"Todo dia eu tento escapar de um labirinto. Todo dia o Minotauro me persegue. Correr apenas dá ao touro mais poder. A única saída é para dentro. Devo aceitar que no centro do labirinto, eu não enfrentarei o Minotauro, mas a mim mesmo. Eu sou o Minotauro, estou caçando a mim mesmo.”
Você já teve a sensação de estar dentro de um labirinto que sua própria mente projetou? Acho que isso pode ocorrer com qualquer pessoa, não é, leitor? Se perder no emaranhado de pensamentos e emoções que somos.
Fugir incessantemente do que não entendemos, do que nos apavora. Pra depois se dar conta de que o seu oponente, do qual tanto fugia, é você mesmo.
Pois bem, imagine que você é acusado(a) de um crime e não entende o porquê de tê-lo cometido. Assim começam as duas temporadas de The Sinner, pelo menos para nós, espectadores.
A série original Netflix que estreou em 2017 e teve sua continuação lançada há poucas semanas atrás, mistura os gêneros de drama psicológico e policial. A primeira parte do seriado tem como foco a história de Cora Tanneti ( Jéssica Biel, também responsável pela sua produção), uma jovem mãe de família. Cora esfaqueia um rapaz até à morte numa praia fluvial, no interior dos EUA, aparentemente sem motivo algum. O roteiro foi baseado em um romance policial homônimo alemão, da escritora Petra Hammesfahr.
Já na segunda temporada, na qual me concentrarei mais nesta resenha, acompanhamos a acusação de Julian Walker (Elisha Henig). Um jovem que confessa um duplo homicídio dos pais, por envenenamento, quando estavam em uma viagem de férias.
Quem conecta os dois enredos é o personagem vivido por Bill Pulman, Harry Ambrose, um atormentado detetive que tenta desvendar esses crimes um tanto quanto inexplicáveis.
Ao mesmo tempo que Ambrose mergulha na história do assassinatos, também vão sendo reveladas questões de sua vida.
Com a ocorrência do crime, Harry retorna à sua cidade natal, à pedido de Heather Novack, filha de seu amigo de infância, Jack. Novata como investigadora, ela se vê um pouco perdida no caso e solicita uma consultoria por parte dele. Afinal, porque um menino de 11 anos mata seus supostos pais e ainda assume o ato?
Heather também é um personagem central na trama. Quando garota, perdeu sua mãe e desenvolveu uma relação confusa com sua melhor amiga, Marin, que, por sua vez, é carente de uma família tradicional, vendo na da investigadora um alento.
Neste ponto, preciso te explicar, leitor, que Julian vivia numa comunidade religiosa da região, cercada de segredos, na qual a maioria das pessoas da cidade não sabe o que se passa. Sua líder é Vera Walker, que mais tarde descobriremos ter um outro tipo de vínculo com o menino.
Marin desenvolve um fascínio pela seita, e, depois de uma desavença com Heather, se junta a mesma, nunca mais sendo vista. Isso compromete o olhar da investigadora, que acaba se envolvendo emocionalmente no caso.
A série também se debruça, em ambas as temporadas, sobre o fanatismo em torno da religião e traz a discussão de até que ponto ele promoveria a cura, a salvação para os males e traumas ou levaria ao adoecimento psicológico do indivíduo. Não por acaso o título tem esse cunho religioso: O Pecador.
Nesta temporada, enquanto vamos tentando adentrar na mente de Julian, passeamos pela infância de Harry. Um garoto solitário, que convive com os problemas da mãe aparentemente acometida de Transtorno Bipolar (que provoca muitas oscilações de humor e pode incluir sintomas psicóticos no quadro). Como será que o pequeno Ambrose lidou com isso?
Achei interessante a forma como o roteiro espelha a trajetória do personagem principal com a do garoto que se tornou detetive. Não é à toa que o jovem desenvolve uma grande confiança e empatia com Ambrose.
Minha leitura é de que cada um dos personagens principais estão no labirinto da citação que trouxe no início deste texto. Eles tentam fugir do seu lado animal, desconhecido, o qual todos nós possuímos. O lado do impulso, da emoção, da sombra...
A questão, leitor, é que esse minotauro faz parte de nós e precisamos entendê-lo, vê-lo de frente. Só assim vamos conviver melhor com ele e saber amansá-lo quando preciso.
Quem já leu um pouco de Jung, sabe do que estou falando. Em sua obra, este escreve sobre duas metades do ser humano: a Persona e Sombra. A primeira, vem da palavra grega, que significa máscara. Ela é o Eu que construímos e mostramos pro mundo, aquilo que queremos ser, nossa face social.
Já a Sombra, fica ali escondida, renegada, é a porção que negligenciamos, sem saber que muitas características positivas nossas podem compô-la, no entanto, não as desenvolvemos. A conclusão do psiquiatra suíço é de que elas precisam conviver em harmonia, sem que nenhuma prevaleça. Elas se complementam e juntas fazem emergir nosso verdadeiro Eu, no processo de Individuação.
Por isso, é importante lembrar que em alguns momentos seu minotauro precisa ser liberado, correr solto, claro que com parcimônia. Tudo necessita de equilíbrio. Isso vale também para nossa inserção na religião, pois ter uma crença pode ser extremamente saudável para o ser humano. Porém, como tudo na vida, o excesso pode ser prejudicial. Tenha cuidado com a dicotomia, com o polarizado! Penso que a série tenta dar esse recado: enjaular sempre o bicho só o torna mais indomável.
Assistir The Sinner fará você refletir sobre essas questões e irá te capturar, te conduzir aos poucos por um outro labirinto: o da trama. Esta é muito bem costurada, não perdendo em nada para a primeira temporada. Você vai assumir o lugar de Ambrose, procurando pela saída, e esta será surpreendente