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Foto do escritorKarla Fontoura

SE VIER SEM SAÚDE, A GENTE CUIDA TAMBÉM!



Quando grávida de meu pequeno, especialmente com a barriga à mostra, era muito comum pessoas, conhecidas ou não, puxarem uma conversa, querendo saber o sexo e nome do bebê. Para a infelicidade deles, eu não tinha o que falar, sobre um ou outro. Queria saber o sexo na hora do nascimento e, no mesmo dia, decidir o nome. Perdidas com as não-respostas, era comum elas fecharem a conversa com a máxima: “Ah, o importante é que venha com saúde!”.


Após meses ouvindo essa frase e passando por todo tipo de paranóia sobre a possibilidade do meu bebê nascer com algum problema de saúde, passei a entender que não estava nas minhas mãos e, talvez, na mão de ninguém o poder de determinar o quão saudável esse ser seria. Por isso, eu escolhi outra vertente para este tipo de conversa e passei a responder a declaração de saúde com a frase: “Se não vier com saúde, a gente cuida também!”.


Entendo que certas frases já estão tão entranhadas no senso comum que mal paramos para pensar o que elas realmente significam. Pedir saúde parece até um ato de gentileza, de cuidado e consideração, seja para um bebê ainda no saco amniótico, seja para uma pessoa mais idosa. Acredito que é uma forma de desejarmos o bem do outro ao declarar que a saúde seja a “melhor” possível. E se não for? E se nunca for?


Acredito que a fragilidade humana em não ter qualquer controle sobre o surgimento de certas doenças e até do que elas são capazes de nos causar, ao ponto de sermos “derrotados” através da morte, nos coloque nesse lugar de colocar a saúde como uma forma de declarar um tipo de bênção a vida de um semelhante. Parece que queremos vencer essa vulnerabilidade com o pensamento de que, mesmo que não dê certo, desejamos o melhor para aquela pessoa, desejamos aquilo que nem mesmo podemos garantir, ainda que tenhamos todo o dinheiro e os melhores amigos e parentes à nossa volta.


Essa situação da gravidez me deu essa reflexão na época e entendi que, o fato de não estarmos preparados para o que poderia ser o pior em termos de qualidade de saúde, não nos impedia de fazer algo caso isso se tornasse um fato. Em vez de meramente nos apegarmos à esperança de que a saúde se manifeste, porque não declaramos o que podemos fazer de fato? Cuidar é o que nos cabe e sempre nos caberá nesse tipo de situação. Controlar a doença não é uma opção em muitos casos mas, criar os aparatos para cuidar e amparar a fragilidade física de qualquer forma de doença está ao nosso alcance.


Não se preocupe. Não sou inocente de achar que a tal declaração de saúde se refira apenas a um desejo de qualidade de vida. Ouvindo das próprias pessoas que puxavam essa necessidade, eu também entendi o motivo para tal benção. Algumas delas faziam questão de falar como seria sofrido para mim ter que cuidar de uma criança sem saúde, seja por uma doença ou por uma deficiência. Contavam casos de família ou de amigos e vizinhos que tinham alguém acamado, imóvel ou dependente de um adulto funcional para cuidar das suas necessidades básicas.


Ou seja, de alguma forma, quando essa pessoa espera que haja saúde para meu bebê, ela deseja que eu me livre da terrível carga de cuidar de um “doente”. Eu tenho uma leitura de que esse tipo de discurso conversa bem com a cultura de capacitismo que domina nossa sociedade. Tanto que, a opção do senso comum quando se descobre que uma criança veio ao mundo com algum tipo de doença ou deficiência é sentir pena. Sentir pena da limitação daquele ser que nunca será “normal ou completo”. Sentir pena dos pais que não terão mais uma vida feliz porque viverão à mercê de cuidar daquele indivíduo. Sentir pena da fatalidade que assola o outro e que, “Deus queira, não aconteça com a minha filha!”.


A luta anti-capacitista sabe bem reverter esse tipo de diálogo ao apresentar que os seres humanos são diferentes e que as necessidades de cada um deles deveria ser suprida, pois não existe qualquer média humana de “normalidade” ou “anormalidade”. É claro que, para alguns corpos, há o diagnóstico de uma doença, mas isso não lhes incute a ideia de que são inferiores ou “almadiçoados” por não terem a saúde esperada. O foco não deve ser o fato de colocar os indivíduos na “saúde” esperada, mas ajustar a estrutura da sociedade para que ela viabilize a movimentação também desses corpos, dando-lhes a dignidade para fazer coisas básicas como se locomover nas ruas, trabalhar, estudar, se divertir, etc…



Nesse sentido, eu quero que você reflita como, muitas vezes, estamos despreparados para ter uma conversa franca e aberta sobre as possibilidades do corpo vivo e suas dimensões plurais, nem um pouco condizentes com o padrão “ser humano” que está construído simbolicamente na nossa cabeça. Meu filho não nasceu com uma doença ou com uma deficiência, mas, desde aquele momento da gravidez, com esse entendimento, eu me coloquei à disposição para recebê-lo da maneira que fosse. Pois, como disse antes, se vier sem saúde, a gente cuida também!




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