“Um verdadeiro artista não dá atenção ao público. Este não existe para ele”. ( Oscar Wilde)[1]
Será que é possível distinguir a arte sadia da arte doentia?
O ensaio de hoje é uma breve reflexão sobre a arte, a partir de um livro pouco conhecido de Oscar Wilde, intitulada A alma do Homem sob o Socialismo, publicado em 1891. Muito do que o dramaturgo inglês escreveu antecipa a crítica dos intelectuais da Escola de Frankfurt, na Alemanhã, sobre a cultura e o empobrecimento da arte. A obra não aborda só a defesa do socialismo utópico, mas a decadência da sociedade moderna capitalista, que impacta diretamente na subjetividade do artista. Boa Leitura!
Para Wilde, uma obra de arte verdadeira é uma produção genuína, singular, do temperamento humano; ou, em outras palavras, é a expressão de ser do autor, e não o que as pessoas desejam de suas obras. Atender as demandas do público é assassinar a própria espontaneidade do artísta e, ao mesmo tempo, decretar a morte da arte. Para o romancista inglês, o artista “sozinho, sem consultar ninguém e livre de qualquer interferência pode dar forma a algo de belo, e se não o faz unicamente por sua própria satisfação, ele não é um artista de maneira alguma”. [2]
A verdadeira arte é uma forma intensa de individualidade, a qual o autor atribui ao ser Belo de cada um. Todos devemos buscar um certo aperfeiçoamento moral, social e cultural. É dever caminhar à perfeição, para a maior excelência possível, naquilo que mais nos identificamos, elevando nossa potência de existir mesmo na impossibilidade de chegar ao perfeccionismo.
Jamais a arte pode aspirar à popularidade! O público deve respeitar a magia da criação, mesmo que não a compreenda. O verdadeiro artífice deve construir algo pelo prazer, e, em hipótese alguma, violentar seu temperamento visando agradar ou entreter o povo; devemos ser sensíveis e respeitar a produção de um romancista, músico, dramaturgo.
Nunca o artista deve reprimir sua individualidade! Ele deve acreditar em si mesmo, em suas capacidades, e não duvidar da sua criação; não pode avaliar as suas qualidades prestando atenção ao critério da maioria.
Para Wilde, uma obra de arte sadia, em uma visão temática, é uma escolha do artista, provindo de seu interior; a obra torna-se doentia quando o tema escolhido é condicionado pelo público: quantos vão pagar para assistir, quantos vão compartilhar bons comentários. Neste ponto, a medida é a quantidade e não a qualidade, sendo um atentado imperdoável contra às mais belas inspirações que o ser humano pode produzir.
A opinião pública não deve influenciar ou controlar a arte. Ditar o que é bom ou ruim ao público, tiraniza, controla, coage, desautoriza uma determinada obra com base em interesses mesquinhos e particulares, satisfazendo, no caso, por exemplo, da imprensa, suas exigências comerciais. Aqueles que reprimem a criatividade, a singularidade, são egoístas, pois desejam impor aos artistas que sacrifiquem suas individualidades para agradar a visão de mundo e estilo de vida da maioria das pessoas, dos telespectadores, dos consumidores, que almejam a padronização da mediocridade de suas vidas. Ao contrário de uma concepção utilitarista, de origem inglesa, o critério do que é bom ou ruim não pode ser medido pelo maior número de afetados.
A arte não deve estar sujeito a um jogo bancário de oferta e procura! Pois, se ela subordina-se ao interesse da média, perde-se uma aura particular do artista. A objetificação da arte tiraniza a subjetividade humana.
Wilde afirma que grandes artistas conseguiram transmitir sua identidade para um amplo número de pessoas, pois elas foram receptivas às suas obras. Mas o ponto de partida, o marco inicial, foi a expressão da autenticidade, individualidade do artífice e não o desejo de agradar a humanidade; houve uma afinidade eletiva entre a autenticidade/individualidade do autor e a receptividade do público. Mas convenhamos que aqui são casos raros. O romancista chega a dizer que a regra, o padrão, é que a arte autêntica, a verdade genuína do artista, atinge sempre uma minoria.
A atualidade. Todo indivíduo que não se abre para coisas novas, preso às mesmas impressões, gostos e costumes, programas de televisão, aos mesmos tipos de filmes, gêneros musicais, às mesmas companhias e rotinas diárias, não é capaz de apreciar as novas criações artísticas, as inovações. A vida mecanizada e uniformizada é o entrave da criatividade, do diferente, do novo.
Por fim, nobres leitores, o grande conselho de Wilde é que deve o artista e qualquer um buscar o engrandecimento de seu ser, aspirar e expandir sua individualidade, descobrir o que há de mais autêntico em si mesmo, ser fiel às suas convicções, sem nunca deixar de refletir sobre elas, visando alcançar a expressão de suas potencialidades. Quando cada um respeitar o ser do outro, em um sinal de empatia e compaixão, poderemos criar bases realmente sólidas a uma sociedade mais justa e solidária.
Até a próxima!
[1] e [2] - WILDE, Oscar. A alma do homem sob o socialismo. Porto Alegre: L&PM, 2017, p. 46 e 66, 2017.
Link da imagem: https://meliesart.wordpress.com/2017/04/21/a-obra-de-arte-na-era-de-sua-reprodutibilidade-tecnica/