Torto Arado, livro de Itamar Vieira Junior, publicado em 2019, que levou o Jabuti de 2020, segue sendo traduzido e exportando a cultura brasileira, de forma descolonial. Este teve um grande impacto no meio literário, tendo sido vendidas mais de 800 mil cópias, até o ano de 2024, segundo reportagem do O Globo. Também, destaco as mais de 1 milhão de cópias vendidas de todos os livros de Itamar, de acordo com a Editora Todavia.
Em publicação, no Instagram, de 28 de setembro de 2024, a Todavia divulgou uma nova edição, em capa dura, do romance líder de vendas, que celebra o xodó da literatura brasileira contemporânea. Quem leu essa narrativa, de grande impacto crítico social, imagético e estilístico literário, provavelmente se emocionou com a história das irmãs Bibiana e Belonísia. Eu fui uma dessas leitoras que se arrepiaram do início ao fim.
No teatro, a adaptação dirigida por Elisio Lopes Jr., acompanhou a qualidade da obra ao conseguir transpor, de forma veemente e criativa, escolhas interessantes sobre as cenas literárias. Esta, preservou o enredo global, sem perder as nuances individuais das personagens, em uma tradução muito epidérmica, que, tal qual o livro, emociona o público com seu impacto sensorial.
A peça musical, conta com letras e melodias compostas por Jarbas Bittencourt, as quais se envolvem nos diálogos e monólogos das cenas adaptadas. Emaranhando uma grande conexão entre a música e a expressão corporal. Sem deixar um vácuo sonoro ou textual entre as cenas e as performances musicadas, o que, por vezes, acontece neste tipo de produção teatral.
No dia em que assisti à peça, 21 de setembro, no horário da tarde, me emocionei com a interpretação da atriz Barbara Sut, interprete da personagem Belonísia. Destaco a cena em que após perder a língua, a personagem fala ‘arado’. A construção sonora, imagética, e a interpretação da atriz ao balbuciar a palavra, representou este sentimento agonizante e angustiante relatado no trecho:
Passado muito tempo, resolvi tentar falar, porque estava sozinha me embrenhando na mesma vereda que Donana costumava entrar. Ainda recordo da palavra que escolhi: arado [...]Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada. Tentei outras vezes, sozinha, dizer a mesma palavra, e depois outras, tentar restituir a fala ao meu corpo para ser a Belonísia de antes, mas logo me vi impelida a desistir. (VIEIRA JÚNIOR, 2020 [2019], p.127)
A peça também encanta, por, desde o início, mobilizar as cenas da gira, propondo uma plasticidade cênica que hipnotiza o olhar, e convida o espectador a participar da peça, como destaca o diretor no texto de abertura do programa: “O nosso espetáculo é uma grande gira, e você é convidado pra entrar nessa roda.” Bati palma e cantei alguns refrões. Assim como percebi outros fazendo esses mesmos gestos na plateia.
Esses momentos cênicos se destacam no espetáculo, principalmente pelas batidas dos atabaques, o uso das indumentárias típicas dos Orixás, e ainda por mobilizar um trabalho de corpo coletivo, dirigido por Zebrinha, que, em diversos momentos, se assemelham a pinturas em movimento.
O cenário, chama atenção por “saltar” do palco, remetendo ao arado da terra, as raízes e aos alimentos que saem dele. As tampas do tablado, posto em cima do palco do teatro Sesc-Salvador, me chamaram atenção uma vez que ao serem puxadas revelavam os cenários. Isto me lembrou a mala de Donana, a avó das protagonistas, e a dona da faca que ficava escondida ali, a qual se torna o instrumento que compromete a fala de Belonísia, já no início da narrativa.
O objeto promove um corte revolucionário, o “Fio de corte”, do primeiro capítulo do livro, que, apesar das dores das personagens , principalmente a das irmãs Bibiana e Belonísia, as livram da submissão e subserviência sofrida por seus e suas ancestrais, principalmente aqueles que foram escravizados, no período colonial, e os que permaneceram em situação análoga, como a do pai delas, Zeca Chapéu Grande, interpretado por Diogo Lopes Filho, no musical.
Destaco também, as vozes das atrizes, Cainã Naiara, que interpretou Bibiana -substituindo Larissa Luz, a quem me remeteu muito a voz de Elza Soares. E a de Lilian Valeska, intérprete de Donana, que me fez remorar a de grandes artistas de Jazz, como Nina Simone.
Posso dizer que me emocionei como a muito tempo não fazia ao ir ao teatro. Torto Arado livro e musical são gritos de liberdade pela terra, pelos quilombos, pelos povos originários, pelo empoderamento feminino, pelo empoderamento racial e pela Arte. E, apreciar a obra no teatro, foi como estar em comunhão com os encantados que habitam as terras brasileiras.
REFERÊNCIAS
GOES, Ancelmo. Só dá Itamar Vieira Junior, autor de 'Torto arado', que está próximo dos 900 mil livros vendidos. O Globo. 13 abr. 2024. Dísponivel em : <https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2024/04/so-da-itamar-vieira-junior-autor-de-torto-arado-que-esta-proximo-dos-900-mil-livros-vendidos.ghtml> Visualizado em: 28 set. 2024.
VIEIRA JUNIOR, Itamar [2019]. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2020.
TODAVIA. Ao alcançar os cinco continentes, com traduções para cerca de 30 idiomas, a recepção a TORTO ARADO em países estrangeiros demonstra a força da literatura de Itamar Vieira Junior. Instagram. 28 set. 2024. Disponível em: https://www.instagram.com/p/DAd2XoKuvmN/?img_index=1. Visto em: 28. set. 2024.
Foto de capa: Recorte de foto de divulgação, Instagram "Torto Arado - O musical". Disponível em <https://www.instagram.com/p/C_0TtHHJ3sa/> Visualizado em: 28 set. 2024.
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