ORUAM CONTRA MBL OU VICE-VERSA: E VOCÊ? DE QUE LADO ESTÁ?
- Carlos Henrique Cardoso
- 14 de fev.
- 4 min de leitura

Uma vereadora de São Paulo – integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) – protocolou um projeto de lei, a ser votado por seus pares, que proíbe a prefeitura de contratar artistas que façam apologia a crimes e uso de drogas, tendo como alvo a proteção do público infanto-juvenil a esse tipo de mensagem. Esse requisito em si já é problemático, porém, o que ficou esquisito é que a vereadora, Amanda Vettorazzo (UNIÃO BRASIL), por meio de suas redes sociais, especificou um artista, que seria alvo principal do projeto: o rapper Oruam. “Quero proibir Oruam de fazer shows em São Paulo”, falou a edil. Ainda complementou: “chega de artistas de funk e rap fazendo apologia explicita ao crime organizado”. Com isso, sua ideia parlamentar ficou conhecida como “Lei Anti-Oruam”. Dá pra criar uma lei baseada em atingir alguém em especial?
Primeiramente, quem é Oruam? É um jovem de 23 anos, filho do traficante Marcinho VP, preso desde 1996, acusado por homicídio, formação de quadrilha, e tráfico de drogas. Os dois jamais conviveram juntos. Durante apresentação no Lollapalooza 2024, ele vestiu uma camisa escrito “liberdade”, orientada para a libertação de seu famoso pai. Ele não nega, no entanto, que o pai errou e pagou por isso. Possui mais de 10 milhões de ouvintes no Spotify e 8 milhões e 600 mil seguidores no Instagram. Ah, e seu vulgo artístico significa Mauro ao contrário, seu verdadeiro nome.
E o que esse cara canta? Ele é um dos nomes do Trap, uma ramificação do rap que usa batidas lentas e pesadas, e fala sobre sexo, drogas, e o cotidiano pesado das favelas. Logo, o conteúdo das letras versa sobre venda e consumo de entorpecentes, assim como ostentação, descrições eróticas, nada de novo no front dessa turma. Mas, e aí? Já dá pra concordar com a proibição?
Bom, é complicado afirmar peremptoriamente que o conteúdo do rap expressa apologia ao crime. Muitas vezes, não é o artista que fala por si mesmo. Pode haver a possibilidade da música estar descrevendo ações de terceiros, ou o intérprete ser um personagem de uma história muito comum para certas comunidades e atores sociais. Vamos pegar o Racionais MC’s e sua música “Diário de Um Detento”. Ela descreve o dia a dia de um condenado e mais: ela passa a reflexão não da exaltação de um prisioneiro, mas as mazelas do sistema carcerário brasileiro. O malandro foi romantizado muitas vezes pelo cancioneiro carioca como uma figura da cidade, e não alguém orgulhoso de sua arte de roubar. O Planet Hemp era um grupo que solicitava legalização da maconha. Marcelo D2 continua nessa mesma luta. Isso é crime? Das letras de Oruam que pesquisei, não vi nada além do perfil de jovens que sonham em ser um cara fodão, tendo que pra isso, enfrentar várias batalhas, algo bem sugestivo pra ser caracterizado categoricamente como alguém que prega a valorização do crime para menores, já que a lei tem o pretexto de proteger crianças e adolescentes. Como se o poder público fosse contumaz em contratar cantores de rap e funk pra matinê de parquinho, domingo de manhã...
Lembro da criação da “Lei Anti-Baixaria”, criada pela deputada estadual Luiza Maia, que determinava que o Governo do Estado não poderia contratar artistas que interpretavam músicas que desqualificavam a mulher, aqui na Bahia, durante o carnaval. O decreto foi aprovado e fazia sentido. Não dava pro Estado realizar campanhas contra importunação sexual com grupos cantando “vem sentar com o rabo” ou “passa na cara dela”, patrocinado pelo mesmo autor da ação contra a difamação. No entanto, essa lei da vereadora paulistana tem uma série de problemas.
A parlamentar se dirige a Oruam e ao gênero musical que ele trabalha, ou seja, direciona seu interesse, ao invés de deixar a questão abrangente. Assim, fica parecendo que a lei foi criada para ressaltar um Estado de Exceção. Ao citar o rapper e demais cantores de rap, fica subentendido que ela entende o gênero musical como um celeiro de criminosos que passam ao público sua vida bandida gloriosa por meio de mensagens artísticas, influenciando milhares de pessoas a seguir esse rumo. Oruam tocou em grandes festivais, é admirado por uma massa de seguidores, muitos deles vivendo as agruras de uma periferia perigosa, retratada em muitas letras, e que foi alvo ou assistiu muitos amigos de infância mortos ou presos.
Mas algumas atitudes de Oruam não o ajudam. Em resposta à lei, ele ameaçou a vereadora com alusões a estupro e outras agressões. Ele mesmo possui uma tatuagem de Elias Maluco, outro traficante perigoso, mandante do assassinato do jornalista Tim Lopes, um crime absolutamente brutal, a quem Oruam chama de “tio”. A resposta dele acaba realçando as acusações de Amanda e o projeto de lei, que poderia até não avançar, ganha fôlego diante de sua atitude reprovável. Aí cabe até denúncia ao Ministério Público. Nesse caso, Oruam pode influenciar sim, e muito mal, seus ouvintes. Muitos o ajudaram a atacar Amanda.
Após esse episódio, o MBL soltou o verbo criticando as feministas que não defenderam Amanda, só porque ela seria de direita. Mas aí eu recordo: esse mesmo MBL foi ágil em propagar uma mentira desgraçada repassada pela desembargadora Marilia Castro Neves de que Marielle Franco tinha sido amante de Marcinho VP e que fora executada por descumprir ordens do Comando Vermelho, numa tremenda fake News intitulada “Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é 'cadáver comum' ". Como o grupo quer que “a esquerda” se manifeste, após acreditarem e difundirem isso? E olha a coincidência: Oruam, segundo essa balela, seria “enteado” de Marielle. Se esse movimento olhasse o retrovisor para saber das besteiras que quis acreditar, não abria a boca pra solicitar apoio.
Nota-se após tudo isso, que não há clareza no que é criminoso ou não em uma música. Há nuances que não permitem demarcar isso tão facilmente. Entretanto, podemos inferir que parlamentar nenhum pode utilizar sua autoridade criando normas contra alguém em especial, assim como esse alguém especial não pode dar razão a essa autoridade ameaçando-a com delitos hediondos. Nem se pode cobrar de um grupo apoio, quando o mesmo grupo foi alvo dos agora agredidos.
FONTE:
IMAGEM: MSN
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