* Por Sara Santa Rosa
Raiz quer dizer base, onde se estar firmado. O vento pode arrancar os frutos, as folhas, os galhos mais frágeis ou o caule, mas a raiz continua lá resistindo ao máximo às intempéries da vida. Raiz é, então, a parte essencial de cada um.
Pense nisso. Feche os olhos. O primeiro lugar que vier à sua mente é onde você encontra o seu equilíbrio de novo. O ano foi punk para todos. Uns mais, outros menos, mas não foi fácil. Só alguém desprovido de sensibilidade pode não ter sentido o coração apertar ao menos uma vez.
Todos nós temos uma raiz, ou seja, uma porção sem a qual podemos até seguir em frente, mas fazemos isso um tanto quanto coxos e raquíticos. Todos nós temos uma espécie de porto seguro mental. Pode ser uma pessoa, uma lembrança, um porta retrato, um medo que se tornou motivo de bravura interna, um lugar fictício ou real. Não importa. O que importa é reconhecer esse time e abraça-lo.
“Não tenho tempo para pensar nisso. Não tenho tempo para entreter minha alma com assuntos que não me retornam Money”. Assim responde a nossa sociedade pós-moderna que luta contra a deturpação do humanismo, a entronização da racionalidade e a morte súbita da sensibilidade.
Eu, audaciosamente, insisto em acreditar que precisamos resgatar a nossa sensibilidade, os nossos instintos e o nosso lugar de acolhimento mental. Precisamos despertar o humano que há na Humanidade. Precisamos disso e precisamos para já!
Muitas palavras e pouco pragmatismo. Concordo, meus girassóis. Não sou poetiza. Sou uma advogada sensível. Não sei, então, escrever sem pragmatizar... Quer saber? Abraço o meu pragmatismo. Talvez, ele me ajude a aliviar poeticamente a alma.
Minhas raízes estão à 360 km da minha casa, em uma casa de telha, dividida em seis ou sete cômodos, iluminada quase sempre pela luz do dia, com janelas de madeira (parecidas com as do quarto de Chico Bento, obviamente meu personagem favorito da Turma da Mônica), com uma televisão antiga e sensitiva, um relógio de parede que badala 12 vezes de hora em hora, com uma vista para as colinas e para as casinhas (como eu as enxergo) delicadamente construídas lá.
Minhas raízes, meus girassóis, estão no leite de gado que seu Tomé deixa na porta de casa todos os dias às 05:30h, na manteiga de feira e no pão amassado na frigideira. Elas estão na coberta quentinha e em uma rede rusticamente acolhedora na qual me “caracolizo”. Minhas raízes estão nas frutas da feira, no cumprimento carinhoso e familiar de um estranho, na mesa retangular que reúne a família em um almoço que cheira a simplicidade, no barulho de chuva no telhado e no cheiro de terra molhada.
Minhas raízes, meus girassóis, estão no cheiro de Dona Maria e na risada de Seu Zé. Algumas das minhas raízes são lembranças outras ainda podem ser vivenciadas por mim, mas continuarão sendo meu porto seguro, mesmo quando essas virarem pó de estrela.
Agora que fui pragmática quanto às minhas raízes, pensem na de vocês!
É necessário volver os olhos para dentro, porque isso nos faz conhecer o que realmente nos é essencial, o motivo de sermos o que somos e expressarmos o que expressamos. As nossas raízes, meu girassóis, dizem muito sobre a nossa personalidade e o nosso ideal de felicidade.
Eu sei que parece clichê, mas gosto de ser piegas, então... 2020 está sendo um ano atípico. Você pode ser ou não religioso, de direita ou de esquerda, de frente ou de verso... Não há como negar que este ano está sendo difícil e tem dado diariamente um tapa na cara da humanidade. Palavras um pouco agressivas, mas, às vezes, precisamos nos assustar para pegarmos no tranco.
Todos os dias pessoas morrem demasiadamente, seja pela COVID-19, seja por outras razões. Somos lembrados constantemente da nossa mortalidade, da fragilidade da nossa existência.
Uma pessoa que não se debruça sobre as suas raízes, que não as acolhe e dignifica, não percebe os lembretes diários que as notícias televisivas têm pregado na porta da geladeira (aqueles que não podemos esquecer, sabe?).
A vida é um sopro veloz para todos - este é o lembrete diário. A diferença é que alguns vivem o seu referencial de felicidade e outros o desconhece e sobrevivem no modelo de plenitude de um desconhecido que se torna mais relevante do que a sua própria alma.
“Case-se. Não se case. Tenha filhos. Não os tenha. Viva um amor para sempre. Viva várias paixões. Compre um sitio. Compre uma casa de praia. Vá à New York. Vá à Cuba. Trabalhe sempre dobrando a meta. Descanse. Vá à Igreja. Vá ao Carnaval. Vá, faça, cumpra, não vá, não faça, não cumpra...”.
São muitos verbos no modo imperativo para uma vida só, meus girassóis. E, alguém que não sabe o seu caminho de felicidade arrepia-se todos os dias na solidão da padronização social. Se olha no espelho e não se encontra. Se sente um eterno naufrago em terras estranhas.
Meus girassóis, as minhas raízes foram aclaradas a mim em 2020. Nelas é onde me sinto acolhida, reiniciada e consigo enxergar os óbvios que não me são tão claros no time is Money. O meu porto seguro me diz muito sobre o que me é essencial, portanto do que não abriria mão em hipótese alguma, simplesmente porque seria abrir mão de mim e viver na invisibilidade de mim mesma.
E, sinceramente: Deus me livre ser visível para as pessoas e invisível para mim. Você pode não estar em Green Gables, mas nunca esquecerá o que alimenta a sua alma e o que a deixa faminta. Por isso, eu desejo que você experimente o quão extasiante é conhecer-se a si mesmo e, com isso, experimentar o que lhe arrebata a alma, o ar puro, as paisagens bonitas, os cheiros que esquentam os pés da sua frágil existência antes da transcendência.
Um xerô, meus girassóis.
*Advogada, pós graduada em Direito Processual Civil e mestranda em Direito.
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