O sorriso é a riqueza do carnaval e do São João. É lindo, também, quando presente nas diversas tradições religiosas, como no Candomblé, por exemplo. Ele revela uma faceta lúdica, nas diversas expressões artísticas. Será que surgirá alguém com a divina competência de musealizar a intensa e vibrante manifestação do sorriso da mulher baiana? Não temos ainda um Museu do “sorriso da mulher baiana”. Não carece. Ele já está tombado pelas práticas que o observam e o absorvem, no conjunto de nossas ricas experiências diárias, por sua mágica força propulsora de vida.
Com a devida vênia aos grandes pensadores, Platão, Aristóteles e Bergson, por exemplo. Não puderam observar, contemplar e conceituar o “sorriso da mulher baiana”, esse objeto genuíno e exclusivo de nosso tempo. Se estivessem vivendo esse presente dos deuses, de experienciar a mais bela maravilha do mundo, não poderiam conceituá-lo. Essa concepção, por abstração, limita, esconde e até mesmo nega o “numinoso” lúdico sorriso da mulher baiana. Nem Humberto Eco, em O Nome da Rosa, se aproximou de interpretar o significado do sorriso que é propriedade exclusiva da mulher baiana. Nem poderia, claro, pela interdição cronológica dos eventos.
O sorriso da mulher baiana transcende a toda classificação, pretendida por qualquer campo de conhecimento. Por isso, Humberto Eco não conseguiria classificá-lo como tolo, irônico, maledicente ou como simples objeto de análise da poética. Domênico de Masi, em seu Ócio Criativo, elogia a cultura baiana por conta de sua criatividade. Ideal para o que se espera e exige nas produções pós-industriais. Não chegou perto. O sorriso da mulher baiana é mais do que criativo, é, além de criativo, encantador, vívido, esplendoroso, poderoso, singelo, erótico, artístico, humano e divino. Ele arrasta multidões, atraindo almas ignorantes e sedentas por absorvê-lo, usufruí-lo. Ele está aí, disponível para qualquer um, a qualquer hora, nos rostos de nossas esposas, avós, mães, filhas, amigas, vizinhas, professoras, alunas e cidadãs. É uma força potente que se assemelha ao poder divino. Porém, contudo, entretanto, ele está envolto em um paradoxo! Dada a sua majestade, dada a sua espontânea disponibilidade, dada a sua liberdade, dada a sua gratuidade e outros atributos, buscamos, desavisadamente, usufruí-lo, usá-lo, saboreá-lo, consumi-lo. Mas, ao fazermos isso, o transformamos em um objeto qualquer, logo, o destruímos, pois o consumimos. É o preço de uma sociedade imediatista, consumista, sensualista, hedonista e utilitarista.

*Filósofo, doutor em Ensino, Filosofia, e História das Ciências; professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)



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