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O VULCÃO, A MOCHILEIRA, E O PRECONCEITO: a tragédia de Juliana Marins e os ecos da intolerância religiosa nas redes



A tragédia envolvendo a jovem brasileira Juliana de Souza Pereira Marins, de 26 anos, ocorrida em junho de 2025 no Monte Rinjani, na Indonésia, comoveu o país nessa última semana. Publicitária e mochileira, Juliana sofreu um acidente fatal durante uma trilha em um dos mais conhecidos vulcões ativos do mundo. De acordo com laudos técnicos divulgados posteriormente, a causa de sua morte foi uma queda de aproximadamente 50 metros, que provocou múltiplas fraturas internas e uma hemorragia.


Segundo o médico-legista, o óbito provavelmente ocorreu em cerca de 20 minutos após a queda. Apesar da clareza dos dados e da dor dos familiares, o que se viu nas redes sociais foi uma avalanche de comentários distorcidos, muitos deles carregados de preconceito, desinformação e intolerância religiosa.


Logo após a confirmação da morte de Juliana, começaram a circular nas redes sociais insinuações de que sua morte teria ligação com um "sacrifício" espiritual ao vulcão, numa tentativa de romantizar ou até mesmo espiritualizar a tragédia. Teorias absurdas sobre rituais religiosos surgiram rapidamente, com pessoas sugerindo que Juliana teria sido "oferecida" ao vulcão, como parte de um ritual antigo.


Em uma das manifestações, usuários chegaram a relacionar o caso a um episódio do desenho animado Pica-Pau, no qual o personagem é retratado sendo “oferecido” a um vulcão por nativos caricatos. Essa comparação infeliz, além de extremamente desrespeitosa, desconsidera a dor da família e expõe um problema estrutural que persiste no Brasil: a intolerância religiosa disfarçada de opinião.


É importante frisar que nenhuma das religiões de matriz africana ou cosmovisões indígenas que possuem rituais simbólicos ligados à natureza pratica sacrifícios humanos. A associação automática entre espiritualidade e barbárie é fruto de uma ignorância histórica, que criminaliza saberes ancestrais e reforça estigmas coloniais. Quando se sugere que Juliana teria morrido como oferenda espiritual, não se está apenas zombando de uma tragédia pessoal, mas também ofendendo pessoas que professam religiões não

hegemônicas.


Essa lógica perversa, que transforma um acidente em um espetáculo místico ou sobrenatural, revela um fenômeno social ainda mais profundo: o preconceito contra o que é diferente. Ao contrário do que muitos sugeriram nas redes, a morte de Juliana nada teve de ritualístico. O que houve foi uma série de falhas logísticas e operacionais no sistema de resgate e socorro da trilha, fato que a própria família tem denunciado. Eles apontam que Juliana foi vítima de negligência, e não de qualquer intervenção espiritual.


O Brasil é um país que, embora se diga laico, convive diariamente com episódios de intolerância religiosa, muitos deles violentos e sistematicamente invisibilizados. A Constituição Federal garante, no artigo 5º, a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos. No entanto, essa liberdade constitucional esbarra, cotidianamente, na prática discriminatória contra religiões de matriz africana, espirituais não cristãs ou conhecimentos populares que fogem da tradição eurocêntrica. A zombaria com a morte de Juliana escancara como essas manifestações discriminatórias estão enraizadas até mesmo no trato com a dor alheia.


Transformar a morte de uma mulher jovem, inteligente e cheia de vida em motivo de opiniões fantasiosas revela o quanto o respeito pelo outro ainda é um desafio social. A banalização da fé alheia, a circulação de teorias místicas sem fundamento, e a apropriação cultural desrespeitosa de imagens religiosas só colaboram para aprofundar a intolerância. O que Juliana e sua família mereciam era empatia, solidariedade e, sobretudo, justiça.


O debate que esse caso desperta deve ir além do acidente. Ele nos obriga a refletir sobre como lidamos com as crenças do outro, como tratamos o diferente e, principalmente, como o discurso de ódio se adapta aos novos meios digitais, se apresentando em forma de ironia, meme ou “teoria”. Disfarçado de humor, o preconceito ganha força e causa danos profundos.


A liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de ofensa. A sociedade brasileira precisa amadurecer sua relação com a pluralidade religiosa. Precisamos romper com os estigmas coloniais que associam religiões ancestrais a práticas bárbaras, e reconhecer que o respeito à fé do outro é condição essencial para a convivência democrática. A morte de Juliana Marins não pode ser reduzida a teorias sem fundamento

ou a insinuações ofensivas. Ela era uma mulher com sonhos, com uma vida em construção, que perdeu a vida tragicamente em uma trilha turística. Mistificar sua morte é não apenas desonrar sua memória, mas também reproduzir as piores formas de preconceito.


Que a memória de Juliana nos sirva de alerta e de aprendizado: não se brinca com a dor do outro, não se insulta o que não se compreende, e não se tolera a intolerância.


REFERÊNCIAS:


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:


BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes depreconceito de raça ou de cor. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 127, n.4, p. 416, 6 jan. 1989. Disponível em [https://www.planalto.gov.br/ccivil\_03/leis/l7716.htm](https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei

s/l7716.htm). Acesso em: 29 jun. 2025.


CORREIO BRAZILIENSE. Juliana Marins e o fator sobrenatural que estaria por trás da morte. 26 jun. 2025. Disponível em:

marins-e-o-fator-sobrenatural-que-estaria-por-tras-da-morte.html](https://www.correiobrazilie

al-que-estaria-por-tras-da-morte.html). Acesso em: 29 jun. 2025.REDDIT. Caso Juliana Marins. r/brasilnoticias. Disponível em: [https://www.reddit.com/r/brasilnoticias/comments/10ojlw4](https://w

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