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Sua fonte materna é nutridora ou devoradora? Narcisismo e a auto cura

Foto do escritor: Equipe SoteroprosaEquipe Soteroprosa

É de total conhecimento social e mundial que a maior fonte nutritiva do universo é a mãe. Simbolizada pela natureza, o aspecto luminoso da terra e das árvores, àquela que permite e viabiliza a vida e que de coração aberto, sem desejar nada em troca, fornece toda a nutrição necessária para a vida. Ao observarmos os animais conseguimos perceber essa beleza, àquela que tudo sacrifica para dar ao bebê preparo suficiente para a sua existência. Alimento, segurança e ao mesmo tempo liberdade, como as mães pássaros que no tempo certo, empurra seus filhotes para o abismo para que aprendam a voar e para que não se tornem presas fáceis. No entanto, será que essa é a realidade de todos os humanos? Serão todas as mães fontes nutritivas ou algumas delas podem ser devoradoras?


Sabemos que o humano é de fato milhões de vezes mais complexos do que podemos imaginar e que com a configuração social que temos, devido ao afastamento de sua própria natureza saudável, muitos são as distorções e as perversões dos instintos. Portanto, sim, é totalmente possível e até mesmo frequente mães devoradoras e que não agem conforme o processo natural saudável se configura. Milhares são as causas desses distúrbios, contudo, hoje, iremos nos centrar em um em especial, o transtorno de personalidade narcisista.


O que é transtorno de personalidade narcisista?


É uma doença mental, sem cura, do qual geralmente a pessoa nasce assim e são, muitas vezes, comparado a outros transtornos de personalidade como a sociopatia e a psicopatia, por não possuírem a qualidade empática, ou seja, a capacidade de sentir compaixão, culpa, vergonha, ou seja, se configura pela incapacidade de estabelecer vínculos afetivos saudáveis. Não se sabe ao certo porque a pessoa nasce com esse transtorno, mas pesquisas apontam para uma disfunção química do cérebro, onde algumas áreas não são ativadas, justamente, aquelas responsáveis pelo medo, culpa e afetos. Portanto, apresentam alta atividade em outras regiões do cérebro responsáveis pela lógica. Altamente racionais, chegam a possuir uma inteligência acima da média e geralmente apresentam-se socialmente como pessoas extremamente agradáveis e sociáveis. O que dificulta o diagnóstico de tais transtornos, principalmente pelo fato de não sentirem necessidade de buscarem tratamento.


O intuito não é dar uma de psiquiatra nem de Sherlock Holmes buscando traços de transtorno de personalidade em si mesmo nem nas pessoas ao seu redor. Trago aqui uma visão muito reduzida de um estudo bastante complexo. A proposta é justamente refletir sobre a construção social da imagem da “mãe” perfeita disseminada na nossa cultura que de nada tem a ver com a realidade, que de modo algum pode ser reduzida a pequenas caixas. Compreender que mães antes de a serem são acima de tudo seres humanos com seus traumas, desafetos, sofrimentos e doenças e que negligenciá-los em nome de uma força religiosa da maternidade suprema luminosa não é saudável nem para elas nem para os filhos.


Se você sente ódio de seu filho, às vezes vontade de matar e de manipular para que ele faça o que deseja, não significa que você é narcisista, somos seres humanos, atravessados por dores profundas e desafetos! Ao contrário, isto é saudável, pois demonstra que você possui capacidade de sentir e se existe culpa, remorso ou vergonha, embora nada exagerado seja bom, significa que seu cérebro funciona corretamente.

Vamos deixar de lado essa postura sensacionalista e entendermos melhor como funciona o cérebro de um narcisista para podermos compreender essas mães devoradoras e suas vítimas.

O que seria uma mãe narcísica?

Assim como o transtorno de sociopatia, o narcisista não tem a capacidade empática, portanto, isto não significa que eles não tenham a capacidade de fingir possuí-los, já que inteligentemente compreendem que o meio em que vive superestima tais padrões e para conseguirem se adaptar e angariar vítimas precisam usar a capacidade discursiva e portanto são excelentes manipuladores, possuindo alta capacidade dissuasiva, ou seja, são difíceis de detectar por serem altamente simpáticos e camuflarem as ausências de suas emoções ou de valores éticos e morais.


