TRUMP E OS SETE ANÕES
- Autor(a) Convidado
- 5 de fev.
- 7 min de leitura

*Everton Nery
Vi uma passagem da posse de Donald Trump e algumas postagens sobre o evento em redes sociais diversas, em que influenciadores digitais o chamavam de Pato Donald. Achei muito interessante e pensei na possibilidade de escrever sobre isso. Eis que vi uma chamada sobre Branca de Neve e os Sete Anões! Pensei logo na possibilidade de escrever algo neste sentido e assim me coloquei no interesse de fazer uma relação entre o atual presidente dos EUA e Branca de Neve e de cada um dos anões com as chamadas Big Techs, considerando os aspectos da psique de cada anão e como essas características podem ser associadas a certas críticas ou desafios enfrentados por essas corporações. Os anões são: Zangado, Dunga, Atchim, Dengoso, Feliz, Mestre e Soneca. As Big Techs aqui chamamos são: Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft, Instagram, ChatGPT. Aqui temos uma sigla (GAFAMIC).
Para continuar nossa conversa, intuímos que Branca de Neve representa a narrativa encantada do Sonho Americano, a hegemonia do capitalismo, a ideia de que o sucesso é acessível a todos, mas que, na realidade, é controlado por forças econômicas e políticas ocultas. Cada uma dessas corporações age como instrumentos que vendem essa ilusão, promovendo inovação e liberdade, mas, no fundo, consolidando o domínio imperialista do capitalismo digital. Aqui vamos desenhando que Donald Trump representa um dos momentos de despertar brutal dessa ilusão, onde o capitalismo revelou sua face mais crua e protecionista, intensificando o nacionalismo econômico e a concentração de poder.
Vamos começar a construir a relação pelo anão Feliz, esse que é marcado pela ingenuidade, sendo otimista em excesso, ignorando as consequências. Podemos estabelecer uma relação com o Google, que tem um histórico de apresentar suas iniciativas como benéficas para o mundo, enquanto coleta imensos volumes de dados e influencia o comportamento global. Seu excesso de otimismo pode ser visto na ideia de que "organizar a informação do mundo" sempre traria benefícios, sem considerar completamente os impactos negativos de sua onipresença digital.
O “Feliz” Google age como um imperialista digital, decidindo o que é visível e invisível na internet. Sua estratégia "benevolente" esconde um monopólio que coleta dados em massa e molda comportamentos globais. Sua ligação com Trump desafiou a grande mídia e criou sua própria narrativa, enquanto o Google, mesmo promovendo uma visão progressista, ainda manipula o acesso à informação para seus próprios interesses.
Nosso segundo anão é Atchim. Ele é frágil, vulnerável, sem controle sobre suas reações. A analogia que buscamos construir agora é com a Amazon, conhecida pelo seu modelo de hiper exploração dos trabalhadores e suas condições de trabalho muitas vezes precárias. A metáfora aqui se dá no sentido da empresa ser "sensível" às pressões externas, como regulamentações trabalhistas e ambientais, mas ainda assim reagir de forma descontrolada e agressiva para manter sua dominância.
A Amazon representa o imperialismo econômico moderno, destruindo pequenos mercados e criando dependência global através de sua logística esmagadora. Sua obsessão pelo crescimento acelerado e pela exploração dos trabalhadores ecoa o modelo imperialista que exaure recursos humanos e naturais. Já a possível ligação com Trump ocorre via a política econômica de Trump, que tenta fortalecer a indústria nacional, mas, paradoxalmente, empresas como a Amazon intensificaram a exploração da globalização, beneficiando-se de brechas tributárias.
Passamos agora a Soneca, que aqui relacionamos ao Facebook. Sleepy representa a apatia, desconectado da realidade e lento para agir. O Facebook (agora Meta) tem sido amplamente criticado por sua lentidão em reagir a problemas sérios, como desinformação, discurso de ódio e privacidade. A empresa parece "adormecida" em relação a muitas crises, só tomando medidas depois que os danos já foram amplamente divulgados e debatidos.
O Facebook age como um império decadente que ainda controla a narrativa global por meio da vigilância e do controle dos dados e assim como antigos impérios caíram por excesso de poder e corrupção, o Facebook se vê envolvido em escândalos que minam sua credibilidade. Percebemos que Trump usou o Facebook como um campo de batalha para manipular eleições, reforçando como a desinformação e o populismo digital moldam políticas imperialistas.
Eis que chegamos ao Mestre, que representa a Apple. Ele é um anão autoritário, convencido de sua própria superioridade intelectual. A Apple é conhecida por sua postura elitista e exclusivista, muitas vezes ditando tendências e impondo suas próprias regras ao mercado. Seu ecossistema fechado e seu marketing focado em "superioridade" criam um ambiente em que os usuários são levados a aceitar as decisões da empresa sem questionamento.
A Apple age como um império elitista, impondo um ecossistema fechado e cobrando caro pelo acesso à sua tecnologia. Sua política de produção terceirizada nos países em desenvolvimento reflete o neocolonialismo econômico: lucros centralizados no Ocidente, trabalho explorado no Oriente.
A Ligação com Trump reside numa defesa de uma economia protecionista, mas Apple continua dependente da exploração global para manter seu status de luxo e poder.
Passamos agora ao Zangado, que aqui representa Microsoft. Ele é um anão ranzinza, crítico e resistente a mudanças. No que tange à sua relação dentro do conjunto GAFAMIC, percebemos que a Microsoft, historicamente tem sido vista como uma empresa "pesada" e conservadora, especialmente no mundo corporativo. Durante anos, foi criticada por sua postura monopolista, sua resistência a modelos mais abertos e inovadores, e por frequentemente entrar em conflitos com outras empresas e regulamentações.
