VOCÊ SABE O QUE É GENOCÍDIO?
- Manuel Sousa Junior

- 4 de set.
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O Dicionário Aurélio apresenta o genocídio como um “crime contra a humanidade, que consiste em, com intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus; causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de o destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo; realizar a transferência forçada de crianças de um grupo para outro”.
Já o Dicionário Houaiss ainda complementa afirmando que é um “extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. Destruição de populações ou povos. Aniquilamento de grupos humanos, o qual, sem chegar ao assassínio em massa, inclui outras formas de extermínio, como a prevenção de nascimentos, o sequestro sistemático de crianças dentro de um determinado grupo étnico e a submissão a condições insuportáveis de vida”.
O termo foi criado em 1944 por Raphael Lemkin. O Artigo 2° da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (CPRCG) da ONU de 1948 define genocídio como “ os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo” (ONU, 2005).
Diversos genocídios já ocorreram ao longo da história da humanidade, principalmente, embora não exclusivamente, em processos de colonização. Os maiores registros estão relacionados aos povos indígenas das Américas. De acordo com um relatório divulgado pelo Ministério da Defesa da Bélgica, o maior genocídio da história vitimou (e ainda vitima) os indígenas da América do Norte, com mais de 15 milhões de mortos ao longo de 500 anos, seguido pelos cerca de 14 milhões de indígenas mortos na América do Sul no mesmo período (Crols, 2004).
Para citar outros exemplos: em Ruanda, no ano de 1994, extremistas hutus assassinaram aproximadamente 800 mil tutsis e hutus moderados. Entre 1915 e 1923, o governo Otomano exterminou entre 800 mil e 1,8 milhão de armênios, grupo minoritário dentro de sua pátria histórica, localizada no que hoje corresponde à Turquia. No final do século XIX, no Congo, que era uma possessão particular do rei belga Leopoldo II, administrada por uma empresa denominada Associação Internacional do Congo, cerca de 5 milhões de nativos foram mortos em menos de 15 anos. Além disso, foram promovidas amputações, sequestros, açoitamentos, estupros, torturas, esquartejamentos e outras atrocidades (Lopes, 2021).
O termo genocídio ganhou destaque na mídia a partir de 2023 em razão da ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza contra os palestinos, sob a justificativa de que o massacre e a destruição seriam necessários para a eliminação do grupo terrorista Hamas. No entanto, a ambição israelense pelos territórios palestinos ocorre há décadas, incluindo a tomada de terras, a expulsão de palestinos de suas casas e a criação de assentamentos de colonos israelenses que posteriormente são transformados em bairros e cidades do país. Atualmente, grande parte do território palestino estabelecido pela ONU já se encontra sob o controle de Israel.
Em 10/11/2023, no programa Estúdio i, da GloboNews, jornalistas e comentaristas criticaram Celso Amorim (Assessor-Chefe da Assessoria Especial do Presidente da República do Brasil) por afirmar que Israel estaria cometendo um genocídio na Faixa de Gaza, em razão das inúmeras mortes de crianças, mulheres e civis no conflito armado, que à época já somavam cerca de 13 mil. A crítica dirigida a Amorim baseou-se no argumento de que o termo poderia ser substituído por massacre, assassinatos ou crimes de guerra. Alegaram que “genocídio” estaria sendo empregado de forma inadequada, citaram exemplos históricos e explicaram que esse fenômeno ocorre quando há uma redução significativa de determinada etnia ou uma ação deliberada que vise ao extermínio de um povo. Mencionaram, como exemplo, o tratamento dado aos indígenas Yanomami durante o governo Bolsonaro. Ressaltaram ainda que aplicar o termo genocídio ao que Israel fazia (e ainda faz) contra a Palestina poderia banalizar sua utilização (com exceção da jornalista Flávia Oliveira, que apresentou algumas ressalvas quanto a esse ponto).
