A frase “por que jogar de biquíni ainda é obrigatório?” foi proferida pela revista TPM para divulgar a fala de Carol Solberg, jogadora do vôlei de praia brasileiro que competirá nas olimpíadas de Tóquio. A atleta, assim como várias outras esportistas, aderiu ao movimento de não sexualização da mulher no esporte.
Se em 1900 as mulheres eram obrigadas a usar roupas longas e quentes para a prática de esportes em competições, a exemplo da tenista Charlotte Cooper. Hoje as mulheres são obrigadas a usar biquínis e collants que sexualizam seus corpos. Não há nada que comprove que o mostrar mais ou menos a pele interfira no desempenho na competição e isso é perceptível ao compararmos as vestimentas masculinas com as femininas.
No caso do vôlei de praia, por exemplo, os homens vestem camiseta e bermuda, por que não são obrigados a usarem sungas? As mulheres necessariamente precisam vestir biquínis. Caso, de fato, a exposição corporal fosse necessária para melhorar o desempenho, a categoria masculina também usaria trajes que os expõem.
Se usarmos a lógica do argumento de quanto maior a exposição melhor desempenho, em verdade, a constatação poderia ser contrária, uma vez que a bola em movimento e em alta velocidade pode queimar a pele. O uso de shorts na categoria feminina provavelmente não impactaria na mobilidade, já que o mesmo não acontece na masculina, ainda que a anatomia dos corpos seja diferente existem shorts que podem ser usados tranquilamente por mulheres na prática de esportes.
Inclusive, percebemos o uso da peça por muitas mulheres em academias de ginasticas, corridas ao ar livre, esportes em areia, bicicleta, só para citar alguns e mostrar que não faz sentido criticar o uso do short por mulheres. Estou dizendo o óbvio para mostrar que o argumento do comprometimento da mobilidade não faz sentido.
Porém, o short ajustado ao corpo, foi motivo de penalização para a seleção feminina de handebol em areia da Noruega. A multa estipulada pelo comitê europeu de handebol foi de 1,5 mil Euros, o que dá um pouco mais de nove mil reais, a justificativa é que a roupa não condizia com o regimento imposto. Apesar do uniforme não prejudicar em nada as atletas no desempenho esportivo, por que ele não condiz com o regimento? A regra diz muito sobre o contemporâneo e as lutas feministas no esporte, do que de fato a performance das atletas em suas respectivas práticas esportivas.
Quando as mulheres não têm o livre arbítrio de escolher a sua vestimenta, tendo que inclusive pagar uma multa altíssima para um comitê que deve ser composto, provavelmente, em sua maioria, por homens cisgêneros. Isso mostra que a luta por direitos iguais para homens e mulheres ainda está muito longe de ser terminada. É perceptível que o uso dos uniformes que mostram o corpo feminino tem uma motivação muito mais sexualizante do que de fato uma justificativa esportiva, já que o mesmo não ocorre na categoria masculina.
A fetichização do corpo feminino não só ocorre no esporte, como já é sabido, mas, nesse contexto social, se torna uma forma de reduzir o talento e o esforço das atletas a apenas um corpo bonito. Motivando, inclusive, uma audiência menos engajada nas competições esportivas e mais na sexualização do corpo.
Essa exposição corporal em nada protege as mulheres, tanto do ponto de vista esportivo, como do ponto de vista da imagem, uma vez que a hiper exibição do corpo feminino no esporte pode reforçar padrões estéticos e continuar fomentando a indústria pornográfica, o tráfico sexual, o assédio e outras questões.
Claro que o aumento de engajamento nessas indústrias não é culpa das mulheres e muitos menos das mulheres de biquíni nos jogos olímpicos e em outras competições. Entretanto, as esportistas serem obrigadas a usar uma vestimenta que as expõem, sem nenhuma justificativa plausível, é um sintoma dessas questões citadas. Aqui friso a palavra “obrigada”. Elas têm obrigação, caso não tivessem, não teria ocorrido a multa na seleção norueguesa de handebol, por exemplo.
Atualmente existe todo um estudo acerca de roupas esportivas e existem aquelas que melhor se adequam a diferentes corpos e esportes. Algumas categorias poderiam se adequar melhor a roupas mais coladas a pele como na ginastica e roupas mais folgadas como no basquete, mas nenhuma obrigaria a atleta a mostrar mais ou menos. Quando se impõe uma roupa com base em achismo, sem estudo científico, se impõe um padrão de gênero, tirando o livre arbítrio.
É esperado que mulheres sejam sensuais e é isso que acontece quando são impostos alguns tipos de roupas nas categorias femininas. Assim como as atletas do handebol e do vôlei de praia, as ginastas olímpicas da seleção alemã optaram por usar collants de corpo inteiro, não deixando as nadegas a mostra, como ocorre normalmente na categoria. Esse foi um movimento de protesto para mostrar que as mulheres podem escolher que roupa quer usar, ainda que sua categoria esportiva permita roupas mais curtas, justas e que expõem mais o corpo.
No começo do século, mostrar o corpo feminino era aberração no esporte, lembra o exemplo da Charlotte Cooper lá no início do texto? As mulheres eram vistas como propriedade masculina e deveriam ser recatadas. Ao longo do tempo mostrar o corpo no esporte se tornou empoderamento e libertação, mas o ato de liberdade foi cooptado pelo sistema patriarcal para servir ao masculino. A mulher que mostra o corpo no esporte passou a ser sexualizada (infelizmente isso sempre aconteceu com os corpos femininos cisgênero, em qualquer ambiente e em boa parte da história).
As atletas atuais querem ter livre arbítrio para escolher mostrar ou não, mostrar demais ou de menos e não precisarem pagar uma multa por isso. Elas não precisam esconder e nem se exporem. A mulher em qualquer situação deveria poder usar o que quiser e isso se aplica ao esporte.
Não há desculpa para não aderir esse movimento de livre escolha da roupa esportiva, uma vez que hoje existem vários estudos na moda e no desempenho esportivo para a confecção de vestimentas adequadas para cada categoria, claro que algumas roupas são vistas como polemicas, como o caso de maiôs que melhoram a circulação de nadadores. Porém, isso não se aplica a esse debate do uso de roupas que mostram o corpo feminino, uma vez que não há constatação cientifica de que a exposição corporal pode melhorar ou piorar o desempenho das atletas. Para acrescentar, existe a justificativa de que não ocorre essa hiperexposição corporal nas categorias masculinas.
A constatação que podemos fazer sobre isso é: as mulheres ainda sofrem a pressão do patriarcado e lutar contra ele pode prejudicar carreiras, provocar multas, mas também desencadear revoluções. Que nas próximas olimpíadas e em outras competições esportivas, as mulheres possam usar o que quiserem. Que na vida diária a mulher possa vestir a roupa que desejar sem temer assédio e julgamentos.
REFERÊNCIAS:
FOLHA DE SÃO PAULO: < https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2021/07/atletas-se-voltam-contra-uniformes-sensuais-e-improprios-para-pratica-esportiva.shtml>
O POVO: < https://www.opovo.com.br/esportes/maisesportes/2021/07/23/por-que-o-handebol-feminino-da-noruega-foi-multado-por-nao-usar-biquini.html>
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Estou aqui assistindo a dupla brasileira de vôlei de praia nos jogos olímpicos de Paris e me veio esse questionamento, não faz sentido as garotas jogarem de biquíni. Deve ser desconfortável mas infelizmente parece que essa cultura não será mudada tão cedo..