Não são poucas as expressões com o célebre termo muitas vezes odiado, proibido ou amado "cu": " Quem tem cu tem medo", "Não passava nem um fio de cabelo amanteigado no cu", "cu trancou"; seus sinônimos : brioco, orifício anal, cofrinho, fiofó, boga; até mesmo xingamentos : " tomar no cu", " arrombado", " teu cu" etc. O que consta é que o cu importa e causa sérios atritos.
O cu está ainda atritando mais que a puta. “Puta" termo vulgar para a profissão legítima e que exige respeito, que se referem aos profissionais do sexo que vale lembrar, nem sempre são mulheres héteros cis. O termo "puta" como “viado” vem ganhando conotação positiva, transformada em luta social e identidade politica. O empoderamento do termo "puta" vem sob as críticas da dominação da sexualidade feminina, do uso de seu órgão e principalmente da objetificação do corpo da mulher à serviço social do homem na procriação e no depósito de seu prazer ejaculatório. A luta pela sua não objetificação pelo masculino, mas seu sexo como propriedade privada feminina a qual faz uso como bem entender e, portanto, exige-se respeito e fortes limites, tem meus infinitos aplausos. Puta sim, porque não?
Somos todas donas de nossos corpos e não estamos à serviço do social que dita e determina como a mulher sexualiza ou pratica sua sexualidade. Liberdade, sim! A luta feminina pela transformação deste termo em forma de poder faz com que essa visão muito moralista e religiosa, repressora e dominadora, caia por terra. Portanto, não é mais ofensivo quando um homem “hétero” machista, sexista e bem provavelmente bolsominion e fascista, por muitas vezes brancos e em seus carros, passam pelas ruas e "xingam" ou classificam mulheres de PUTA pela sua simples existência à rua. Contudo, a simples violação proferida por essas mulheres em defesa de si ao ser agredida, mencionando " teu cu, vá tomar no cu, você dá o cu" faz esse cara simplesmente surtar.
Ah, esqueci de informar que esse caso é real, vivenciado, presenciado e com toda certeza, analisado.
A verdade é que as palavras comportam estruturas de poder no sistema social, então, não é mimimi a exclusão de termos, a exemplo do racista "denegrir", e sim, você precisa ter o esforço para se transformar e se limitar em usar certas palavras... A sua ignorância não cabe mais. Tem informação gratuita de sobra para que se "cresça" e claro " apareça" de uma forma menos contaminadora e destrutiva socialmente.
É, amigo agressor, você não é uma agulha no palheiro, mas uma dentre muitas, e convivência é preciso ser aprendida. Quer ser bárbaro e falar asneiras? Guarde-as para si, pois o espaço social não é teu trono. Passamos séculos sendo "de"(s)ensinado a como conviver socialmente. Exato, pois a partir do momento que pautamos pessoas acima de outras, em privilégios e justificações irrisórias de violência, aderimos ao desaprendizado. Como adultos, chega a hora de tomarmos a frente e construirmos realidades menos violentas entre si, afinal a existência do outro corrobora na minha e extingue a minha espécie. É autoflagelo, e, consequentemente, suicídio. Não tem problema se deseja matar-se, mas não obrigue o seu próximo a seguir suas ideologias; afinal o outro é um território à parte, onde existe defesas, barreiras e outro reinado.
Voltemos ao “cu”, termo que temos que começar a retirar do pedestal de grotesco, proibido, nojento ou até mesmo engraçado, pois o cu é coisa séria. Presente até mesmo na psicanálise, ele tem até uma fase com seu nome, a fase anal. Por incrível que pareça é classificada justamente pelo momento em que a criança reconhece que existe um social e que precisa estar em convívio. Para tanto, cessa a perspectiva individualista e passa-se a ter noção da existência do outro! Ah, exato, não viemos do nada, nem nascemos para conviver com o nada. A própria existência se faz através da sua relação dialética com o próximo. Qual ponto o sistema de poder abusivo e desestrutural dos termos faz do cu uma existência individual se ele está na psicanalise chamando para a importância do coletivo?
Sem lógica, não!?
É justamente por pensarmos com a cabeça que deixamos o cu de lado, enquanto que ele é o dono da “porra” toda. O cu diz: tudo meu, nada deles. A poesia de Henrique César Pinheiro (vide trecho abaixo), já relata essa magnífica predominância do cu em nosso sistema biológico. O cu é central, até mesmo ganhou espaço na filosofia, que, contemporaneamente, e, felizmente, tem deixado a alma para se aproximar do palpável corpo, trazendo temas como o prazer deste e até mesmo suas estranhezas e desconfortos. Além disso, em regra, quando pensamos o corpo damos privilégio epistemológico para algumas partes e não para outras. Mas chegou a era da queda da cabeça para a elevação do mais belo dos belos, o cu!
“Belo? Como assim?”
Reveja seu conceito de estética, não compre ideais sem saber quem as vende e por qual razão. Belo sim, pois o prazer é o mais saudável das sensações humanas, estamos todos em busca da endorfina e dopamina e o cu é uma das fontes de prazer composta por muitas terminações nervosas que geram orgasmos em mulheres ( a saber como fazer) e ponto G em homens (pois meninos, liberem o cu para serem felizes, sejam menos rabugentos). Ressalto que prática sexual não define sua sexualidade, ser hétero não impede que busque prazeres anais.