O que acontece é que a personalidade narcisista é mais perceptível quando você é uma de suas vítimas, pois este transtorno não possui tamanha eficácia de dissimulação, pois os narcísicos ao se superestimarem e subestimarem suas vítimas acabam deixando suas máscaras caírem quando se sentem por demasiado seguros, o que auxilia na sua detecção. O que o torna menos perigoso que o transtorno de sociopatia e psicopatia, ademais, matar no senso real não é um de seus objetivos, pois precisam da vítima para se manterem existentes. O que muito ocorre é uma morte lenta no sentido de consumir a energia do outro, já ouviram falar de pessoas vampiros? É mais ou menos isso que ocorre aqui. Pessoas narcísicas são extremamente danosas a suas vítimas, mas e quando essa pessoa se torna mãe?


Por estarem no posicionamento de endeusamento as mães narcisistas acabam sendo mais tóxicas do que outros relacionamentos como os de amizade ou amorosos, pois se há uma dificuldade em romper relações amorosas ou de amizade narcísicas, imagina as famílias e principalmente sendo está tão venerada socialmente que é a figura materna.


Mães narcísicas assim como outros narcisos, antes de serem mães já eram narcísicas. São pessoas que se sentem superiores e, portanto, merecedores de total veneração por parte do outro, não enxergam os demais como seres humanos com suas próprias necessidades, mas como escravos que devem estar à suas disposições como e quando desejar. No entanto, essa postura não é explícita, por muitas vezes sendo camuflada por vitimismo e fingida baixa autoestima. Estas pessoas acometidas por esta doença não permitem que suas vítimas recebam destaque e muito menos que encontrem a liberdade, tendem a atrair e consumir pessoas com perfil de dependência e carência afetiva. Abrir mão de suas liberdades à serviço do narcísico é para ele nada mais que sua obrigação.


São pessoas que comumente diminuem as outras, jogam umas contra as outras e isolam suas vítimas, mostrando-se como única fonte nutridora e salvadora de maneira extremamente sutil e manipulatória. Geralmente essa ação é cautelosa e extremamente camuflada, o que faz com que a vítima que está sofrendo tais manipulações não as perceba e as veja como únicas salvadoras de sua existência inutilizada.


Lembremos do mito de narciso, sim, aquele conhecido por se afogar de tanto admirar-se. Narciso é um personagem da mitologia grega, filho do deus do rio Cefiso e da ninfa Liríope. Ele representa um forte símbolo da vaidade, sendo um dos personagens mitológicos famosos por sua beleza e orgulho. Narciso teria vida longa se jamais visse seu próprio rosto e é exatamente como as pessoas com o distúrbio relacionado a esse mito vivem, projetando-se no outro, seja em sua sombra ou em suas auto venerações, nunca se enxergando, pois se assim o fizessem, perceberiam seus distúrbios e este estado sucumbiria dando lugar a um aspecto mais saudável através de tratamento psicológico e psiquiátrico.


As vítimas do narcisismo materno


O filho de uma mãe narcisista acaba sofrendo profundamente, feridas tão graves que causam dentre muitas vezes doenças como depressão e ansiedade, pois vivem sendo acusadas de não satisfazerem suas mães corretamente. Ouvem constantemente desde sua gestação que não são autossuficientes, pois a mãe narcísica não os prepara para vida, mas para si mesma, não contribuindo com sua liberdade e autonomia. O intuito não é de fazer a criança ser livre e seguir sua vida, mas servir ad eterno sua mãe, assim como a representação magnífica da bruxa no filme “Enrolados”, reinterpretação de Rapunzel. O arquétipo da mãe tóxica e devoradora é então trazido nos contos pela bruxa, àquela que suga as competências e as qualidades do filho para que nunca se afaste da mãe. As vítimas acabam tendo uma baixa autoestima, descrédito de si mesmas, têm dificuldade de se valorizarem e de reconhecerem seus potenciais. O financeiro é um dos primeiros a ser abalado e são pessoas cujo enfrentamento à vida é prejudicado, lidando com uma imensa dificuldade de dar limites e de se impor.


