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A preguiça de pensar e a insensatez da opinião


Hoje irei tratar de um tema que diz respeito principalmente aos “intelectuais” de plantão, que povoam os bancos das instituições acadêmicas e universitárias, as redes sociais ou, ainda, os bares das cidades. De antemão afirmo que as observações e considerações críticas que trarei aqui me incluem como sujeito passível a essas mesmas criticas, tendo em vista que eu mesmo me coloco no lugar de quem busca pensar e opinar sobre o mundo e a realidade que me rodeia, submetendo essa realidade a construção de argumentos baseados ou na experiência ou na articulação entre percepções e conceitos na prática de um exercício de pensamento.


Inicio meu artigo me remetendo a suas situações que me ocorrem ou me ocorreram: 1) as tentativas frustradas de estabelecer discussões sobre temas diversos nas redes sociais, devido à falta de abertura das pessoas para o questionamento, a argumentação contrária e à critica, e 2) a conferência que assistimos no dia do lançamento oficial do portal do Soteroprosa, feita pelo Prof. Dr. Antônio Saja, em que ele, de forma bastante lúcida, tratou, dentre outras coisas, do fato de vivermos na “Idade Mídia”, marcada pelas opiniões mais do que pelas verdades, opiniões essas que se propagam rapidamente nos meios virtuais.


É sobre essas "opiniões", que a meu ver se propagam, muitas vezes sem muito rigor na fundamentação de seus argumentos, baseadas em informações parciais ou, no pior dos casos, em preconceitos, que irei tratar nesse artigo.


Atualmente há uma certa “compulsão pela opinião”, que se faz presente tanto nos meios de comunicação de massa, como telejornais com seus apresentadores cada vez mais engajados em suas seu parecer pessoal sobre as “notícias quentes” do dia, seja nas redes sociais, pela expressão democrática da opinião sobre todo e qualquer tema, da religião e política até a fofoca sobre alguma celebridade do meio artístico. Nesse contexto de abundância de discursos sobre tudo e nada, nos deparamos quase sempre com uma carência de fundamentos críticos muito grande, quase sempre devido à falta de um pensamento verdadeiramente crítico ou da falta de reflexão sobre as causas e consequências do próprio ato de opinar.


De modo algum vou negar o direito das pessoas emitirem suas opiniões acerca do que quer que seja. Sou, inclusive, defensor da liberdade de expressão e pensamento, porém devemos ter bastante cuidado e clareza quanto ao lugar de onde nós falamos, os fundamentos que constituem as bases dessas opiniões, bem como quanto à verdade ou falsidade de nossas afirmações.


Aos poetas e artistas é dada a liberdade incondicional de transgredir o senso comum, utilizando-se da linguagem para incitar a reflexão, tencionando-a para fora dos modos convencionais de pensamento. Estes o fazem por terem o domínio da linguagem verbal ou escrita, e saberem utilizar-se de seus múltiplos significados explícitos ou implícitos, sabendo recorrer ao uso das metáforas ou da ironia, para deslocar esses sentidos, colocando o pensamento em movimento. Mas e nós, pobres mortais, que não detemos essa fina arte, como expressamo-nos nos diversos contextos quando emitimos nossas opiniões e defendemos nossos pontos de vista?


Àqueles que se arvoram a um lugar na “intelligentsia”, na intelectualidade instruída nos bancos dos cursos universitários de graduação e pós graduação, não faltam citações e referências a autores clássicos, modernos e contemporâneos e a seus conceitos, quase sempre desconhecidos para a grande maioria dos pobres mortais que, quando muito, conseguem concluir o ensino médio, ou um curso técnico e universitário visando uma inserção um pouco mais digna no mercado de trabalho. Desses intelectuais de gabinete, a opinião vem prenhe de referências bibliográficas que, na melhor das hipóteses, apenas replicam o pensamento alheio, numa reatualização do mesmo ou, no pior dos casos, numa apropriação parcial e distorcida dessas ideias, esquartejadas e arrancadas de seu contexto original.


