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A Arte Salva!

Eliseu Visconti pintando A influencia das artes sobre a civilização -

Pano de Boca do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

(1907)

Hoje, tenho que admitir a vocês, meus leitores, estou naquilo que se pode chamar de “tela em branco”, ou no “vazio criativo”. Falta-me não temas para a escrita, mas vontade de escrever. Essa sensação de vazio não me é estranha e já me acompanhou e me acompanha em diferentes momentos da vida. Um vazio indefinível. Às vezes um vazio cheio de sensações e sentimentos. Às vezes um vazio que simplesmente é, um estado de espera, uma espera que se segue, cheia de possibilidades ainda a serem descobertas e desbravadas. Poderia falar a vocês sobre esse vazio, que precede o ato criativo, mas não irei tratar disso. Deixarei o vazio se preencher de palavras, à medida em que elas surgem na folha de papel em branco.


Pois bem... Falarei da arte! A arte que se inicia no vazio, seja de som, seja de forma, seja de movimento. A arte preenche os vazios, à medida em que o homem se move ou, simplesmente, imóvel, permanece no silêncio. Na música, o som preenche o silêncio com suas ondulações, e o silencio dá o contorno e a forma ao som, do princípio ao fim e ao longo do seu trajeto. Na dança, o corpo se move no vazio, deslizando no espaço, entre contrações e expansões, ocupando com o corpo o espaço vazio, deslizando no ar. Na escultura, retira-se os excessos do bloco, abrindo vazios e moldando formas, ou une-se formas em encaixes que se conectam nos vazios que se articulam. No teatro, corpo e fala, musica e dança, transitam e dialogam com o silêncio, entre atos de atores, com o público ou com o silêncio, em espaços vazios ou cheios de cadeiras e outros objetos cênicos. Na escrita, na pintura, no desenho, a grafia do homem sobre o papel, sobre a tela em branco, expressando em palavras seu vazio ou silenciando seus barulhos.


A arte, radicalmente democrática, longe de ser demagógica, é libertária por excelência. Liberta todos das amarras das convenções, na medida em que permite a descoberta de si mesmo. Qualquer um deveria ter livre acesso ao pincel e ao lápis, às folhas de papel e às telas, às tintas, aos formões, às pedras, às areias... Todos, quando não limitados pelo próprio corpo, tem acesso ao som, à luz, às cores, às sensações. A arte vem de tudo isso, numa reunião em ato, materializado em ato, a partir, no e pelo corpo. A arte nos corporifica, nos “existencialisa”, no torna reais. Mesmo em suas formas mais perfeitas, apolíneas, a arte nos fala sobre nós, para nós, em nós.


A arte, toda ela, em toda forma, salva. Salva nossa humanidade daquilo que diariamente se perde. Salva nossa existência, dando forma a nossas angústias, sublimando nossos não ditos, dizendo o que não dá pra aguentar. A arte, qualquer que seja, feita por qualquer pessoa, bastando-lhe a disposição para a ação. Não falo da arte idealizada ou sacralizada, mas da arte como ação humana, artefato criado pelo homem, na expressão de si, no mundo. Qualquer um, mesmo sem ser artista, pode fazer da arte sua via de salvação. A arte salva a alma da alienação de si, conectanto, a cada ato, o substrato do próprio corpo, instrumento móvel do fazer artístico.


Já fui salvo algumas tantas e muitas vezes pela arte. Oras pela poesia, oras pelo desenho, oras pela pintura. Na ausência de remédios eficazes, a arte estancou feridas e sarou dores imateriais, daquelas que se esvaem sem que saibamos ao certo de onde, para onde, e como se esvazem. A arte por vezes me salvou do mais profundo estado de indigência, quando apenas o nada preenchia os espaços, e tudo era noite. A arte preencheu minhas noites e tardes e manhãs, contemplando-a ou produzindo-a, mesmo que nos limites das formas imperfeitas, das palavras imprecisas, das sentenças vagas, das falas ensaiadas sem plateia.


Falar mais do que isso, por hoje, é tentar preencher espaços vazios onde não há.


Hoje faço essa apologia à arte pela simples necessidade de expressar meu agradecimento a Ela, sabia mãe salvadora, que me auxilia sempre que me vejo adoermecido de mim, mergulhado em sonhos profundos e difíceis de acordar.


Se é para acordar, que seja nos braços da Arte.


A influencia das artes sobre a civilização -

Pano de Boca do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Eliseu Visconti (1907)

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