É isso mesmo, o cu tá tomando espaço, o seu devido, que lhe foi retirado. Este que foi indigno e não desejado e marginalizado está em evidencia na obra de Javier Sáez e Sejo Carrascosa, intitulada "Pelo cu: politicas anais", sendo esta obra, exatamente, uma densa e importante produção teórica tendo como temática exclusiva o ânus. É no trânsito dos saberes da Sociologia, da Filosofia, da Teoria Queer e da Psicanálise que surgem algumas indagações de uma ética da passividade, ou ainda, como preferem os autores, uma analética, fazendo deste livro uma crítica feroz, profunda e com bastante humor ao sistema heterocentrado, levando em conta a questão da passividade. Cito Roberto Piva em seu fenomenal “poema elétrico do cu” : " cu proletário do corpo, grande escorpião revoltado, teu voo de liberdade começa a acontecer".
Porem passividade vem por muitas vezes confundido com submissão e inferioridade, não é mesmo? "Afinal quem dá o cu é a mulher ou o viado!" O tal do hétero top não pode sentir prazer no anus, muito menos arriscar que o toquem, tal como sagrado, sentir prazer em seu orifício seria motivo de passividade, submissão, perda de poder. Ou seria talvez a comprovação de que a cabeça não manda no cu? Ou é medo de reconhecer que ele desestrutura toda a mentalidade social agressora, violenta e repressora que encontrou no ‘cupoder’ e o destituiu para torná-lo sinônimo de fraqueza?
"O cu é o grande lugar da injúria, do insulto. Como vemos em muitas expressões cotidianas, a penetração anal como sujeito passivo está no centro do discurso social como o horrível, o mau, o pior. Mas, na atualidade existem culturas que se reapropriaram deste lugar abjeto e souberam convertê-lo em um lugar produtivo e positivo." Citando o livro de "Pelo cu: Politicas Anais”, podemos perceber que até mesmo o cu agora tem voz e subverte seu lugar de inferioridade reforçando o poder Ying da passividade em uma sociedade em que a agressão se tornou símbolo de poder.
Cabe lembrar que o grande Gandhi venceu as tropas do exército inglês e alcançou a independência da Índia pela passividade, pondo o cu no chão. Vale ainda mais frisar que o cu é a maior fonte de energia do corpo, um dos mais célebres chakras que libera a potência da kundalini, que quando ativada traz a consciência intensa, iluminação, poderes, habilidades psíquicas e onisciência. Ademais, passivação não é sinônimo de submissão, de permissão nem de falta de limite, mas apenas um fenômeno químico que é a perda da reatividade sob condições ambientais especificas. “Não seja reativo!”, princípio da agressão brutal e impulsiva, base da consciência elevada e sábia!
Que tal pensarmos que a passividade de Cristo é a vitória de todos os males, que a água com sua passividade corroí pedras e é o elemento mais poderoso dentre os outros?
Acredito que em uma cultura reativa e violenta, temos que aprender mais a sermos passivos, a retomar a potência transformadora da kundalini e a pôr o cu no centro de tudo, porque, silenciosamente, ele é a fonte mais temida de prazer humano. Não à toa foi classificado por séculos em diversas culturas com apenas conotações ruins, e, portanto, nós que temos o intuito de sermos livres das amarras sociais, compreendendo que tudo é construção e que muito é (des) aprendizado, temos o dever de liberar o cu e trazê-lo para o centro, potencializando-o, empoderando-o e não deixando que façam dele uma arma contra nós!
Mas, porém, contudo, aos mitos bolsominions, doentes, fascistas, homofóbicos, sexistas, que continuemos a alfinetar seus CUS já que ele ainda representa para estes um símbolo de fraqueza.
Trecho do poema de Roberto Piva.
POEMA ELÉTRICO DO CU
cu
fonte de energia kundalini
hóstia dos grandes libertinos
fornalha dos cocainômanos
boca azulada da verdade corpórea diagramada no infinito do desejo
cu grande iniciador de tempestades amorosas
vertigem verdadeira onde os amantes deslizam
cu
vaporizador da Idade Média do corpo
onda bioenergética de metais coloridos
omoplatas carregadas de hidrogênio
leopardos alucinados de tanto veludo
...
Trecho do poema de Henrique César Pinheiro
COMO O CU CHEGOU À CHEFIA DO CORPO HUMANO.
Mas lá do fundo sentado
Foi também falando o cu:
Aqui quem manda sou eu.
E acabou-se o vuvu.
Os presentes espantados
Já foram gritando:tu?
Formou-se aquele sururu.
E passaram a botar;
Tanto apelido no cu,
Que ficou só a escutar,
Quieto, e em nenhum momento,
Fez menção de revidar.
Passaram a lhe chamar:
Bufante, quincas, anel,
Fedorento, ás de copas,
Fiofó, boga, carretel,
Rosca, rosquite, rendondo,
Até roscofe e borel.
Depois desse escarcéu,
O cu logo entrou de greve.
Efeitos não demoraram.
Foram sentidos em breve.
Veio uma dor de barrica,
Uma dorzinha bem leve
…
Fontes:
https://www.amazon.com.br/Pelo-Pol%C3%ADticas-Anais-Javier-S%C3%A1ez/dp/8568275982
https://www.recantodasletras.com.br/cordel/1998405
https://claudiowiller.wordpress.com/2013/09/27/outro-inedito-de-piva-o-penultimo-aquele-poema/
Link da imagem:https://teatrodapombagira.art/portfolio/o-cu-do-mundo/
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