Morangos Silvestres é um dos principais filmes do ilustre diretor sueco, Ingmar Bergman, que completaria 100 anos, no dia 14 de julho. Fiquei instigado a escrever o texto, e espero que o leitor se deleite com reflexão aqui posta, e, inclusive, assista a outras cinematografias do cineasta.
“Nas nossas relações com outras pessoas, nós basicamente discutimos e julgamos seu caráter e seu comportamento. Por causa disso eu me afastei, por iniciativa própria, do que se poderia chamar de minha vida social. Essa minha decisão acabou tornado minha velhice um tanto solitária. Durante toda minha vida eu sempre trabalhei duro e sou grato por isso. Eu comecei a trabalhar pelo meu sustento [...] talvez eu deva acrescentar que sou um velho meticuloso, o que muitas vezes torna as coisas mais difíceis, para aqueles que me cercam e para mim mesmo. Eu me chamo Ebehard Isak Borg, e eu tenho 78 anos” ( Morangos Silvestres)
Ao assistir Morangos Silvestres, eu, você, nós, ainda jovens, devemos vestir a pele dos 78 anos. O que somos na velhice? Este é o ponto que o diretor nos faz refletir. A vida do professor Borg é uma provocação importante sobre o que nós próprios fazemos nesse momento: como nos relacionamos com as pessoas? Devemos pensar somente em nós mesmos, em simplesmente viver imaginando que a própria existência é uma luta pela sobrevivência? Ou devemos viver por uma sensibilidade de doar-si por algo maior?
“Tenho problemas em lidar com a vida social, com as pessoas, prefiro a retidão do lar”. Não é comum que façamos uma autoanálise, quase um processo psicanalítico, das nossas experiências enquanto jovens, porque não pensamos no envelhecimento e na morte. Mas Bergman no confronta com a necessidade de que quanto antes pensarmos em como vivemos, na forma como lidamos com o mundo, com o outros, menos torturante poderá ser a velhice. Não podemos, porém, esquecer, e esse é um ponto fundamental, de que a vida é um sofrimento, mas cada um lida de uma forma diferente com ela. Mas é importante não perder de vista, que é impossível viver sem algum tipo tortura!
Borg reconhece um pouco do seu egoísmo. O seu ego, calcado no seu esforço pessoal, na sua reputação, afastou as pessoas da sua convivência Será que quanto mais adentramos no conhecimento, corremos o risco de olhar para tudo e a todos com certo desdém, com certo objetivismo cru? Talvez esse seja o mundo do cientista, ou de qualquer outra pessoa que olhe para o mundo sem despejar sentimentos e atitudes que inspirem afeto e uma comunicação mais empática. “Para que interagir com o próximo, se cada qual olhará sempre para si mesmo?” É um pouco a reflexão do ínicio da fala no inicio do filme. Em outras palavras, se a vida em sociedade é a coisa mais insuportável que há, por que se indispor, aborrecer-se , se as pessoas são previsíveis e fadadas a atitudes inúteis?
O personagem é transportada às suas memórias para analisar como foi sua vida. Ao refletir sobre as experiências do passado, com sua família, ele passa a perceber que a solidão da velhice o incomoda. E ai vem a experiência da náusea, um espécie de melancolia, que pode chegar a qualquer um. É uma melancolia sobre a vida, sobre que sentido existe para tudo isso que nos cerca. Se vamos todos morrer para que nos apegarmos às pessoas?
É a experiência da velhice solitária que passa a atormentar! Vale a pena estar afastado da família, amigos, colegas, enfim, de pessoas, e viver na reclusão? Vale a pena realmente negar a espontaneidade, a necessidade de amar, sorrir, abraçar, curtir, potencializar as experiências com alegrias e um pouco de loucura? Pense!
Se você assistir ao filme, verá que existe ainda outro personagem interessante: a mãe de Borg. Ela fala que tem 20 netos e 15 bisnetos que não costumam visitá-la, a não ser por acidente ou por pedir dinheiro emprestado. Ela completa: “meu defeito é não morrer”. Bergman faz uma crítica também a uma sociedade moderna que perdeu os vínculos sentimentais mais importantes, de estar com os outros, em detrimento de uma vida regida por um individualismo frio, esquecendo nossos pares.
Ao observar os dois personagens referidos, sentimos um ar de morte e solidão. Sim! É um incômodo, leitor. Porém, são esses pequenos detalhes que trazem a percepção de que a vida pode ser encarada de outra forma: mais alegre, solidária, amorosa. Por que chegar na velhice com o sentimento de abandono, tristeza e desprezo por tudo? Se, como conta os livros sagrados, a humanidade vive seu próprio drama cósmico, um pecado original para alguns, que é o sofrimento e a morte, uma morte contínua, como vamos viver a partir disso? Isto é um fato! Devemos refletir sobre nossos passos, ou deixamos que tudo à nossa volta nos molde? Do que necessitamos? De simplesmente existir, sobreviver? Ou algo a mais?
No fundo, as provocações de Bergman são questões profundas que cabe a leitor tirar suas próprias conclusões.
Até a próxima.
Link da imagem https://filmow.com/morangos-silvestres-t5418/