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Foto do escritorRamon Argolo

POETA BOM É POETA MORTO?







Ao longo dessa minha vida de poeta já morri e vi muitos dos meus mortos (vivos). Sim, morri de morte por acordo, de fato imposto, de um certo consenso obrigatório.


Se todo poeta só existe se tropeça numa projeção ou pós morte, foi nessa condição de vida pontual que lancei meus três livros, que Ediney Santana lançou os seus, que Dado Ribeiro Pedreira nos presenteou com seu belo “Saveiros de Papel”, que Pareta Calderasch declama pelos ônibus, guetos e ruas soteropolitanas. Luar Mendez, Herculano Neto, Johann Peer, o poeta do Rock, André Marques com seu poema cheio de referências do nosso sertão e tantos outros mais por aí vivem morrendo nesse trocadilho infame.


Pode parecer um exagero de quem escreve e não tem os holofotes das redes sociais robustas, com seus milhões de seguidores interagindo freneticamente (essa tem sido a meta de vida de muitos por aí) contudo, a verdade tem que ser dita: poeta bom é poeta morto! Ora, se estou a escrever e se todos esses que eu mencionei ainda escrevem, como pode um defunto rabiscar, então?


A fugacidade da vida, a admiração pela morte ou mesmo o sentimentalismo da segunda fase do romantismo não servem de explicação para essa máxima. Até o ex Barão Vermelho Roberto Frejat e a Dulce Quental (ex Sempre Livre) tentaram de alguma forma dar suas versões acerca desse pensamento, escrevendo "O Poeta está vivo!". Segundo eles esse sujeito não morreu, apenas foi ao inferno e voltou, assim como ao mesmo tempo descrevem na obra que ele foi conhecer os jardins do Éden (o paraíso) para nos contar. O certo é que, precisa e certeira mesmo é a pergunta desse texto quando indaga: “Mas quem tem coragem de ouvir?”


Dando uma rápida pincelada na história antiga, relatos informam que numa época em que a palavra falada já servia de forte recurso político, seja na Roma Antiga, na sociedade árabe pré-islâmica, os poetas, em sua maioria altamente instruídos ou autodidatas, detinham prestígio e eram vistos como profissionais com status de historiadores, propagandistas, adivinhos e estavam sempre muito ligados à nobreza, aos ricos que os patrocinavam no intuito de usufruírem dos seus ensinamentos e neles possuírem uma voz a seu favor na sociedade. Eram como uma espécie de professores, ensinando aos ouvintes, aguçando imaginações, interesses e sonhos.


Desde a alta Idade Média, passando pelo período renascentista e o período romântico poetas desenvolviam outras atividades, inicialmente ligadas também às artes como música, teatro, dentre outros, e depois, com uma diversidade maior de profissões, pois os patrocínios já não eram uma regra e era necessário complementar a renda familiar. Como peregrinos que eram, traziam e levavam informações e histórias dos lugares por onde passavam. No arcadismo, período em que surgiu o iluminismo e as ideias de revolução, liberalismo, cidadania e direitos humanos que mudaram o mundo daquela época, os poetas estiveram presentes e, além de ideias, desenvolveram poemas amenos, bucólicos, na busca de um equilíbrio em contrapartida ao caos reinante na escola barroca. Esse passeio que fizemos serviu para exemplificar os quanto participativos e importantes foram durante toda a história do mundo.


Viajamos no tempo e despencamos na Era da vida digital do século XXI! Um tempo singular onde o toque, os encontros de olhares, as reuniões presenciais de ouvintes e admiradores já não fazem parte de uma realidade comum por diversos motivos. Não que essa seja a desculpa, mas o poeta é aquele que busca o encantamento nas palavras (em versos, em declamações ou imagens) utilizando-as na tentativa de se fazer poesia. Sim, nem tudo é poesia! Esse é um erro clássico dos tempos modernos. Eles criam os poemas e estes têm a finalidade de se tornarem poesias, de tocarem que os lê, de encantar os apreciadores a ponto de transportá-los, apaixoná-los, fazê-los rir ou chorar, mas nem sempre é possível alcançar esse gozo único, hipnotizante, individual e peculiar que é a poesia.


Partindo dessa vitamina de ideias e conceitos, como querer morto alguém que se dedica a tão nobre missão? Por que diminuir ao ponto do que hoje vemos a importância e prestígio das professoras e professores? Opa! Me desculpem! Quis dizer, poetas e poetisas! Será que estamos reféns da vida líquida e superficial a ponto de não nos emocionarmos profundamente mais? Pensando nesse tema escrevi, no meu livro “A Vida Se Borda Em Versos” (2022), o poema intitulado "O problema é a profundidade", que nos oferece a seguinte reflexão:


Gostos, estilos, moda, publicidade...

Desenhos, escritos, palavreado, o divulgado,

mas o problema é encontrar profundidade.

O problema está na tal profundidade!

Tá raso, rasinho, faltam borboletas na barriga.

Medos, riscos, erros, peleia, escarcéu...

Limites, fobias, alaridos, preconceitos a granel,

mas o problema é armazenar profundidade.

É muita e tanta e quanta!

Tá fundo, não boio, afundo, falta leveza...

GRAVIDADE: ninguém mais mergulha na vida!


Como um poeta que vive morto, meus escritos podem não ter a devida relevância, então recorro ao verso “Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória...” um dia escrito pelo poeta Gilberto Passos dias Moreira.

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* Ramon Argolo é poeta, escritor, compositor e cantor baiano. Instragram: poetaramonargolo



Referências


https://pt.wikipedia.org/wiki/Poeta

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/ediney_santana.html

https://herculanoneto.blogspot.com/2015/08/saveiros-de-papel.html

https://portaloxe.com.br/herculano-neto/

https://www.instagram.com/poetapareta/

https://www.instagram.com/luar.mendez.oficial/?__coig_restricted=1

https://www.instagram.com/johann_peer2704/

https://www.musixmatch.com/pt-br

https://www.portugues.com.br/literatura/arcadismo.html


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3 Comments

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Que bom termos um poeta falando de suas e poesias e do seu poetizar aqui no Sotero!

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Robério Brito
Robério Brito
Mar 15, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

O Poeta nos lembra, quase sempre, sobre a dor e a delícia de sermos o que somos.


At. te. Robério Brito, Aracaju, 15 de março de 2023.

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Jac Gama
Jac Gama
Mar 15, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Muito interessante o texto, inclusive a forma poética de sua escrita, cheia de referências pessoais e locais! Ainda acrescentaria: Platão expulsa os Poetas da Polis, pois para o filósofo o poeta apresentava a representação, ou seja, mostrava o mundo sensorial, não o mundo perfeito, o mundo das ideias. Logo, a poesia também poderia enganar e corromper com seu encantamento, o que seria um perigo para a cidade. A poesia é perigosa porque ela desvenda o real no seu ato de representar, tirando as pessoas da ignorância.

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