Imagem de Al Pacino no filme Scarface.
Por Victor Linhares Souza *
Na última terça-feira, o atual ocupante do Palácio da Alvorada assinou um decreto que muda muito pouca coisa na legislação atual sobre a posse de armas de fogo, mas que na prática vai aumentar é o interesse por este item. O Capitão Jair já admitiu conversar sobre o porte e sobre a idade limite. A ideia é flexibilizar ainda mais.
É impressionante o malabarismo argumentativo que os defensores de “mair armas” fazem, sendo contra a violência e pró armamento da população. Afinal, uma arma de fogo já nasce com o “dom” de ser violenta. Ou seja, um revolver só pode dizer que “cumpriu sua missão em vida” se tiver tirado a de alguém. Muito diferente de uma faca e de um liquidificador, inclusive.
Outro dia, me deparei com um argumento muito sedutor, que dizia mais ou menos assim: “As armas de fogo equiparam as forças de um idoso e um campeão de MMA, ou seja, tira a força bruta da equação nas relações sociais. Dessa forma, as pessoas são forçadas a se relacionarem sempre através de argumentos”. Esse papo provavelmente ganhou muitas discussões em mesas de bar nos últimos meses, mas não se sustenta ao ser confrontado com a realidade.
A idade limite hoje é de 25 anos, mas, como o presidento já admitiu “conversar” sobre essa idade limite, e o plano é disseminar o uso da razão pela sociedade, as armas devem chegar ao máximo de pessoas possíveis. Imagino que quem usa esse argumento não acha que uma criança deve portar arma de fogo, qual seria então a idade limite? Podemos deduzir essa informação cruzando esse argumento com outro que geralmente acompanha os defensores da disseminação dessa máquina covarde: “Pode votar mas não pode ser preso?”. Pronto! 16 anos. Com efeito, supõem que ao receber o título de eleitor, cada cidadão ganhe uma arma, gratuita. O governo iria prover ela e as munições, dessa forma, não haveriam mais agressões nas ruas, afinal, todos estão armados. A partir daí todas as brigas de trânsito e desavenças seriam resolvidas só e somente no diálogo. Assaltos? Falaremos deles mais à frente.
Mas não, eles não são tão ingênuos. “Governo entregar armas? ‘Cê’ tá louco? Sabe quanto custa uma Bereta? O cara teria que receber um treinamento, fazer um psico-teste e só então receber a licença de posse, talvez porte. Idade? Pelo menos 25 anos. Claro, ele teria que comprar o próprio ‘equipamento’”. Como hoje exige a legislação.
Chegamos, então, ao real motivo! O porte sendo legal, quem teria condições de pagar esses treinamentos? Quem teria condições de comprar um “equipamento” de 4 ou 5 mil reais para poder “dialogar”? E a munição? O Estado tem dificuldade de armar e munir sua polícia, imagina o cidadão comum! Ao liberar a posse - e talvez depois o porte - de arma, só parte da população poderia “equiparar sua força”.
E os assaltos? Simples, o assaltante – com alguma arma legal roubada -, ia selecionar melhor suas vítimas. Se seu alvo aparenta ter dinheiro, melhor não mexer, ele pode estar armado! Mas se for aquele porteiro ou aquele garçom, que ganha um salário mínimo, mais seguro – ladrão também sabe fazer conta. Ou seja, ser vítima de assalto passaria a ser “coisa de pobre”. Se você tem um smartphone muito caro, ao invés de esconder, é melhor andar com ele no pescoço! Vai que o ladrão pensa “Deixa quieto, se o cara compra um celular de 3 mil pode comprar uma arma...”.
Toda essa movimentação pró armamento tem esse objetivo: elitizar a segurança e suburbanizar a violência. Inclusive, querem também elitizar a razão! Se portar uma arma equipara as forças e leva as pessoas a dialogarem mais, quem tiver mais dinheiro para munição vira quase um sofista grego.
O cidadão comum que economizou para levar sua ‘segurança’ na cintura podia até “equiparar as forças” com o assaltante de ônibus, mas numa discussão de trânsito ele teria que fazer a mesma análise descrita anteriormente. Se seu interlocutor tiver de carro popular, até vale a pena conversar, se for carro de luxo, melhor tomar cuidado – as ‘SUV’ agora vêm equipadas com duas semiautomáticas.
Pelo menos, nesse cenário, carros blindados não seriam mais tão requisitados pela elite e seus preços naturalmente cairiam, ficando, assim, mais acessíveis para o cidadão de baixa renda. Dessa forma, pelo menos a pessoa fica com a opção de “evitar a discussão” – melhor para todo mundo.
*Estudante do Curso de Ciências Sociais - UNEB - Salvador.
Fonte da imagem: https://observatoriodocinema.bol.uol.com.br/filmes/2018/06/scarface-al-pacino-relembra-frase-iconica-do-filme-35-anos-depois