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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM EUGENIA?



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A eugenia é um tema pouco conhecido e divulgado no Brasil, porém de grande importância para entendermos alguns elementos presentes na sociedade brasileira racista atual. Alguns pesquisadores afirmam que muitas vezes o estudo da eugenia gera desconforto, pois lida o tempo todo com o desprezo, a segregação e a tentativa de controle de um grupo sobre outro.


A eugenia surgiu em 1883 por Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882). O cientista se dedicou a diversas áreas como antropologia física, meteorologia, matemática, estatística, entre outras. Na segunda metade do século XIX desenvolveu pesquisas na área de hereditariedade humana aplicando conhecimentos que vinham sendo gestados por cientistas para verificar a transmissão das características humanas a partir das gerações. A palavra eugenia surgiu inspirada em uma palavra grega que significava “Bem-nascido” para “designar os usos sociais dos novos conhecimentos da ciência sobre evolução e hereditariedade, a fim de aperfeiçoar racialmente o ser humano” (Bonfim, 2017, p. 74).


A eugenia foi uma doutrina política que pregava o melhoramento da raça humana a partir do controle sobre a população por meio da sexualidade, casamentos e reprodução. Em pouco tempo adquiriu status de ciência e se espalhou por diversos países em todo o mundo.


A criação das sociedades eugênicas com o pioneirismo alemão com a German Society for Racial Hygiene (Berlin, 1905), seguida da Eugenics Education Society (Londres, 1907-1908), Eugenics Record Office (New York, 1910) e Société Eugénique Française (Paris, 1912). Diversos eventos ocorreram para difundir, divulgar e discutir a ciência galtoniana, como o Primeiro Congresso Internacional de Eugenia (Londres, julho/1912) por iniciativa da Eugenics Education Society sob liderança de Leonard Darwin (1850-1943), filho de Charles Darwin e o Congresso Mundial das Raças (Londres, 26 a 29 de julho/1911).


A árvore da eugenia, imagem que ilustra este artigo, foi um símbolo que esteve presente em documentos, como os certificados emitidos de participações notáveis no 2° Congresso Internacional de Eugenia em 1921. Ele trazia a inscrição em tradução livre “Eugenia é a autodireção da evolução humana. Como uma árvore, a eugenia retira seus materiais de muitas fontes e os organiza em um ambiente harmonioso”. Nas raízes da árvore encontravam-se todas as áreas que a eugenia utilizava para conseguir seus objetivos, como genética, biologia, anatomia, fisiologia, psicologia, antropometria, história, geologia, arqueologia, etnologia, geografia, antropologia, direito, estatística, política, economia, biografia, educação, economia, sociologia, religião, genealogia, psiquiatria, cirurgia e testes mentais.


Embora legitimada no final do século XIX enquanto ciência, a eugenia enquanto prática já estava presente em diversas civilizações e povos, desde em Esparta, cidade-estado grega antiga até povos indígenas na América, passando pelos vikings (nórdicos) da Escandinávia medieval, quando por exemplo, deficientes físicos ou crianças nascidas com alguma anomalia eram sacrificados, diferenciando os aptos dos inaptos em categorias de superiores e inferiores.


O progresso e a ciência eram dependentes entre si e essa associação era amplamente divulgada e difundida em eventos e exposições internacionais e nacionais. As atividades científicas na Europa possuem destaque para as ações lideradas por Césare Lombroso (1835-1909) na Itália com a antropologia criminal e Francis Galton na Inglaterra com a eugenia e o darwinismo social. Já as ações em solo brasileiro foram lideradas por Renato Kehl (1889-1978), nome de destaque pela difusão da eugenia no Brasil, como a criação da Sociedade Eugênica de São Paulo - SESP (1918), do periódico Boletim de Eugenia (1929) e do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia (1929) (Bonfim, 2017; Darmon, 1991). No bojo dessas difusões científicas a raça era criada e o racismo era cada vez mais consolidado na estrutura da sociedade


A eugenia negativa defendia o controle estatal diretamente na reprodução dos indivíduos. Diversos países aprovaram leis de esterilização de indivíduos inaptos, impuros e inferiores devido a aspectos físicos, mentais e comportamentais. Em 1928, a Suíça teve um pioneirismo na Europa nesse sentido no Cantão de Vaud. Em 1929 foi a vez da Dinamarca, que promoveu quase 9 mil esterilizações entre 1930 e 1949. A partir de 1935 mais de 15 mil pessoas foram esterilizadas pelo Instituto para Raça e Biologia (fundado em 1921) da Universidade de Uppsala na Suécia.


Os Estados Unidos possuem grande destaque no processo de esterilização involuntária eugênica com diversas legislações aprovadas antes da década de 30. Em meados dos anos 30 já eram cerca de 30 mil indivíduos esterilizados, até o final da Segunda Guerra Mundial já eram mais de 70 mil. A Alemanha Nazista foi o destaque absoluto em legislação de esterilização e sua consequente efetividade a partir de 1933, quando cerca de 1% da população do país chegou a ser involuntariamente esterilizada (mais de 400 mil pessoas).


