A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) é fruto da dificuldade da social democracia brasileira de não levar a sério os valores tradicionais incrustados historicamente. O slogan da campanha presidencial: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, uma Constituição em uma mão e a Bíblia na outra, não foi explorada ao acaso, mas por uma inteligente percepção da realidade tupiniquim.
O modo progressista de fazer política no Brasil não considerou que parte significativa da nação não tem um perfil alçada nos valores modernos iluministas do individualismo, do laicismo, e dos direitos humanos. É necessário considerar este fato! A vitória de Bolsonaro foi o êxito de uma direita conservadora nos costumes e pautada em princípios de ordem, hierarquia e sentimentos reacionários e saudosistas. Foi também a derrota da social democracia, que esteve no poder presidenciável ao longo dos anos.
O cientista político democrata americano Mark Lilla [1], ao falar da vitória de Donald Trump, nos EUA, apontou que um dos motivos para a derrota do liberalismo democrático, em 2016, foi a incapacidade dos governos anteriores de internalizar uma consciência coletiva - para além de pautas identitárias – com um liberalismo cívico, um espírito de cidadania atuante, abrangente, para além das diferenças. E boa da crítica do autor dirigiu-se a estudantes e professores universitários da esquerda liberal, inábeis em dialogar com o restante da população avessos à pautas de reconhecimento ou pós materialistas.
Lilla aponta que, na prática, o cidadão comum que só assiste TV, frequenta shoppings, emerge em grupos excludentes e vai às Igrejas, tende a voltar-se com consumo próprio, entretenimento abusivo e com a salvação individual; deste modo não se cria bases comuns, com intercâmbios negociáveis, com uma linguagem que extrapola o eucentrismo, que reitere a importância da política e da persuasão na Democracia. Não dá para achar que a forma, a Constituição cidadã, vai gerar, como num passe de mágica, ou toque de Midas, a formação de cidadãos ativos, conscientes de seus direitos e com um senso de coletividade, pois “ninguém nasce cidadão; os cidadãos são produzidos”.[2] (p.105)
A esquerda brasileira também deve ir além de discursos e políticas identitárias, partidárias, ideológicas ou classistas. Ao apostar apenas no assistencialismo, com os projetos sociais, acreditando que ascensão social é sinônimo de fidelidade política, ela também deveria ter dado atenção a um projeto substantivo de educação democrática, propiciando um sentimento de cidadania moderna, com senso de responsabilidade política e social. Não é subordinar a política, tornando-a objeto à minha posição social, mas é olhá-la como um palco aberto para resoluções que ocorrem no campo do diálogo, visando uma linguagem comum.
Outro erro cometido a algum tempo é em negligenciar a pauta sobre um combate sério à violência e a corrupção no Brasil, questões tão exploradas pelo presidente eleito, que soube, ao meu ver, utilizá-las com muita veemência durante a pré campanha e na campanha eleitoral. Claro que sua retórica foi de solução imediata e, querendo ou não, esse discurso populista tem uma forte carga emocional de esperança para que todos os problemas sejam rapidamente resolvidos. O cidadão mediano não tem paciência para mudanças a médio e longo prazo, o que requer um esforço racional, sentimental e cidadã típico de uma cultura democrática.
Por fim, os votos no Brasil tem soado mais ao interesse do imediatismo, do particularismo, e, portanto, distantes de um sentimento público. Só o voto não basta! É paupérrimo! Precisamos desenvolver uma cultura política, que esteja acima das demandas privadas. A realidade é que as pessoas não têm noção de como funcionam as instituições republicanas, as regras do jogo, os direitos.
[1] e [2] LILLA, Mark. O progressista de ontem e do amanhã: desafios da democracia liberal do mundo pós-políticas identitárias. São Paulo: Companhia das Letras, p. 105, 2018.
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