SEXACIONAMENTOS: a sociedade em contínuo morango do amor
- Armando Januário
- 28 de jul.
- 4 min de leitura

Inerente a existência humana e inconsciente em essência, o desejo sempre empurra para “matar vontades”, como o leite absorvido no seio materno. Passada a infância, seguimos buscando reviver aquele prazer primário, inesquecível, e, aparentemente, inalcançável. Em algum momento, encontramos um objeto para saciar a angústia por aquele primeiro deleite. Permanecemos ali, regalando os instintos, até a repugnância. Logo depois, seguimos, irracionais, perseguindo o delírio por um novo ente, supostamente capaz de encher nossos espíritos de delícias inefáveis.
Em uma semana, a versão atualizada da maçã do amor, cresceu 1333% em buscas na internet, caso comparada ao mesmo período, em 2024. Na quinta-feira, 24 de julho, o morango do amor chegou ao ápice de buscas nas plagas digitais. Dois dias antes, em Cuiabá (MT), a espera ávida de uma mulher terminou em desmaio, a SAMU foi chamada e ela foi encaminhada para uma UPA, onde recebeu os devidos cuidados e passa bem, mesmo sem ter ainda desfrutado a iguaria. No iFood, os pedidos aumentaram 25 vezes: as 11 mil compras de junho deram lugar a 275 mil em julho, totalizando 524 mil doces entregues.
Com um vermelho vibrante, o doce conquistou os brasileiros. Seja em forma de bombom ou no clássico palito, a exemplo das maçãs do amor, a fruta coberta por brigadeiro branco e caramelo vermelho foi elevada ao santuário das voluptuosas guloseimas. Contudo, exige destreza no preparo: só deve ser retirada do fogo aos 150ºC, do contrário, não solidifica e derrete; por outro lado, se ultrapassar essa temperatura, queima e fica amarga. Parece que a definição de risco pelo prazer foi atualizada: acessar o morango do amor requer paciência em filas quilométricas, a preparação do novo manjar demanda minúcias e os preços variam entre R$ 15 e R$ 25 a unidade. No contexto do Tecnofeudalismo, as plataformas online, como esperado e (insta)programado, seguem lucrando de forma exponencial: postagens com novas receitas a todo instante, levam a milhões de views.
Quando analisamos o contexto histórico, percebemos o quanto essa febre foi introduzida de maneira calculada pelas gigantes da tecnologia. Em 30 de abril, o confeiteiro Eliezer Lima postou o doce, atingindo mais de 1 milhão de visualizações no Tik Tok. Entre o fim de maio e início de junho, uma massiva divulgação acerca da Lua de Morango foi realizada nas redes digitais. O nome original do fenômeno, Lua Cheia de Junho, a despeito de não ter a cor tão intensa quanto a fruta, foi substituído, em um movimento de assimilação das tradições de determinados povos tradicionais dos Estados Unidos da América (EUA), que associam a lua cheia à colheita de morangos.
Essa tessitura remete ao caráter dos relacionamentos, após a sindemia da Covid-19. Se sob a égide do neoliberalismo, eles eram fugazes, com o avanço da cultura tecnofeudal, se expressam enquanto reticências em formato de áudios curtos de WhatsApp e fotos íntimas em conversas privadas, quase sempre vazadas, com objetivo de engajar. Na (des)civilização dos feudos tecnomedievais, volta-se para as verdades pseudo-absolutas, falo-cristãs e anarco-divinas. As polarizações afetivas atraem tanto quanto o morango do amor. Elas brilham em tons de vermelho-sangue e tem “sabor de mel”, sempre prontas para agradar os mais exigentes paladares: igrejas, ideologias político-partidárias e o tão almejado sexo perfeito. E gozoso!
Contudo, após um brevíssimo espaço/tempo, a velocidade na perseguição do prazer move os olhares para outros territórios. Nesse respeito, política e religião têm sido entretenimento constante. A disrupção oferece sempre novos pratos com sabores variados todos os dias: doces, picantes, amargos, e, com maior frequência, podres. Estamos cansados de procurar existir a partir do olhar do outro, entretanto, seguimos, doentes e famintos pelo reconhecimento alheio. Encontramos no morango do amor uma pausa para nossas frustrações diárias e ódios mesquinhos. Todavia, eles estão recalcados em nosso psiquismo e tão logo essa chuva vermelha e doce conheça as estiagens da primavera, a tendência é retornar em uma ensandecida luta pelo gozo efêmero, que a humanidade iludida persiste em acreditar ser eterno. Na verdade, se existe infinidade, essa parece ser da baixa autoestima e idiotice, as quais seguem fazendo updates ad nauseam: vidas roteirizadas rolam pelos feeds, injetando nos cérebros colonizados, dopamina e fear of missing out (FOMO), ou em tradução irônica: “fomo logo ali na internet com medo de perder as novas tretas”.
Seres faltantes, esquecemos da impossibilidade de saciar todos os desejos. Antes da fome terminar, acaba o doce e logo se compra outro, de preferência pela internet, para não perder tempo. A própria noção temporal foi redefinida: através dos iPhones e Androids, a sociedade conhece a mutação descivilizatória resultante do analfabetismo digital, em espaços virtuais por onde o conceito de horas é saturado pela fluidez. Perdas de tempo gigantescas em prazeres artificiais e necessidades injetadas pela agulha – grande e grossa – da hiperconexão, formam bandos de cretinos digitais, preocupados com a opinião e influência de pessoas que jamais irão conhecer. Nessa perspectiva, os relacionamentos perderam as primeiras três letras, se resumindo a trocas sexuais SEXionadas. Orgasmos rápidos e constantes, sem preliminares, onde o pênis precisa ser a britadeira ininterrupta. As consequências são amplamente conhecidas: frustração, anorgasmia e ausência de responsabilidade afetiva.
Esse vaporoso estado de coisas conheceu mais um update. Há algum tempo, circulam áudios nas redes, com seres humanos que se dizem homens, cobrando Pix das mulheres com quem tiveram um date, sem sexo. Esse sanduíche de realidade, com sobremesa de morango do amor, escancara mais um tumor cancerígeno do machismo: como, nesses encontros, as mulheres exercem o direito em dizer não, os seres humanos dotados de genitais masculinos se acham na razão de exigir que elas paguem pela comida e bebida para a qual foram convidadas. Quem chegou até aqui, talvez se pergunte: onde o provérbio, “quem convida, dá banquete” se perdeu?
Em breve, a carnificina digital pelas plataformas online logo retornará, se bem que ela não terminou. Apenas deu um tempo para o novo surto coletivo pós-bebês reborn: strawberry of love. Agora, o momento está reservado às mentes incautas gozar no Sétimo Céu, com aquele barato parecido com a cocaína, que só o açúcar tem. Yummy!
IMAGEM: F5 (UOL)
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