Os filhos de narcísicos acabam reproduzindo relacionamentos amorosos e de amizade narcísicos em busca da mãe arquetípica, nutridora e benéfica, estão sempre na postura de doadores, curadores do outro e servindo incondicionalmente. Possuem muita dificuldade de lidarem com sua agressividade interior, pois viveram a reprimindo e constantemente abafando suas vontades, desejos e sonhos. Na maioria das vezes a vítima narcisista é mulher, pois figura exatamente como o espelho ideal dos aspectos negativos da mãe, diferente do filho homem que acaba sendo visto pela mãe como o filho de ouro, aquele que é supervalorizado e venerado falsamente, no intuito de mantê-lo sempre beneficiando a mãe, seja defendendo-a, seja fornecendo dinheiro ou bens materiais. A mulher então se torna a expiação de seus pecados e por mais que doa tudo de si para receber o afeto ou a valorização materna é sempre rejeitada e reprimida, nada que faça será suficiente. Isto faz com que a vítima mulher fique presa a essa relação, nutrindo a mãe eternamente e se desfazendo de si, em um total círculo vicioso de auto sabotagem.


O processo de intoxicação da vítima da mãe narcisista não acaba apenas com a morte desta e com o distanciamento. Este deve ser um processo interno, pois a figura devoradora da mãe passa a ser projetada em novos devoradores narcisistas que vão se aproximar por sentirem cheiro forte de empatia. Geralmente essas vítimas são empáticas em um nível exagerado, foram criadas exacerbando a compaixão pelo outro, buscando sentir tudo com muito mais intensidade, absorvendo as emoções do mundo e se configurando em uma espécie de fonte de luz que alimenta tudo e a todos ao seu redor. É comum que sejam extremamente amorosas, acolhedoras, nutridoras, afetivas, mas também submissas, não reativas, compreensivas e compassivas, o que é prato feito para outros narcísicos em busca de vítimas sempre em busca de novas após perderem o domínio sobre as antigas. A vítima de uma mãe narcísica possui alta tendência de entrar em relações de profunda toxicidade e tende a se afastar de pessoas não tóxicas, pois estão acostumadas ao padrão anterior. Essas pessoas desejam devoradores para que sua alimentação tenha razão, motivo de existência, pois não sabem receber cuidados saudáveis, muito menos serem auto nutritivas.


Como uma vítima narcísica pode se auto curar ou se auto transformar?


O desafio é imenso, mas o processo de cura é aquele de buscar o arquétipo da mãe nutritiva saudável no seu interior, afinal, temos em nós todos os aspectos luminosos e sombrios contidos em nossa psique, e precisamos acessá-lo para que o círculo de fluidez ocorra no interior. Assim como Narciso no mito viabiliza o sequestro de Perséfones,a filha querida de Deméter, a mãe saudável e nutridora, símbolo da terra, por Hades, Deus do inferno que aprisiona Perséfones no mais profundo da terra, pessoas narcísicas viabilizam nossa auto prisão no inferno psíquico. Sair desse movimento requer muita terapia, autoconhecimento e mudança de padrões mentais. Compreender que, opostamente ao que nos foi ensinado pela mãe devoradora e pelo social reprodutor de padrões tóxicos, não nascemos para servir de banquete para demais rituais antropofágicos e que não devemos a vida a ninguém a não menos que a energia suprema do universo. A mãe não dá vida, apenas viabiliza a existência do ser, mas a vida é algo que precisa ser co-construída com o indivíduo no momento que toma posse de sua realidade e se auto responsabiliza.


O movimento de romper o cordão umbilical é demasiado sofrido quando se trata de uma maternidade saudável e nutritiva, imagina quando esta é devoradora. Portanto, nenhum radicalismo é saudável e fazer o movimento de rompimento absoluto e imediato que é o que se recomenda em relações com narcísicos ao tirar a fonte deles de alimento, seja por reações negativas ou positivas da vítima, não é de todo um processo aconselhável. O que é necessário romper são as ligações internas de projeção da mãe saudável à mãe adoecida, reconectar com a Deméter interior ou a mãe nutridora saudável que existe na psique da vítima, que a tem em potencial, já que foi ensinada durante a vida a apenas nutrir. Ao invés de forçar a não empatia ou se isolar da sociedade, mantendo o padrão da autoagressão, entrando em um processo rígido de se fechar e negar qualquer interferência externa, o que pode agravar transtornos de ansiedade e depressão, é buscar se reconectar com o saudável interno, pois a vítima não é a geradora da doença, ela apenas recebeu a toxidade, mas não o produz.


