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SOBRE ISRAEL, IRÃ, E MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS


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Meu desejo nesse texto é ir à narrativa sobre a Guerra entre Israel e Irã, fazendo uma leitura a partir da lente psicanalítica tendo em perspectiva o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, entendendo ser possível estabelecer uma analogia crítica entre o narcisismo do protagonista machadiano e o comportamento geopolítico de Estados como Israel e Irã, especialmente na configuração da guerra militar e também simbólica que travam entre si.


Brás Cubas é a imagem da elite que narra a própria história com desdém pelo outro, travestindo o fracasso em elegância, e a indiferença em filosofia. Ele transforma sua impotência em narrativa autocentrada. Analogamente, Israel e Irã, em suas respectivas performances de poder, também constroem narrativas de si que são narcísicas, autolegitimadoras e alienadas da alteridade. Cada um se vê como o portador da verdade, da justiça, da promessa divina ou da resistência moral, e, como Brás Cubas, ignoram ou desprezam o sofrimento que causam em nome de seu "legado".


Israel, frequentemente sustentado por uma narrativa de excepcionalismo histórico e religioso, que se ancora na memória do Holocausto e na ideia de ser "o único Estado democrático do Oriente Médio" (uma mentira disfarçada e descarada narcisicamete falando) opera um tipo de narcisismo geopolítico. Como Brás Cubas, nega seu fracasso ético em relação ao Outro (no caso, os palestinos), transformando a exclusão, o apartheid e o domínio militar em "defesa nacional", como se sua violência fosse isenta de culpa por vir de uma ferida histórica. A negação do sofrimento do outro, elemento clássico do narcisismo é patente.


Do outro lado, o Irã xiita se vê como bastião da resistência anti-imperialista, herdeiro do martírio de Hussein e porta-voz dos povos oprimidos. Mas esse discurso também pode ser lido como uma máscara narcisista: em nome da luta contra o “Grande Satã” (EUA/Israel), o regime teocrático impõe repressão interna, sacrifica vidas e instrumentaliza causas justas para preservar seu próprio domínio. Tal como Brás Cubas, projeta sentido onde há poder, e faz do fracasso (econômico, social) uma glória épica.


Assim como o romance de Machado de Assis expõe um sujeito que, mesmo depois de morto, deseja dominar a narrativa da própria vida, Israel e Irã insistem em narrar o mundo a partir de si mesmos, ignorando que a história, quando escrita em sangue, jamais é redimida pela retórica. Cada míssil lançado é, simbolicamente, um capítulo de Memórias Póstumas, onde se afirma: "não fui um herói, mas fui alguém que teve a última palavra".


A guerra entre Israel e Irã, sob essa chave machadiana e psicanalítica, não é apenas um confronto por território ou hegemonia regional, é também uma disputa narcísica entre narradores que se recusam a ver o outro como sujeito, e que transformam a dor coletiva em peça de legitimação do próprio ego geopolítico. Como Brás Cubas, preferem a filosofia da indiferença à ética da responsabilidade. Mas, ao contrário do romance, aqui as páginas são manchadas de sangue, e não de tinta.


Sei que este texto desagrada tanto aos defensores incondicionais de Israel quanto aos entusiastas irrefletidos do Irã, sendo justamente por isso ele é necessário. Escrevo não para confortar certezas ideológicas, mas para provocar pensamento, sustentado por uma leitura crítica e reflexiva que encontra na literatura, especialmente em Machado de Assis, e na psicanálise, caminhos para desvelar os jogos de poder, os narcisismos coletivos e os discursos autolegitimadores que marcam essa guerra. Não se trata de tomar partido cego, mas de lançar luz sobre as sombras que todos preferem manter escondidas.


Entendemos assim, que a guerra, como a narrativa de Brás Cubas, pode ser um espelho, mas um espelho que, ao refletir apenas o próprio rosto, se quebra sobre os corpos daqueles que nele não se veem.

30 comentários

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Tamires Santos Barreto
04 de ago.

Israel e Irã são países do Oriente Médio marcados por rivalidades políticas e religiosas, com destaque para o conflito entre Israel e o mundo árabe e a influência teocrática do Irã. Já Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é um romance realista narrado por um defunto, que faz críticas irônicas à sociedade do século XIX, revelando as vaidades e hipocrisias da elite brasileira com humor ácido e pessimismo.

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Andreia Souza Reimão
04 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

O texto compara a guerra entre Israel e Irã ao narcisismo de Brás Cubas, de Machado de Assis. Mostra como ambos os países constroem narrativas centradas em si, ignorando o sofrimento do outro e usando a dor como justificativa moral. Assim como o personagem machadiano, Israel e Irã preferem o poder simbólico à responsabilidade ética. A análise propõe uma leitura crítica e psicanalítica da guerra, revelando o egoísmo geopolítico e a cegueira diante da alteridade.

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Tamires Santos Barreto
04 de ago.

“A fé mata: os pecados mortais do protestantismo” analisa criticamente como certas interpretações do protestantismo contribuíram para intolerância, fanatismo e repressão ao longo da história. A obra destaca contradições entre os princípios originais da Reforma e práticas posteriores, como o moralismo excessivo, o individualismo radical e a exploração econômica em nome da fé. Mostra como crenças podem ser usadas para justificar violência e exclusão.


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Helinei Andrade
04 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

O texto não apenas alinha literatura, ele convoca um gesto oposto ao controle narcisista dos discursos. Ao apontar que a guerra é um espelho que reflete apenas o próprio rosto e se quebra sobre corpos invisíveis, você clama por uma ética narrativa onde o Outro deixa de ser invisibilizado. Esse é o ponto de maior convergência com o projeto crítico: desmontar fantasias de grandeza que se sustentam no apagamento do outro.

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SABRINE
04 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Um texto que desloca o eixo da análise geopolítica para onde ela mais incomoda: o espelho. A analogia com Brás Cubas é certeira e incômoda, revelando que o maior campo de batalha pode ser a narrativa que cada Estado cria de si — sempre elegante, sempre legítima, sempre cega para o Outro. Enquanto Israel e Irã disputam quem tem a dor mais autêntica, esquecem que o sofrimento real não escreve crônicas, apenas enterros. E talvez o mais trágico seja perceber que, como em Machado, o ego sobrevive mesmo depois da morte — e continua narrando.

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