A África do Sul, em 2023, entrou com uma representação no Tribunal Internacional de Justiça afirmando que o movimento realizado por Israel contra os palestinos configura um genocídio. Israel é um país fundado no final da década de 1940 por judeus, com apoio da ONU, após o Holocausto nazista que vitimou mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O país evita, a qualquer custo, que a palavra genocídio seja atribuída a seus atos, já que, há 80 anos, sofreu um genocídio no maior conflito armado do planeta, que modificou os contornos geopolíticos, políticos e sociais do Ocidente.
Esse equívoco na atribuição do termo é mais comum do que se imagina. Muitas pessoas, por vezes, empregam-no incorretamente, o que, nos dias atuais, em que as informações são disseminadas com rapidez, pode prejudicar a compreensão do conceito e favorecer a propagação de notícias falsas. No documentário 8 de janeiro — a democracia resiste, dirigido e roteirizado pelos jornalistas Júlia Duailibi e Rafael Norton e exibido na GloboNews, aos 54 minutos e 16 segundos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao explicar por que concordou em não prender os golpistas do 8 de janeiro de 2023 na própria noite do ocorrido, preferindo deixá-los para o dia seguinte pela manhã, afirmou que não queria que houvesse um genocídio nos acampamentos, embora já tivesse utilizado o termo chacina em outro momento da produção. É evidente que a palavra foi mal empregada por Lula, visto que, diante das circunstâncias e das definições apresentadas neste texto, o episódio não poderia ser caracterizado como genocídio. Diferente, porém, de sua posição sobre a população de Gaza, quando reiteradamente declarou tratar-se de um genocídio, neste caso, aplicando corretamente o termo.
Israel declarou o presidente Lula como persona non grata em fevereiro de 2024, após o brasileiro comparar as ações de Israel na Faixa de Gaza ao extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, já haviam sido registrados cerca de 24 mil mortos em apenas quatro meses de conflito. Até o fechamento deste texto, a ofensiva seguia intensamente e já somava mais de 62 mil mortos em quase dois anos de confrontos. Nos meses seguintes, Lula fez novas declarações nas quais voltou a empregar o termo genocídio para se referir ao que ocorre em Gaza.
Aos poucos, tem surgido um tímido movimento contracolonial de reconhecimento de genocídios por países que foram protagonistas da colonização. A Alemanha, por exemplo, reconheceu em 2021 que cometeu um genocídio na Namíbia em que os colonizadores mataram mais de 70 mil pessoas. Como contrapartida, comprometeu-se a apoiar o país com 1,1 bilhão de euros ao longo de um período de 30 anos e deve beneficiar de maneira prioritária os descendentes das duas etnias. Ao menos 60 mil hereros e quase 10 mil namas foram assassinados entre 1904 e 1908
Voltando a Israel, sua ofensiva continua. E você, diante deste texto e do que compreende sobre o conceito de genocídio, considera adequado atribuir essa palavra às ações que ocorrem em Gaza? Se você chegou até aqui, deixe sua opinião!
REFERÊNCIAS:
CROLS, Bart. Relatório de massacres - Américas abrigam maiores genocídios da história, diz lista belga. Uol - atualidades. 2004. Disponível em: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/relatorio-de-massacres-americas-abrigam-maiores-genocidios-da-historia-diz-lista-belga.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
LOPES, Mariana. Congo Belga: a brutalidade transformada em genocídio. AGEMT notícias. 23 nov. 2021. Disponível em: https://agemt.pucsp.br/noticias/congo-belga-brutalidade-transformada-em-genocidio. Acesso em: 31 ago. 2025.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. 02 nov. 2005. Disponível em: https://web.archive.org/web/20051102223256/http://www.ohchr.org/english/law/genocide.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
TRAVERSO, Enso. Gaza perante a história. Lisboa: Antígona, 2025. Tradução de Pedro Morais.
Referência da imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio



Texto maravilhoso, super claro e didático ! Parabéns Manuel Jr