Entendemos que a Microsoft age como um senhor feudal da tecnologia, dominando sistemas operacionais, computação em nuvem e software corporativo. Assim como um império antigo que impõe sua língua e cultura, o monopólio da Microsoft faz com que empresas e governos dependam de seus sistemas. No campo da relação e com ligação com Trump, sua política de "America First", favoreceu o protecionismo, assim como a Microsoft se fortalece ao garantir contratos governamentais e bloquear concorrência estrangeira.
O sexto anão é Dunga, que aqui relacionamos ao Instagram. Ele é o ingênuo, muito infantilizado e dependente dos outros. Na analogia com as Big Techs, representa o Instagram, que embora seja uma das redes sociais mais populares, é frequentemente criticado por fomentar a superficialidade e a busca incessante por validação social. Seu modelo de engajamento incentiva comportamentos impulsivos e ingênuos, além de promover uma cultura da aparência sem profundidade.
O Instagram é a ferramenta do espetáculo, promovendo superficialidade e distração, um "pão e circo" digital. Esta rede social opera como uma arma de dominação cultural, exportando um estilo de vida artificialmente idealizado e fortalecendo padrões ocidentais. A política de Trump usa as redes sociais para criar uma narrativa que desvia o foco dos problemas estruturais, manipulando a percepção pública por meio da estética e do espetáculo.
O sétimo anão é o Dengoso, sendo o equivalente ao ChatGPT. Dengoso é inseguro, evita conflitos, busca agradar a todos. O ChatGPT (e modelos de IA similares) frequentemente evita tomar posições firmes em assuntos polêmicos, buscando respostas neutras para não desagradar. Essa característica, embora compreensível, pode ser vista como um excesso de diplomacia que impede discussões mais contundentes e reflexões mais profundas sobre certos temas.
O ChatGPT simboliza um novo modelo de dominação, baseado na influência cultural e no controle do conhecimento. Assim como impérios usavam missionários para impor ideologias, a IA pode filtrar informações e influenciar massas sem que elas percebam. Existe aqui uma intensa ligação com Trump, pois assim como ele usa a retórica populista para moldar percepções e emoções, a IA pode ser usada para criar realidades convenientes ao poder.
Se as empresas são os anões e Branca de Neve é o "sonho" do capitalismo, Trump representa a "maçã envenenada" – a ilusão de que o poder econômico pode ser mantido sem consequências.
Enquanto o neoliberalismo tradicional tentava mascarar sua dominação com discursos progressistas, Trump trouxe uma versão bruta e escancarada do imperialismo, sem preocupações em esconder suas intenções. Ele desafina a harmonia do conto de fadas, lembrando que o poder econômico e político sempre foi um jogo de exploração e controle.
Se Branca de Neve representa o sonho encantado do capitalismo e os anões são suas ferramentas (as empresas), Trump é a revelação do seu lado mais cruel e pragmático. Ele desmonta a ilusão da meritocracia e escancara como o poder econômico global opera com base no imperialismo, na exploração e no controle da informação.
No final das contas, o sistema continua funcionando – e as empresas continuam sendo os servos desse império digital. A única questão é: quem será o próximo "feiticeiro" a usar essa estrutura para seu próprio domínio? Eis o conto de fadas do American way of life.
Trump representa o colapso da hipocrisia do American Way of Life. Enquanto antes os EUA tentavam se vender como o país da liberdade e da democracia, Trump escancarou a agressividade imperialista, o protecionismo econômico e o nacionalismo exacerbado. Ele mostrou que, no final das contas, o sonho americano é uma ficção manipulada para manter o poder econômico nas mãos de poucos.
Trump desmascarou o que já existia há séculos: os EUA sempre usaram sua influência para explorar e subjugar outras nações, seja por meio de guerras, sanções econômicas ou controle digital.
No grande conto do capitalismo global, Branca de Neve simboliza o "American Way of Life", a doce ilusão de liberdade, prosperidade e meritocracia, vendida como um sonho acessível a todos. No entanto, esse sonho é mantido por seus fiéis servos – os Sete Anões, aqui representados pelas megacorporações como Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft, Instagram e ChatGPT – que, cada um à sua maneira, trabalham incansavelmente para sustentar a fantasia enquanto reforçam o domínio imperialista dos Estados Unidos. Mas, por trás do véu encantado, há uma maçã envenenada: o sistema é controlado por forças que moldam narrativas, exploram recursos e manipulam massas para perpetuar seu poder. Donald Trump, por sua vez, surge como a bruxa disfarçada, aquele que oferece a maçã e expõe a verdadeira natureza desse conto, mostrando que, longe de ser um reino de igualdade e oportunidades, o American Way of Life é um feitiço que mantém o mundo sob seu domínio, enquanto apenas alguns poucos colhem os verdadeiros frutos dessa magia econômica.
No grande conto do poder, Branca de Neve sonha, os anões servem e o feiticeiro ri – porque a maçã sempre muda, mas o veneno é o mesmo.
*Doutor em Teologia e Professor da UNEB
FONTE DA IMAGEM: Instagram
O texto propõe uma crítica brilhante e criativa ao capitalismo digital, usando o conto da Branca de Neve como metáfora para o sonho americano e suas ilusões. As Big Techs, como os anões, sustentam esse encantamento com funções específicas, enquanto Trump representa o rompimento da fantasia, revelando o imperialismo cru por trás da narrativa. Uma análise instigante que une política, cultura pop e crítica social com inteligência e provocação.
Texto necessário para o entendimento das relações entre Estado e capital.
Parabéns ao autor
Perfeita analogia e excelente contribuição, professor Everton Nery. Obrigada por compartilhar esse texto precioso e necessário para os tempos atuais.