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Foto do escritorAlan Rangel

REAGINDO A MICHELLE BOLSONARO. QUANDO A POLÍTICA VIRA PALCO PARA PREGAÇÃO TEOCRÁTICA




Reagirei a trechos da fala de Michelle Bolsonaro na avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro de 2024.


“Nós somos gratos a Deus por esse dia tão lindo. Pela sua misericórdia, pelo seu amor e pelo seu cuidado. Deus é maravilhoso em tudo que ele faz. E não tem como não se emocionar vendo o exército de Deus nas ruas. Vendo o exército de homens e mulheres patriotas que não desistem da sua nação. Quantos viajaram dias, quilômetros para estarem aqui”.


Michelle Bolsonaro confunde, capciosamente ou não, o que é o cidadão republicano, que deve buscar seus direitos e cumprir seus deveres, do fiel religioso devotado a Deus. Política e religião juntos. E a religião aqui é a cristã. Esse é o “Exército de homens e mulheres patriotas”, afinal o exército é dos homens de Deus. Cidade dos homens e Cidade de Deus estão unidos, como unha e carne.


“Para dizer que somos um povo de bem e que defendem valores e princípios cristãos”.


Ela considera que os que estavam lá na Paulista, ou mesmo aqueles que apoiavam o ato, são o verdadeiro “Povo do Bem”. Todo o resto segue o caminho do mal, afinal a própria Michelle é portadora da Verdade.


“Desde 2017 nós estamos sofrendo. Nós estamos sofrendo porque exaltamos o nome de Deus no Brasil. Porque meu marido foi escolhido e declarou que era ‘Deus acima de todos’. E se é difícil com Deus, com certeza é impossível sem ele. E quantos ataques, meus amados, quantas injustiças”.


Então, os cristãos são perseguidos no Brasil? Não sabia disso. Achava que o pessoal de matriz africana que era perseguido. Não lembro de ver Igreja apedrejada ou incendiada por fanáticos. Não lembro de evangélicos sofrendo intolerância religiosa. Não lembro de ter diminuído o número de representantes evangélicos no Congresso. “Deus acima de todos” também era uma pregação fascista. “Deus, pátria e família”. Sem saber, ou sabendo, ela usa retórica fascista, assim como seu marido. E a gente sabe no que deu o fascismo: eliminação de quem pensa diferente, perseguição aos “inimigos da pátria”. O que seria então a Abin paralela senão espionar os adversários?


“Aprouve o senhor nos colocar a frente desta nação. Aprouve Deus nos colocarmos na Presidência da República para que a gente pudesse trabalhar e fazer a verdadeira justiça social na vida daqueles que mais precisam. E hoje o povo brasileiro sabe a diferença de um governo justo de um governo ímpio”.


O que seria a verdadeira justiça social, Michelle? Qual a diferença de um governo justo e injusto? É uma conversa abstrata e simplicista demais.


"Sim, por um bom tempo formos negligentes ao ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal tomou e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação. ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’ foi o versículo que ele [Bolsonaro] usou em toda campanha e eu creio que isso foi gerado no mundo espiritual, porque eu acredito em um Deus vivo. Um Deus todo poderoso que é capaz de restaurar e curar a nossa nação. Não desistam, mulheres, homens, jovens, crianças. Não desistam do nosso país. Continue orando, continue clamando porque eu sei que o nosso Deus, do alto dos céus, irá nos conceder um socorro”.


A passagem acima é bem grave. Claramente, é a defesa de uma teocracia. Ou seja, um discurso que coloca Deus e a fé acima da razão. É um discurso essencialmente anti liberal, pois a separação entre Poderes e a separação entre público e privado é jogado no esgoto.  É, também, um pensamento anterior à Reforma Protestante, imitando os católicos medievais na defesa da centralização de uma única religião, aos moldes do dogma cristão. Sabe quais são as teocracias existentes hoje em dia? Irã, Afeganistão, Arabia Saudita e o Vaticano.


Pois é, meus caros e caras, Michelle deseja um país governado por uma figura absoluta que impõe uma Justiça baseada nas Escrituras, passando por cima de tudo e todos que pensam diferente.  “Um Deus todo poderoso que é capaz de restaurar e curar a nossa nação”. Tipicamente uma mentalidade reacionária, muito comum no circuito da extrema direita internacional. O Ocidente estaria sendo acometido por uma crônica decadência moral, com base laicista, e precisaria de um líder restaurador. E quem seria? Talvez seu marido, “abençoado” por seu Deus.


O restante do discurso[1] é uma pregação religiosa usando vários trechos bíblicos.


Um ato público aparentemente político em apoio a Bolsonaro, e contra o Estado de Direito, financiado por um pastor, é uma grande pregação neopentecostal convocando o “povo eleito de Deus” para uma cruzada espiritual. No fundo, é isso: Michelle Bolsonaro e os bolsonaristas radicais acreditam que eles são escolhidos em uma grande batalha contra as forças do mal - os progressistas, a esquerda, o comunismo, os políticos, o STF, o PT. Um ato político que pratica a antipolítica.


Tomemos cuidado com Michelle. Ela é articulada, fala bem e tem seu charme. Pode ser uma futura candidata à presidência do Brasil. Sua voz ecoa os corações ansiosos por um mundo diferente, seja lá o que isso signifique.  


Que Deus nos proteja dessa insanidade coletiva. A história já mostrou várias e várias vezes onde o fanatismo pode nos levar. E vimos isso no 08 de janeiro de 2023, em Brasília.

 

 

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Gostei da análise! Parece tão óbvio para a gente, mas é tão natural para muitos. Aí mora um dos perigos!

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Sim. Preocupante

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Acho que esse discurso dela conversa bem com a percepção do Ramon sobre o cristianismo que deixou Jesus e agora foca na figura de Davi, o homem de Deus, Rei, guerreiro que luta contra inimigos.

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Faz sentido

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