E vem aí mais uma copa do mundo! Dessa vez, no fim do ano, atipicamente. Estamos acostumados a ver esse torneio entrelaçado às festas juninas, e por isso a animação aumenta. Bandeirolas verde-amarelas, jogos acompanhados de licor e amendoim cozido, forrobodó comendo no centro depois de uma vitória. É um período interessante, pois agrega quem não acompanha futebol. Agora temos um panorama diferente. Após uma eleição conturbada, fim de ano se aproximando, todo mundo cansado e mais uma onda de COVID a vista pra gente se preocupar. Mesmo assim, com o assunto ainda meio frio, vai ter aquela parada pra ver a “pátria de chuteiras” em campo, afinal, é um momento ímpar pra unir nossa brasilidade. E é?
Pessoalmente, nunca fui lá um torcedor fervoroso da seleção. Comemorei o tetra e o penta, claro, mais na condição de aproveitar a gandaia pós-conquista do que praticamente se orgulhar desse importante título e ir as lágrimas com o sentimento nacionalista no peito. Pelo contrário, a cada copa que passa me sinto menos estimulado a gritar gol com entusiasmo. Talvez por que vá sentindo que o país vai mudando a cada 4 anos e estamos muito mais distantes desde aquele 7 a 1 em 2014.
E é nesse compasso que estou. Fiquei muito apreensivo com os rumos que o país estava tomando e até agora não estou seguro de que vai tudo em paz. Uma parte da população parece que vive em transe cotidiano, numa realidade invertida e o patriotismo exacerbado vem acompanhado de cenas dantescas de passionalidade. Hino cantados pra pneus, gestos reprováveis em frente a quartéis, marchas vergonhosas pedindo intervenção militar, Forças Armadas sendo tratadas como os Vingadores da Marvel. E o mercado percebeu isso. Estão sendo comercializadas – e com boas vendas – camisas da seleção com outras cores (inclusive vermelha). Vendo tudo isso, vou saindo à francesa de compactuar com essa gente vibrações voltadas para o escrete canarinho no Catar.
Pode ser bobagem minha essas justificativas pra não torcer ou amenizar minha torcida, no entanto, vestir a camisa da CBF e saldar a Pátria amada tem muito mais associações com a surrealidade descrita no parágrafo acima do que uma identificação com o país, ainda mais depois que os nordestinos viraram os desgraçados da nação e o Sul virou o Brasil porreta e consciente. Meus afetos, portanto, não estão lá muito perfilados com esse ânimo “sudestino”.
Pra deixar a coisa ainda mais irritante, os convocados de Tite têm pouca conexão com o país que representam nos gramados. Dos 26 convocados, apenas 3 atuam em times locais. Distantes, muitos não se envolvem em campanhas, Não auxiliam desabrigados pela chuva, não compraram um tubo de oxigênio durante os momentos mais cruéis da pandemia. E quando se manifestaram politicamente, foram a favor do atual presidente, que gastou mundos e fundos pra se reeleger, perdeu, e silencia enquanto sua massa insufla as ruas do país pedindo golpe. Claro que não são todos que agem assim, estou me referindo a um modus de não operação de grande parte deles. E tome distanciamento da seleção!
Ser brasileiro estaria, a meu ver, muito mais ligado em se preocupar com a dignidade dos povos da terra – índios, quilombolas, agricultores, ribeirinhos – que sempre sofreram com situações ruins de enfrentamento a dificuldades tamanhas; aos trabalhadores desmobilizados, informais, e sem-direitos; às nossas crianças e adolescentes analfabetos e sem escola; ao povo sem água, longe dos grandes centros; aos pobres de alimentos, de atenção, e de saúde; ou mesmo aos atletas olímpicos, sem patrocínio e sem apoio que ainda assim conquistam medalhas olímpicas e que merecem nosso aplauso e desejo de vitória. Posso estar listando um monte de clichês, mas encontrando parâmetros para não confundir sentimentos identitários com adoração a símbolos nacionais.
Resumindo: não sou nem um pouco ufanista e nem sei como vou reagir quando a seleção entrar em campo. Sei que quem é atleticano, flamenguista, corintiano, tricolor, vascaíno, etc., se alegra muito mais com um título do seu time que um gol de Neymar com a amarelinha. A copa tá vindo aí. Veremos como vai estar a motivação. A minha tá zero.....
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