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Foto do escritorEquipe Soteroprosa

Tabu da vida e tabu da morte. O que aprendi com os Cuidados Paliativos


*Por Camila Giulia


Diariamente seguimos acompanhando os dados e notícias sobre o impacto da pandemia nos nossos dias e agora na expectativa de vida. Vira e mexe penso nos profissionais de saúde que estão ainda buscando uma adaptação a alta demanda de trabalho em condições muitas vezes problemáticas. Com tudo isso, hoje acabei desejando compartilhar com vocês sobre uma área que tanto me ensinou e ensina.


Já ouviram falar em Cuidados Paliativos?


Cuidados Paliativos são um conjunto de práticas oferecidas por uma equipe multidisciplinar que visa garantir uma qualidade de vida do paciente e dos seus familiares diante de uma doença que ameace a continuidade da vida. A paliação nos Cuidados Paliativos não se trata do sentido comumente utilizado que se aproxima de uma ideia de “gambiarra”. Não se trata de uma atuação “quando não tem nada mais a fazer” pois muito é feito na atenção ao paciente, familiares e também equipe.


Com a pandemia, segundo a autora Raquel Florêncio e demais colaboradores do artigo Cuidados paliativos no contexto da pandemia de COVID-19: desafios e contribuições, a importância dessa prática levou a Organização Mundial de Saúde, a OMS, a incluir no Clinical management of COVID-19 um capítulo acerca do cuidado paliativo, recomendando um plano de cuidados para COVID-19 e respeito às preferências dos pacientes e de seus familiares. Falar dessa área de atuação é falar de autonomia, de respeito à vida, e também falar sobre qualidade de morte (falaremos mais sobre em outra oportunidade). Só que a abordagem da temática numa discussão popular esbarra em um ponto bem específico: o tabu da morte.


Para muitas pessoas existe a crença de que atraímos o que falamos e, consequentemente, falar sobre a morte ou ainda sobre a própria morte parece, para alguns, nos aproximar desta que é uma das únicas certezas da vida.


Esse texto possui um objetivo bem específico que é lhe alertar sobre esse possível equívoco ou ao menos trazer um pouco a reflexão sobre. Claro que esse é o meu olhar sobre um fenômeno, sobre a vida, e explicitamente, evidencia valores que são meus, mas pretendo, ao menos, mostrar uma outra face da mesma moeda.


Tantas vezes saí de um atendimento no contexto hospitalar ou numa visita domiciliar pensando se eu estava sendo quem eu queria ser, se estava aproveitando os momentos e as pessoas. Se estava valorizando minha saúde ou cuidando do meu corpo com carinho e atenção. A atuação com pacientes em quadros graves sempre me fez e continua me fazendo refletir sobre a importância do aqui e agora, da qualidade da presença para além da presença física e principalmente do que é valoroso.


A gente faz planos futuros, cria expectativas e nada de errado com isso também. De alguma forma, pensar no presente também pode implicar em cogitar um envelhecimento com presença e, para isso, é super relevante planejar. Estar presente também não significa agir impulsivamente. Não é sobre isso.


Eu entendo que com o distanciamento social estamos em diversos aspectos muito mais ausentes do convívio de quem amamos. Mas será que não existem formas de nos fazermos presentes? Será que consideramos todos os ângulos? Será que não há formas seguras de estarmos com quem amamos sem necessariamente expormos uns aos outros a um possível risco ou contaminação?


Recentemente tive uma conversa com uma grande amiga sobre o medo de como ficariam as coisas caso ela se contaminasse, agravasse e quem sabe acabasse morrendo. Como ficariam seus filhos? Como eles se sentiriam?


Eu busquei mostrar que não há forma de não sofrerem. Se há amor, há luto e se amamos, sofremos. Ela me perguntou se era errado pensar nisso e chegamos a conclusão de que não adianta avaliarmos nossos pensamentos. Eles só são, independentemente do nosso desejo ou não, mas será que se, quem sabe ela pudesse falar com seus filhos sobre, a angústia diminuísse? E se ela pudesse compartilhar sobre seus medos com eles?


Bom, resumindo tivemos essa conversa. Sim, essa amiga é a minha mãe e com a autorização dela compartilho dessa prosa com vocês. Foi importante termos falado abertamente sobre o que para ela é importante que aconteça se ela morrer primeiro, ou se for eu. Decisões foram tomadas, compromissos feitos e um deles, o maior de todos: sigamos.


Ah! Algo que precisa ser dito: nossos pais e mães não cogitam a possibilidade de irmos antes deles. Parece ser “a ordem natural das coisas” pela “Rainha Longevidade, como costumo carinhosamente chamar. Mas é fato também: nunca teremos como saber. Não existe um oráculo de previsão ou estimativa de vida. Não sabemos se iremos nos despedir primeiro... Não saberemos quando é chegada a hora, a não ser quando sentirmos na pele com todo nosso corpo.


O medo da morte é real e completamente coerente, independentemente de estar na linha de frente dos cuidados à pessoas com COVID 19 ou na ida para comprar pão na padaria. São sentimentos diferentes, de pessoas diferentes. Nem pior nem melhor, cada um tem o seu peso e ganha dimensão a partir da relação que cada um faz.


Isso foi um pouco do que a visão dos Cuidados Paliativos contribuiu para minha vida. A gente não precisa estar perto do fim para falar sobre finitude. Invariavelmente, falar sobre a morte e o morrer é falar sobre a vida. Essa conversa com minha digníssima mãe nos aproximou, nos acalmou e fez com que, certamente, a pandemia se tornasse, pelo menos nesse aspecto, um pouco mais leve.




FLORENCIO, Raquel Sampaio et al . Cuidados paliativos no contexto da pandemia de COVID-19: desafios e contribuições. Acta paul. enferm., São Paulo , v. 33, eAPE20200188, 2020 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002020000100603&lng=en&nrm=iso>. access on 21 Apr. 2021. Epub Oct 26, 2020

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