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QUANDO A FÉ MATA: Os Pecados Mortais do Protestantismo


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É sempre mais fácil apontar o dedo para fora do templo do que encarar os escombros que jazem sob seus próprios alicerces. Ao longo dos séculos, o protestantismo, nascido como grito de liberdade espiritual contra a corrupção da Igreja medieval, tornou-se, por vezes, cúmplice de novas formas de opressão, violência e morte. O que era para ser Reforma virou doutrina de supremacia; o púlpito que deveria ecoar justiça transformou-se em palanque de dominação. A Bíblia, que inspirou profetas a enfrentar impérios, foi usada para justificá-los.


Este texto não é um ataque à fé cristã protestante em sua inteireza. É, antes, uma convocação à memória crítica, ao reconhecimento histórico e à responsabilidade espiritual. É o alerta de que, quando a fé se ajoelha diante do poder, ela troca o Evangelho da cruz pela cruzada do Evangelho.


O protestantismo moderno, com suas diversas faces (luterana, calvinista, batista, pentecostal, neopentecostal) esteve presente em alguns dos maiores projetos de morte da história ocidental. De forma direta ou por silêncio conveniente, pastores, igrejas e teólogos abençoaram genocídios coloniais, legitimaram escravidões, abençoaram ditaduras e propagaram intolerâncias em nome de um Deus que jamais falou com ódio.

Quando igrejas alinham-se com armas, quando púlpitos ecoam supremacias raciais, e quando se transforma o Evangelho num instrumento de guerra cultural, o que se vê não é mais fé: é fanatismo. Não é mais profecia: é propaganda. É a obediência que mata: aquela que, como nos tempos de Eichmann e Hitler, mata não com ódio, mas com burocracia, com silêncio, com moralismo cínico, com a paz dos justos satisfeitos.


Este texto serve de porta para doze episódios vergonhosos, nos quais a história registra o envolvimento de protestantes, seja na Europa ou nas Américas, nos campos de concentração ou nos púlpitos da televisão, em ações que violaram radicalmente a dignidade humana em nome de Deus. Longe de ser um julgamento final, esta lista é um apelo: que o protestantismo do presente, e do futuro não repita os pecados de sua memória. Que seja, como dizia Bonhoeffer, uma igreja “capaz de levantar a voz por quem não tem voz”, mesmo que isso signifique perder privilégios. Que volte a lavar os pés, em vez de abençoar espadas. Que reconquiste a coragem de ser contracultural, não cruzada. Que chore com os que choram, inclusive pelos mortos que ajudou a enterrar. Eis a lista:


1. Colonização das Américas do Norte (século XVII–XIX) – Genocídio Indígena. Puritanos e outros grupos protestantes ingleses estabeleceram colônias na América do Norte (EUA). Em nome de uma “missão divina”, expropriaram terras e promoveram extermínios. Tribos como os Pequot foram praticamente dizimadas, como no Massacre de Mystic (1637). A teologia da predestinação e do “povo eleito” legitimou essas violências.


2. Apartheid na África do Sul (1948–1994). Implementado pelo Partido Nacional, de base calvinista-africânder. A Igreja Reformada Holandesa (protestante) apoiou o apartheid, provendo base teológica para a segregação racial. Negros eram considerados “inferiores por maldição” (mito de Cam). Milhares morreram por repressão, fome e violência estatal.


3. Escravidão Atlântica – Justificativas Protestantes (século XVII–XIX). Países protestantes como Inglaterra, Holanda e EUA participaram ativamente do tráfico atlântico de africanos. Muitos protestantes viam os negros como “pagãos” a serem convertidos e domesticados pela servidão. A escravidão foi legitimada com base bíblica (Ef 6:5), promovendo séculos de genocídio cultural e físico.


4. Guerra dos Bôeres (1899–1902). Colonos bôeres (protestantes calvinistas) enfrentaram o Império Britânico pela dominação da África do Sul. Embora ambos os lados fossem cristãos protestantes, a guerra causou a morte de dezenas de milhares de africanos nativos, sobretudo em campos de concentração organizados por britânicos. A fé foi usada como bandeira de superioridade.


5. Genocídio Hereró e Namaqua (1904–1908). Ocorrido na atual Namíbia, sob colonização alemã protestante. Com apoio de missionários luteranos, o Império Alemão exterminou cerca de 80% dos hererós e 50% dos namaquas. Foi o primeiro genocídio do século XX. Pastores justificaram a ação como “missão civilizatória”.


6. Guerras Indígenas nos EUA (séculos XVIII–XIX). Campanhas militares sistemáticas para remoção e extermínio dos povos indígenas. Líderes protestantes apoiaram leis como o Indian Removal Act (1830). Episódios como o Massacre de Wounded Knee (1890) foram precedidos por discursos religiosos que demonizavam culturas indígenas como “paganismo”.


7. Conquista Protestante da Irlanda (séculos XVI–XVII). Invasões inglesas e repressão contra católicos irlandeses por parte de governos protestantes. Cromwell, puritano inglês, cometeu diversos massacres (como em Drogheda, 1649). Estima-se que um terço da população irlandesa morreu em guerras e fomes induzidas.


