“A maioria das mulheres luta em duas frentes — uma pelo tópico em questão, qualquer que seja, e outra simplesmente pelo direito de falar, de ter ideias, de ser reconhecida como alguém que está de posse de fatos e de verdades, que tem valor, que é um ser humano”. (Rebecca Solnit no livro Os homens explicam tudo para mim, pág. 22)
Imaginem a seguinte situação: duas mulheres e um homem conversam em um evento social. Uma das mulheres acabou de lançar um livro sobre um importante tema e o homem, sem deixar com que a mulher desenvolva seu raciocínio, diz que viu recentemente um importante livro sobre esse mesmo tema, e começa a discorrer sobre a obra que não leu, mas ouviu falar. Enquanto isso, as mulheres tentam chamar sua atenção para um ponto importante, mas ele não as deixa falar. Até que uma delas ergue a voz para dizer que esse livro que ele está falando e acha tão importante é exatamente o livro que a mulher lançou.
Mas ele nunca acharia que ela seria a autora, não é mesmo?
Essa história é a que dá origem ao livro “Os homens explicam tudo para mim”, coletânea de ensaios de Rebecca Solnit. Em nove textos, a autora explora diversos assuntos que permeiam o ser mulher nesse mundo em que somos vistas como algo menos que os homens. Ao longo da obra, fica claro que são várias as formas de silenciamento: da interrupção da fala, como no caso que narrei na abertura do texto, ao estupro. Pode parecer exagerado dito desta forma, mas tudo tem uma mesma origem: a ideia de que as mulheres são inferiores, pensamento esse que urge ser combatido e superado.
“O casamento igualitário é uma ameaça, sim: ele ameaça a desigualdade. É uma dádiva para todos os que valorizam a igualdade e se beneficiam dela. A igualdade no casamento é para todos nós”. (pág. 83)
Muito se fala em igualdade dos gêneros, luta que vem sendo travada há décadas. Mas o que é igualdade?
E é por meio dos casamentos homoafetivos que a autora discute os papéis sociais impostos a cada gênero e como é preciso desconstruir essa ideia. Quando duas pessoas do mesmo gênero se relacionam é que fica claro que não faz sentido dividir responsabilidades em “coisa de homem” e “coisa de mulher”. E esse conceito pode ser levado para todos os tipos de relação, não somente amorosas.
“A violência é uma maneira de silenciar as pessoas, de negar-lhes a voz e a credibilidade, de afirmar que o direito de alguém de controlar vale mais do que o direito de existir, de viver”. (pág. 17)
Para que se tenha igualdade de fato, é preciso investir e reforçar a democracia, pois ela só existe de verdade quando não há diferenciação dos indivíduos na hora da garantia dos direitos. Não dá para pensar em democracia somente quando se fala em política partidária; ela está em todos os aspectos da vida, e é abalada cada vez que uma mulher é violentada ou diminuída por causa de seu gênero.
E aqui entra um outro ponto de discussão: não se pode falar em igualdade e em democracia sem falar de liberdade. No entanto, é preciso deixar clara a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio, pois é comum vermos muitos se utilizando do discurso da liberdade para ofender o outro, especialmente minorias. Mas não é liberdade se fere. A minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Democracia, lembram?
“Pense em quanto tempo e energia nós teríamos a mais para nos concentrarmos em outras coisas importantes se não estivéssemos tão ocupadas em apenas sobreviver”. (pág. 52)
Cansa a necessidade de estar sempre alerta, sempre tendo que provar que o que se fala é digno de ser ouvido. Cansa ver tantas mulheres desacreditadas e humilhadas quando vão denunciar alguma violência que sofreram. Cansa ter que lutar o tempo todo contra os mecanismos de poder de uma sociedade que dá legitimidade aos homens de agirem do jeito que bem entendem.
Estamos cansadas. E precisamos de uma transformação profunda de pensamento coletivo para que nós mulheres não tenhamos mais nossas vidas ameaçadas.
Foto: Carol Vidal