A esses pseudointelectuais de plantão dedico a minha crítica mais veemente, posto que seu lugar de discurso, fundamentado em fragmentos de outros discursos, o faz reproduzir conceitos (ou preconceitos), sentenças (ou dogmas) e argumentos que, em sendo reproduzidos, afirmam "pseudoverdades" que, a rigor, nos tempos atuais, deveriam ser pensadas e consideradas mais como possibilidades de compreensão e interpretação de fatos, do que como afirmação de uma verdade.


Por mais que possamos recorrer aos diversos autores, clássicos, modernos ou contemporâneos, para fundamentar nossos argumentos, devemos ter claro que esse pensamento alheio é situado em um espaço e tempo, em uma cultura específica que, certamente, não é o nosso mesmo espaço, tempo e cultura presentes. Toda vez que nos remetemos a um pensamento anterior ao nosso devemos ter em vista isso, posto que, a cada segundo, o mundo se transforma em velocidade cada dia mais acelerada. Por mais que esses pensamentos alheios nos auxiliem a pensar nossa realidade presente, sua abrangência é limitada em grande parte pelo contexto de sua enunciação, devemos nós ter o cuidado de bem contextualizá-lo, para não distorcermos seu sentido originário, utilizando-o arbitrariamente para atender a nossos objetivos situacionais e circunstanciais atuais.


Obviamente que essa minha afirmação não se volta contra os clássicos ou contra os discursos diversos construídos pelos pensadores deste e de outros tempos, espaços e culturas que se arriscaram em pensar por conta própria, valendo-se da tradição anterior. Acredito que todos eles buscaram, para o bem ou para o mal, refletir e transformar suas realidades e modos de pensar contemporâneos a eles, no momento presente de seus contextos imediatos. Minha crítica se volta àqueles que, utilizando-se desses discursos como fundamento para suas opiniões, buscam legitimar seus pontos de vista sem assumi-lo como seu, como interpretação sua, a partir de um referencial assumido arbitrariamente por si e para si.


Quando digo isso, quero dizer que, do meu ponto de vista, cada opinião expressa por alguém, quem quer que seja, é um dizer intencional. Toda afirmação que faço, o faço com o objetivo, mais ou menos conscientes, de convencer o outro de que tenho razão ao afirmar o que afirmo e quando afirmo. Isso significa dizer que sempre que emitimos nossas opiniões, sejam elas sentenças verdadeiras ou falsas, parciais ou generalizações universalizantes, estamos inteiramente engajados naquilo que dizemos. Não importa o quanto nos escondamos atrás do discurso alheio, pois, sempre que selecionamos fragmentos desse discurso, retirando-o de seu contexto original, estamos ativamente realizando essa seleção com o objetivo de fundamentar nosso próprio ponto de vista. Fazer isso, no entanto, requer ao mesmo tempo consciência e honestidade quanto ao uso desse discurso alheio, para afirmarmos nosso próprio discurso, para não corrermos no risco de um mero plágio ou para não sermos meros idiotas reprodutores de idéias alheias e preguiçosos no ato de pensar por conta própria.


Pensar por conta própria é um risco que poucas pessoas têm coragem de assumir. Em tempos como o nosso, em que somos inundados por milhares de informações a cada segundo, falta cada vez mais tempo para processarmos essas informações, assimilando o material que nos chega e submetê-los à critica, para, só depois, construirmos nossas próprias ideias, emitindo nosso parecer ou opinião. Não é atoa que vivemos no tempo do “copia e cola”, na reprodução irrefletida dos pensamentos alheios, muitas vezes só replicando o que nos chega como copiadores de verdades. Além disso, nossas respostas tendem a ser quase automáticas, imediatistas, irrefletidas e irracionais, quando não irreais ou ficcionais, baseada em nossos “achismos”.