8. Conquista do Congo e África Central pelos Belgas Protestantes (século XIX). Apesar de a Bélgica ser majoritariamente católica, protestantes de outros países (britânicos e alemães) estavam envolvidos na exploração. Missões protestantes colaboraram com o regime de trabalho forçado e conversão forçada no Congo Livre, sob domínio de Leopoldo II. Milhões de africanos morreram.


9. Genocídio em Ruanda – Participação e conivência de protestantes (1994). O genocídio de 800 mil tutsis contou com a colaboração de líderes protestantes. Igrejas protestantes (batistas, presbiterianas) foram usadas como armadilhas para massacres. Pastores participaram ativamente, segundo a Comissão da Verdade. A fé foi usada como proteção para criminosos.


10. Massacres de Cristãos Reformados nos Bálcãs – Repressões Cruzadas (século XX). Nos conflitos étnicos entre ortodoxos, católicos e protestantes nos Bálcãs, ocorreram represálias generalizadas. Embora protestantes fossem minoria, envolveram-se em perseguições étnicas-religiosas, sobretudo na Croácia e Sérvia. Relatos indicam apoio logístico a purificações étnicas.


11. Nazismo Alemão (1933–1945) – Holocausto e o apoio da igreja luterana oficial. O regime nazista, responsável pela morte de mais de 6 milhões de judeus e outras minorias, contou com a conivência de boa parte da Igreja Luterana Alemã, que formou a chamada Igreja do Reich. Essa igreja legitimou Hitler como “instrumento de Deus”. Teólogos protestantes como Paul Althaus e Gerhard Kittel ofereceram respaldo teológico ao antissemitismo. Apenas uma minoria (como a Igreja Confessante, de Dietrich Bonhoeffer e Karl Barth) resistiu. A tragédia mostra como a fé protestante pode ser cooptada pelo nacionalismo assassino.


12. Fascismo Europeu – Itália, Espanha, Portugal e conexões protestantes. Embora o fascismo tenha surgido em contextos católicos (Itália de Mussolini, Portugal de Salazar, Espanha de Franco), houve apoio ou silêncio de setores protestantes europeus e norte-americanos. Muitos evangélicos protestantes consideravam Mussolini um baluarte contra o avanço “ateísta”. Nos EUA, figuras como o pastor William Bell Riley expressavam simpatia pelo fascismo cristianizado. Ainda que não protagonistas, protestantes alimentaram uma cultura de antipatia democrática e culto à autoridade que favoreceu tais regimes.


Que esse lamento histórico não se repita como profecia autocumprida. A fé, em sua essência mais profunda e larga (tal como a cruz em sua verticalidade e horizontalidade, ou ainda estaca e trave), não foi feita para marchar com tanques, erguer muros ou selar pactos com a morte, mas para lavar os pés dos feridos, abrigar os que fogem e sustentar os que choram. No Brasil, terra de tantas contradições e esperanças, a fé não pode ser usada como armadura de cruzadas ou justificativa para exclusões. Deve, antes, ser antídoto contra o ódio e contra a memória que insiste em se apagar. Que aqui, a fé nos livre da repetição amarga dos horrores que ela mesma, um dia, abençoou. Que seja, enfim, alento e não açoite; pão, e não pedra; comunhão, e jamais condenação. Porque se a fé não humaniza, então já não é fé, é apenas ruído sagrado servindo ao poder profano.


IMAGEM: BBC

27 comentários

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Andreia Souza Reimão
04 de ago.
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O texto faz uma crítica profunda ao uso histórico do protestantismo como instrumento de opressão, violência e dominação. Mostra como, ao longo dos séculos, igrejas e líderes protestantes apoiaram genocídios, escravidão e ditaduras, traindo os princípios do Evangelho. Em vez de ser voz dos oprimidos, muitas vezes a fé foi usada para justificar o poder. O texto é um apelo para que a fé volte a ser caminho de justiça, acolhimento e humanidade.

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Rita Claudia Conceição Santos
04 de ago.
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A história da igreja protestante revela como, muitas vezes, o nome de Deus foi usado para justificar opressão, violência e exclusão. Esse passado sombrio é um alerta para que a fé volte a ser instrumento de humanização, justiça e solidariedade, e nunca um meio de dominação ou silêncio cúmplice.

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Convidado:
03 de ago.
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Helinei Andrade: Neste texto, o autor não ataca diretamente a fé cristã, mas relata os massacres historicos, responsabilizados por lideres lunáticos que usam o nome de Deus, para obter o poder. E assim perdendo a verdadeira essencia da fé, transformando em fanatismo.


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Yuji Nakanishi
03 de ago.
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Esse texto me fez pensar numa coisa que a gente às vezes evita: o protestantismo, que a gente associa tanto com liberdade e justiça, tem um lado muito sombrio que pouca gente quer encarar. Não é papo pra atacar a fé, mas pra reconhecer que, em vários momentos da história, a igreja virou aliada do poder opressor, fechou os olhos pra violência e até ajudou a legitimar tragédias.

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Vinicius Silva Pereira
02 de ago.
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Ao ler esse texto fui levado a refletir como certa doutrinas religiosas podem influenciar profundamente a forma de como as pessoas enxergam o que é certo e o que é errado. A ideia de que só fé basta para salvação ignorando atitudes e consequências me causou certos incômodos. Isso me fez pensar em quantas vezes a religião usou da suas doutrinas justificar atitudes que ofendem e fere os outros mesmo quando estão cobertas por um discurso de fé e salvação.

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