A eugenia no Brasil, foi do tipo positiva, aquela que se baseava principalmente no ato de educar a sociedade. Esse fato é evidenciado em um dos objetivos da Sociedade Eugênica de São Paulo (SESP) fundada em 2018 que se baseava na educação por meio da “divulgação, entre o publico, de conhecimentos hygienicos e eugenicos para o bem do individuo, da collectividade e das gerações futuras”, como foi descrito no  jornal Correio Paulistano em 1917.


A eugenia e a higiene social estiveram entrelaçadas em diversos momentos de suas atuações nas primeiras décadas da república no Brasil, assumindo contornos diferentes da eugenia europeia e estadunidense. Apesar de flertar com a política em diversos momentos, o país não teve legislações eugênicas propriamente ditas. Quando se fala em educação eugênica, esta esteve presente até nas Constituições Brasileiras de 1934 e 1937. Contudo, a eugenia esteve presente, muitas vezes escondida ou mascarada, em diversos atos higiênicos e sanitários.


No Brasil, o movimento eugênico teve muitos adeptos na elite branca intelectual nas primeiras décadas do século XX tendo atuado em território nacional principalmente a partir da educação eugênica para eliminação ou desaparecimento dos não brancos, a partir de um embranquecimento da população a partir da miscigenação em busca da raça brasileira. No campo da educação eugênica, a doutrina esteve relacionada com educação moral, educação sexual, educação física e aconselhamento matrimonial sempre em prol do melhoramento humano.


Enquanto ciência que se firmava no meio científico, a eugenia utilizou o debate científico no campo da biologia, para isso, flertou com diversas teorias em voga à época. O movimento eugênico também inferiu no campo social por meio de medidas eugênicas para o melhoramento humano atuando sobretudo nas ações de cunho repressivo, às populações pobres, aos enfermos, negros e mulatos, indivíduos com deficiências físicas, doentes mentais, imigrantes de nacionalidades consideradas inferiores, viciados e infratores.


Conferências públicas, pesquisas variadas, literatura especializada, periódicos, congressos e eventos diversos, ligas, sociedades e concursos eugênicos foram algumas das ações e atividades que a eugenia promoveu no Brasil em várias frentes de intelectualidade, antropologia, direito e medicina. Muitos eugenistas conseguiram realizar contatos políticos afinados e participaram ativamente na conformação de políticas sociais em áreas como saúde, educação, política imigratória, higiene social e sanitarismo.


A eugenia no Brasil produziu uma intensa atividade política de grupos sociais e intelectuais diversos, muitas vezes ligados à experiência urbana que buscavam atender às demandas de uma reduzida elite nacional. Foram diversas polêmicas e divergências, numerosos médicos e outros intelectuais se debruçando nos ideais eugênicos sob diversas vertentes possíveis atreladas às demandas por educação e saúde públicas. O movimento eugênico no Brasil foi marcado por debates de distintas perspectivas com relação à sua fundamentação teórica, propostas de intervenção social e cultural, além do apelo nacionalista que precisava se firmar na jovem república, ou seja, não houve um movimento eugênico unificado no país.


O movimento eugenista entrou em declínio a partir da descoberta das atrocidades realizadas pelos nazistas nos campos de concentração, onde diversos experimentos foram realizados em busca da pureza racial. A partir de então, os intelectuais brasileiros, assim como em vários países, reorientaram suas biografias de modo a disfarçar seus interesses nazifascistas e até hoje vemos grupos defensores de ideais eugenistas no Brasil e no mundo. Fiquemos atentos!


Eugenia é um dos verbetes do “Dicionário Racial: termos afro-brasileiros e afins - volume 1”, para saber mais, sobre esse e outros verbetes ligados às temáticas racial e outras afins, adquira e leia o livro, como uma ferramenta de letramento racial que todo mundo precisa hoje e sempre!


PARA SABER MAIS:

SOUSA JUNIOR, Manuel Alves de (org). Dicionário Racial: termos afro-brasileiros e afins. v. 1. Curitiba: Editora Appris, 2023.

 

REFERÊNCIAS:


BONFIM, Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar: uma história da

eugenia no brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.


CORREIO PAULISTANO. A sessão de hontem - varias communicações - a necessidade

da cultura physica. Jornal Correio Paulistano, São Paulo, ed. 19542, p. 5, 2 dez. 1917.


DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1991.


DIWAN, Pietra. Raça pura: uma história da eugenia no brasil e no mundo. São

Paulo: Editora Contexto, 2007.


STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação da América Latina.

Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.


UNIVERSITY OF MISSOURI. Controlling hereditary: International Eugenics

Congresses. 2011. Curadoria de Michael Holland. Disponível em: https://library.

congresses. Acesso em: 3 dez. 2022.

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