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O tortuoso caminho para la paz

Foto do escritor: Equipe SoteroprosaEquipe Soteroprosa

Novo símbolo d Força Alternativa Revolucionária do Comum. Fonte: El País


Em evento realizado ontem, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) oficializaram a sua entrada na vida política. Em uma votação acirrada, mais de mil delegados optaram pela manutenção da sigla, que agora passa a ser Força Alternativa Revolucionária do Comum. Tal fato tem grande relevância não apenas na América Latina, mas para todo o mundo e é um tema propício para breves divagações.


Para aqueles que têm um pouco mais de idade ou que possuem interesse na história e cultura latino-americana com seus encantos e contradições, muito provavelmente se lembram das notícias sobre o conflito armado que envolveu nossa vizinha Colômbia, que basicamente se resumia em uma guerra entre o Estado por meio do exército e as FARC. Para quem tiver interesse em saber o tamanho da brutalidade desse conflito, façam o funesto exercício de buscar o histórico de conflitos e atentados, que refletem o tamanho e brutalidade da guerra civil mais longeva dos últimos tempos. Curiosamente, na mesma cidade em que ocorre a convenção da Farc, o antigo grupo guerrilheiro foi o responsável por um atentado há quase 15 anos, em protesto contra a posse do então presidente Álvaro Uribe, diga-se de passagem, um atuais interessados na manutenção do conflito que se encerrou com um armistício neste ano.


Nos últimos 4 anos, o alto comando do grupo guerrilheiro e o governo colombiano buscaram de forma intensa o diálogo para um cessar fogo definitivo, com intermédio de Cuba e Venezuela. Arestas aparadas, foi assinado o Acordo de paz de Havana. Correndo o risco de incorrer em uma explicação simplória, basicamente, o acordo propunha entre outros pontos, o cessar fogo total entre os lados, soltura de reféns e – o ponto que nos interessa discutir hoje – o ingresso das Farc no jogo democrático e institucional.


Não pretendo pintar esse quadro em tons binários: bom e mau, certo ou errado. A meu ver, o luto das mães daqueles que perderam suas vidas nessa luta encarniçada tem a mesma cor. Mas gostaria aqui, ainda que de forma breve, relembrar o contexto de surgimento das Farc e assim talvez ajudar entender sua trajetória e refletir sobre os possíveis caminhos nessa nova vida institucional. Embora não creia em necessidades históricas, o passado muitas vezes exerce um peso do qual não podemos escapar.


Nascida de um impiedoso massacre feito pelo exército colombiano a um assentamento de inspiração comunista no povoado de Marquetália, as Farc criou sua identidade em contraste e conflito com o governo colombiano, relação que embora tenha oscilado, sempre foi pautada pela violência. Dessa maneira, a luta armada não foi uma opção para as Farc, mas como a única saída quando a política por meio dos fuzis bloqueou as possibilidades de incorporação desse movimento à vida institucional, como um agente legítimo e portador de um projeto político. Ainda que correntes internas ao movimento já advogassem a radicalização, buscando a transição da estrutura social e política para uma nova organização que extirpasse as desigualdades no país por meio da extinção das classes sociais. No entanto, a coalizão formada pelos únicos partidos (liberal e conservador), impediu a criação de novas opções políticas e, sob o “manto democrático”, sufocou movimentos que denunciavam a desigualdade social e o autoritarismo da coalizão.


Hoje o cenário é diferente. Em que pese os sobressaltos do processo de negociação, hoje (ontem) a FARC é um partido político e com considerável inserção social. No entanto, existem questionamentos que só serão respondidos com o decorrer do tempo. Um deles é sobre a sua aceitação na cena política. Parte considerável da população colombiana, principalmente a mais atingida com a violência do conflito, não vê com bons olhos a organização responsável por milhares de mortes, simplesmente se tornar um partido político, como se tudo o que aconteceu pudesse ser esquecido. Caberá ao novo partido estabelecer pontes com parte do eleitorado mais refratário.


O outro ponto importante é em relação à linha de ação da FARC. Se é verdade que todo partido político visa tomar o controle do Estado, essa via é quase sempre por meios legítimos e circunscrita às regras democráticas. No entanto, parte da esquerda latino-americana – como boa parte da direita e os regimes militares estão aí para confirmar – não possui simpatias pelas instituições democráticas e Nicolás Maduro e seus apoiadores são exemplo disso. A FARC pode formula um programa político alternativo ao que está colocado atualmente, sem perder de vista a importância do aspecto social, incorporando em seus princípios o fortalecimento das instituições colombianas, ou repetir o roteiro desgastado que parte das correntes de esquerda tomou em nosso continente, o que provavelmente agradará os setores contrários à sua entrada na vida política e que desejam reativar os grupos paramilitares criados para combater a guerrilha. Entre esses polos, há um universo de possibilidades.


Vem da mitologia grega o primeiro exemplo de que é possível do novo surgir de algo monstruoso. Foi graças a morte de Medusa por Perseu que nasceram Pégaso, símbolo da criatividade e imaginação e Crisaor, conhecido como um javali alado. Apesar de um passado sangrento e que abominável, a FARC pode representar uma nova alternativa ou ser mais outro porco chafurdando na ignorância e no autoritarismo, mas essa resposta só virá com o tempo. Mas para bem de um povo que consegue retirar forças da cor e nos encantar com uma cultura belíssima, que haja na política colombiana espaço para o perdão – que não significa esquecimento – do passado e a promessa de um futuro promissor.


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