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Sarah Ferraz

A palavra S...




Olá, meu caro.


Sei que ando um tanto sumido, mas esse mês resolveram me deixar mais em evidência e nada mais justo - penso eu.


Ninguém gosta muito de falar sobre mim e confesso que me pego um pouco chateado com isso.


É bem verdade que, por vezes, posso ser sorrateiro e pegá-los de surpresa, desprevenidos. Já que me evitam tanto, provoco espanto, angústia, tristeza, e não é pra menos.


Mas tem momentos, leitor, que apareço, timidamente, na boca de alguém, rompendo aquele silêncio que parecia infinito, como um grito rouco, do mais profundo íntimo.


E o que acontece? Infelizmente, parece que não me dão muito crédito. Eu não compreendo!


Em outras situações surjo escancarado, dito em alto e bom som, como em um megafone, amplificado. Então penso, até animado: ah, agora eles me verão! Ei, estou aqui, na sua cara, me enxerga! – e nada.


Até me olham, mas acabam me confundindo com a Carência, com a Frescura, com o Drama. Como pode? Permaneço indignado, pois nem sinônimos meus essas tais são!


Você deve estar se perguntando quem sou eu para menosprezar as outras palavras, tão pedante e convencido. Não é desprezo, amigo, apenas me sinto preterido.


Porém, não vou me revelar ainda, darei pistas, como algumas pessoas que pensam em mim o fazem, sem muito sucesso. Quem sabe, dessa vez e com sorte, descubras quem eu sou.


Mate essa charada! – com o perdão do trocadilho.


Sabe, não é que eu seja uma palavra complicada, tal qual o Externocliodomastódeo ou a Inconstitucionalissimamente, longe disso. Eu sou menor, fácil de soletrar e até sonoro. Não, esse não é o problema.


Sou uma palavra temida, daquelas que são ditas em último caso, entende?


Tudo isso porque enfiaram na cabeça que sou má influência, provocador.


E eu provoco mesmo, mas provoco no silêncio, cresço à medida que fico escondido, ali de cantinho. Quanto menos me conhecem ou têm informações sobre mim, é aí que eu ganho forma e deixo de ser apenas um substantivo, viro verbo.


A maioria ainda não entendeu esse meu mecanismo e insiste em não querer me pronunciar, crente de que assim, eu não darei às caras.


Não se engane, sou frequentador assíduo da mente de muitos. Posso aparecer através de um pensamento, aparentemente inofensivo, evoluir para um planejamento e quem sabe uma dia, chego à uma tentativa.


Possuo algumas companheiras, que aparecem antes ou junto de mim, como o Desânimo, a Tristeza, o Isolamento, a Baixa Autoestima, a Desesperança. Elas podem te sinalizar que estou próximo.


Carrego até grupos delas comigo, a exemplo do “Não sirvo pra nada", “Me sinto um fracasso", “Sou um estorvo", “Ninguém sentiria minha falta", “Não aguento mais, quero acabar com tudo isso".


À essa altura você já deve ter me desmascarado, eu bem sei. Acho que fui bem específico e me fiz entender através destas linhas.

É isso mesmo, sou essa palavra na qual está pensando agora e sei que não sou agradável.


Setembro é o mês dedicado à minha prevenção e deram à ele o nome de Amarelo, símbolo de alerta. Prevenção não quer dizer evitação da minha pessoa, mas sim falar bastante sobre mim e ensinar a todos como me identificar, como se preparar para ajudar alguém que anda às voltas comigo.


É importante que você saiba que quem pensa ou fala de mim estava há um bom tempo sendo visitado pelo meu irmão, o Sofrimento. Esse irmão mais velho é difícil, problemático, eu diria. E, apesar de, certamente aparecer escrito no caminho de todos, pode tomar uma proporção tamanha e atingir até o mais afortunado.


Saiba também que esta pessoa não está deixando de valorizar a Vida, não a veja com maus olhos. Ela tem como objetivo acabar com o meu irmão, que a está destruindo por dentro, a cada dia, se tornando insuportável. Essa pessoa acha que eu sou a melhor forma de conseguir acabar com ele.


Ela ainda não sabe ou não vê que existem outros jeitos de fazê-lo ir embora. Mas você, caro leitor, pode mostrar-lhe essas outras palavras que podem trazer um alento: a Escuta, o Afeto, a Presença, a Empatia, o Entendimento, a Ajuda, o Tratamento. Nunca traga o Julgamento nesse momento, combinado? Ele só alimenta o Sofrimento e acho que não queremos isso.


Ainda tem uma palavra que aqui não foi mencionada e é a melhor arma para impedir que eu me torne um ato, é a Fala. Quando esta vira verbo, tem o poder de diminuir a Dor, trazendo o Alívio.


Use mais o Falar, deixe que o peso vá se esvaindo por meio dele. E Fale sobre mim, não só no mês de setembro, mas sempre que possível ou necessário, pois não escolho data, não tenho cara, nem conta bancária. Esse é meu breve recado. Espero que nos encontremos mais vezes nos seus diálogos ou digitados.

Atenciosamente,

Suicídio.


Imagem:

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