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A verdade no discurso de Bolsonaro

Foto do escritor: Thiago Araujo PinhoThiago Araujo Pinho



Muito além dos argumentos, dos critérios, das categorias, das justificativas, muito além da própria linguagem, em geral, existe sempre um corpo ao redor, uma experiência. Esse corpo jamais é certo ou errado, jamais poderia ser avaliado de alguma forma conveniente. Os eleitores de Bolsonaro, nesse sentido, no próprio modo como vivem, carregam uma certa verdade, já que são trajetórias de vida, todas dentro de um mundo que os ultrapassa, um mundo que os afeta em níveis além da imaginação.


É claro que os afetos na política não são exclusividade dos eleitores de Bolsonaro, como se os outros fossem movidos por uma mente pura, por alguma coisa nobre e confiável. Mesmo a retórica bem intencionada, e até romântica, da esquerda também reflete um determinado arranjo de afetos, também é reflexo de um corpo pontual, uma percepção. O grande problema não é o corpo como motor da política, já que sempre foi, e isso desde Górgias e Protágoras, há 2000 anos atrás. O real problema é o fato desse mesmo corpo não está sendo mais inscrito na linguagem, pelo menos não da forma como deveria ser. Ele não é mais suavizado, não é mais administrado, sendo um poço transbordante de intensidade, medo e revolta.


A meta da civilização sempre foi muito clara, um tipo de princípio que nem sequer precisava de nome, jamais precisava ser dito, ou mesmo escrito: a meta sempre foi conduzir nossa energia de vida, seja agressiva ou sexual, rumo a caminhos mais convenientes, como quando surge a vontade de ir ao banheiro, mas você não tem problema de aguardar um pouco, ou quando você sente atração por uma mulher (homem), mas não se incomoda em entrar nas milhares de mediações que a sociedade disponibiliza, como um jantar, uma conversa, uma ida ao cinema, etc. Essa energia, por ser muito perigosa, jamais pode ser vista de frente, mas sempre através de mecanismos, de estratégias, em especial aquelas que passam pela própria linguagem. Por algum motivo, infelizmente, esse não é mais o caso, e o corpo, antes suavizado por signos, agora é trazido à tona em toda sua verdade, embora também em todo seu perigo.


O problema do eleitor de Bolsonaro não são seus afetos, porque, enquanto corpo, eles são reais, são verdade, refletindo apenas uma experiência, uma trajetória. Além disso, muitos desses afetos nós conhecemos bem, sendo impossível negar, como acontece com o medo, a frustração, o ódio e o vazio. O problema é que esses afetos não encontraram uma boa válvula de escape, transbordando agora na própria linguagem, quase como se não tivesse limite. O cheiro do ódio, muito forte e violento, não é mais disfarçado, como deveria ser. O ódio parece derramar pelos contornos do signo, deixando transparecer uma coisa bruta, fria e estranha. O corpo, antes administrado, justificado, inclusive em nome da própria convivência, é agora visto sem máscaras pelo discurso dos eleitores de Bolsonaro. Nunca é um bom sinal quando deixamos de lado esses mecanismos de controle, já que eles garantem a própria existência da civilização.


Esse corpo bruto, não mais mediado, não mais suavizado, não aponta para um movimento de direita, como muitos acreditam. Esse fenômeno aponta para um outro tipo de configuração política, uma que jamais tínhamos visto até agora. A direita, por pior que fosse, sempre acomodou seu corpo na linguagem, com suas teorias, premissas, hipóteses, mas não é o que acontece hoje. O fenômeno atual é inédito, estranho, exigindo do cientista político uma postura mais cuidadosa, ao evitar a tentação dos rótulos já disponíveis, daquelas categorias que todos usam. Um fenômeno novo aparece no horizonte, um tipo de evento muitas vezes difícil de nomear, já que é tão absurdo e impactante. Poderíamos chamar isso de “não-direita”, uma espécie de espaço indefinido e ainda pouco explorado.


Bolsonaro não é fascista, já que o fascismo era um discurso, um pacote bem estruturado de ideias. Bolsonaro, assim como Trump, nos EUA, vai além de tudo isso, ao varrer do horizonte a própria necessidade de justificação, deixando que seu corpo transborde sem medo, o que compromete não apenas a política, como acontece nos embates clássicos entre direita e esquerda, mas a própria civilização.


Fonte da imagem: http://www.significadossonhos.com/significado-de-sonhar-com-grito.html

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