A essa decadência do pensamento e indigência da crítica é que volto minha segunda e principal reflexão, dirigida a todos aqueles que opinam sem saber ao certo sobre o que estão opinando. Os principais “opinadores” das redes virtuais são, justamente, o cidadão comum que não tem tempo ou disponibilidade para ler e refletir detidamente sobre o que chega até ele como informação. Suas opiniões são quase sempre reproduções das opiniões alheias que, muitas vezes são emitidas sem muita reflexão, numa cadeia quase infinita de “achismos” que, na realidade, reproduzem discursos superficiais derivados de fontes difíceis de serem reconhecidas senão a partir de minuciosa análise.


Esse, no entanto, é o mundo em que vivemos, de opiniões e “achismos”, sem fundamentos ou alicerçados em discursos anteriores descontextualizados. Submergidos nessa realidade discursiva impalpável, nos vemos mais desencontrados do que os povos dos tempos da Torre de Babel. Seja nas redes virtuais, seja nos encontros reais, vivemos o paradigma da incomunicabilidade, não pela falta do que dizer, mas pelo excesso de fala desconectada, de discursos discordantes que não se ligam uns aos outros no sentido de uma comunicação verdadeira. Vivemos na gritaria e na verborragia, nos ruídos e nas buzinas, em que todos tem algo a dizer sobre tudo, mas ninguém tem tempo ou paciência para ouvir ou refletir sobre o que se diz ou ouve. Falta-nos o silêncio necessário para a escuta e a reflexão e o tempo para a leitura, o meditar e o pensar de modo crítico, sendo a crítica não o mero apontar do erro alheio, mas a busca honesta pelos fundamentos do pensamento e a intencionalidade do discurso.


Enquanto continuamos a reproduzir os discursos e opiniões alheios, sem submetê-los à reflexão, estaremos fadados à manutenção do mesmo, sem novas aberturas. Se não nos debruçamos sobre nossas opiniões e achismos, acolhendo a divergência, a dúvida e o questionamento, nos manteremos e aos nossos pensamentos rígidos, fixos e cristalizados em nossas falsas certezas, em nossas "pseudoverdades" parciais, em nossos vieses, e, o que é pior, em nossos preconceitos.


Acredito que a atitude mais honesta de pensar seja aquela que vem do filósofo grego Sócrates, que com sua inegável sabedoria afirmada saber que nada sabia, questionando sempre as opiniões fáceis, buscando compreender o ser, o fundamento, de cada coisa, em cada afirmação. Seu incansável questionar sobre “o que é” de cada coisa e de cada sentença a ele enunciado pelo outro, nos diálogos que empreendeu em sua vida filosófica, fez dele uma figura polêmica e incomoda, principalmente ao denunciar, a partir desses questionamentos, a ignorância e ausência de fundamentos das opiniões de seus contemporâneos.

Com Sócrates funda-se a filosofia que se dirige às questões éticas, pela busca pelo esclarecimento dos sentidos presentes nos discursos. Em tempos tão obscuros quanto às questões éticas, faz-se necessário resgatar seu modo de pensar questionando, sua maiêutica parteira de ideias. Sob essa inspiração, afirmo que, para abandonarmos nosso estado atual de preguiça e indigência de pensamento, para abandonarmos o recurso fácil da reprodução de discursos alheios, opiniões e achismos sem fundamento, devemos nos submeter a um exame de consciência profundo, a começar com o questionamento honesto de nossas verdades e certezas, crenças sobre nós mesmos, com a compreensão de nosso lugar de discurso no mundo e, principalmente, com um olhar atendo sobre nossos interesses quando dizemos o que dizemos e a quem dizemos.


Não existe fala inocente, a exceção talvez do choro das crianças, o latido dos cães e os sons emitidos pelos outros animais. Nossa fala, nosso discurso, está sempre impregnado de intencionalidade, e, queiramos ou não, somos responsáveis pelo mundo que construímos a partir deles. Cuidemos de nossas línguas, de nossas palavras, para não cairmos na insensatez ou na idiotice do tudo dizer sobre coisa alguma.



Fonte da imagem:


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