SÉRIE: O NEGATIVO INFLUENCIADOR - A metamorfose que assustaria Kafka
- Jacqueline Gama
- há 7 dias
- 3 min de leitura

Capítulo II- A metamorfose que assustaria Kafka
Um belo dia um influenciador acordou sem filtros. O rosto queimado depois de um procedimento de peeling. Outro não acordou, morreu em uma sala de cirurgia fazendo mais uma lipo. O silicone daquela lá infeccionou. A tatuagem do olho da fulaninha a cegou. Neste mundo de perseguição imagética, a metamorfose kafkiana em seu viés mais pornográfico, aparece.
Involuímos. Tudo para conter os danos de uma sociedade adoecida pela dismorfia corporal produzida pelas redes sociais. Viramos insetos, baratas que come estéticas do corpo. E não há remédios nesta indústria de suplementos, antidepressivos, anabolizantes, ansiolíticos, harmonizações faciais, canetas de emagrecimento (ozempics e mounjaros).
Nos tornamos um Monster, não apenas o mostro, a subversão da ideia de humano. Mas a marca de energético que viralizou nas redes e vem se tornando a mais querida aberração da Geração Z, que busca por hype, o tal do estar na crista da onda. Bebendo o energético junto com o tadalafila (remédio para ereção), que pasme, tem sido utilizado como pré-treino, e para performar pornograficamente no Only Fans. Aviso aos homens falocêntricos, obcecados pelo próprio pênis: tadalafila em excesso pode amputar aquele seu amiguinho lá, e até te matar.
A imagem virou mensagem e a mensagem se tornou postagem. O meio é a mensagem, já dizia McLuhan. Para estar vivo é preciso ser visto. E para ser visto contemporaneamente é preciso estar online e produzir conteúdo. Do contrário, estará morto como Gregor Samsa. Mas que tipo de conteúdo? Uma foto do dia, um recorte de um segundo, nem que seja um copo d’água, uma xícara de café, pesos de academia, uma foto da tv, uma página de um livro. Esta é a mensagem: OLHAR. Exercer o voyeurismo perversor .
Antenas de insetos na ponta dos dedos, não se olha somente com o olho, mas também com as digitais da mão masturbando o feed. Apesar de ter um perfil fechado, às vezes o abro. Por muito tempo quis ser uma influenciadora, e talvez ainda queira, porém, não vejo mais nas redes sociais um entrelugar saudável, principalmente pela miscelânia de conteúdo impróprio a céu aberto, ou melhor, nas nuvens das redes sociais.
Reflito, como colocar um conteúdo de qualidade sobre teorias e opiniões embasadas em um antro de Fake News, neonazismo e pedofilia? Vão me levar a sério sendo compartimentada e compartilhada neste lugar horrendo?! É preciso ter sangue de barata. Contraditoriamente, apesar das críticas que faço, estou frequentando o mesmo meio que você.
Comento, curto e compartilho. Também sou a mensagem. Porém, tento filtrar ao máximo. Procuro consumir um tipo de conteúdo o mais ético possível, embora nas redes a ética não exista ou sua forma seja quase invisível, por isto, a regulamentação delas é uma problemática imprescindível de resolução nas letras da Lei.
Contudo, admito que desejo quebrar esse ciclo de sentir que necessito comunicar parte do meu dia aos meus seguidores; que são familiares, amigos e majoritariamente conhecidos-estranhos. Tenho tentado posicionar a minha rede como um canal de televisão que até pode ser sobre mim. Porém, misturando a autora e a narradora, como num romance contemporâneo autoficcional, o que os perfis de fato são: performances de si.
Um perfil da rede social é a metamorfose do real. Tenho utilizado minhas redes como um mural de opiniões, no qual não necessariamente eu me comercialize como o produto, porém, paradoxalmente, só de estar conectada já seja. Aqui escrevo sobre essa temática, para tentar sair do ciclo do mundo virtual, ou ao menos me tornar um pouco mais consciente do que ele é, e talvez mudar a forma de utilizá-lo. Sim, eu sou um inseto kafkiano, assim como você.
[J.G]
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