A capacidade empática é uma riqueza e não deve ser vista como propulsora de aberturas a relações agressivas, mas uma forma de curar o “eu” interior por demasiado sofrido. Chama-se também este processo de a cura da criança interior, buscando alterar padrões tóxicos que machucaram a criança interna que causa reações inconscientes. Você não deseja relações abusivas, mas acaba sempre “atraindo-as”, pois o seu inconsciente te leva a se interessar por essas relações, pois seu cérebro está programado para elas. A proposta então é reprogramar seu cérebro através de técnicas auto curadoras.


Portanto, se você é ou foi vítima de relações narcisistas busque sua fonte nutritiva interna, se dê todo o alimento que fornece ou fornecia ao seu dominador narcísico. Se auto nutra e se auto alimente, não deixando sobrar nada para que o dominador sugue, o que o fará deixar de te utilizar como vítima primária ou secundária. Faça o movimento que o narcísico jamais poderia fazer, que é o de se enxergar e se reconectar com seu interior, buscando preencher todo o vazio que te ocupou durante todos esses anos.


Esse conselho é para todos, sejam os que viveram relações narcísicas ou apenas outras toxicidades comuns ao ser humano, já por demasiado desviado de sua natureza primária. Se conecte com sua fonte interior e não seja nem um devorador nem um terreno a ser queimado e destruído por devoradores. Nós temos dentro, toda a ferramenta para reconectar-se com a cura e viabilizar uma existência muito mais saudável.


Agora, é com você, pois a única obrigação que tem nesse universo é ser um bom auto-cuidador de si mesmo. O que pode fazer para se fazer feliz? Pare de se auto sabotar, não permita que seu pior inimigo que mora no seu interior destrua a sua possibilidade de auto realização. Não perca tempo, olhe-se, cure-se, pois nossa existência é muito curta e o paraíso só pode ser alcançado aqui. Vá buscar sua Perséfones do inferno psíquico e a traga para sua Deméter cuidar, corte o retroalimentação que te prende ao Hades e rompa com possíveis toxicidades futuras ao ficar atenta a sua própria auto toxicidade.


Para finalizar deixo aqui com vocês uma música que muito me tocou, pois podemos ter nascido e sermos criados por ambientes tóxicos e abusivos, mas cabe a nós, agora, reconstruir nosso lar, construirmos uma nova história e nos curar de si.


Flaira Ferro - Me curar de mim

Sou a maldade em crise

Tendo que reconhecer

As fraquezas de um lado

Que nem todo mundo vê


Fiz em mim uma faxina

E encontrei no meu umbigo

O meu próprio inimigo

Que adoece na rotina


Eu quero me curar de mim

Quero me curar de mim

Quero me curar de mim


O ser humano é esquisito

Armadilha de si mesmo

Fala de amor bonito

E aponta o erro alheio


Vim ao mundo em um só corpo

Esse de um metro e sessenta

Devo a ele estar atenta

Não posso mudar o outro


Eu quero me curar de mim

Quero me curar de mim

Quero me curar de mim


Vou pequena e pianinho

Fazer minhas orações

Eu me rendo da vaidade

Que destrói as relações

Pra me encher do que importa


Preciso me esvaziar

Minhas feras encarar

Me reconhecer hipócrita

Sou má, sou mentirosa

Vaidosa e invejosa

Sou mesquinha, grão de areia

Boba e preconceituosa

Sou carente, amostrada

Dou sorriso e sou corrupta

Malandra, fofoqueira

Moralista, interesseira


E dói, dói, dói me expor assim

Dói, dói, dói despir-se assim

Mas se eu não tiver coragem

Pra enfrentar os meus defeitos

De que forma, de que jeito

Eu vou me curar de mim

Se é que essa cura há de existir

Não sei, só sei que a busco em mim

Só sei que a busco


Me curar de mim

Me curar de mim

Me curar de mim

Me curar de mim




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1 Comment

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Guest
Nov 13, 2024
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UMA REFLEXÃO NECESSARIA PRICIPALMENTE EM NOSSA GERAÇÃO, ONDE A SUPERPROTEÇÃO TEM INVENENADO OS NOSSOS FILHOS.

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