Umberto Eco, um famoso escritor e filósofo italiano, fez uma conferência intitulada Ur- Fascismo ou Fascismo Eterno, em 25 de abril de 1995, nos EUA. A coluna de hoje destaca alguns aspectos da referida obra. Boa Leitura!
O fascismo não é uma característica exclusiva de um período histórico: é uma possibilidade! É verdade que ele se tornou institucional, e atingiu as estruturas do Estado. Mas, o fascismo mistura vários elementos e características multifacetadas, políticas, ideológicas e religiosas inarticuladas, confusas, que podem ser encontradas por aí. A fragrância do fascismo espera emergir das profundezas do tecido social; quando encontra solo firme, ele pode instaurar-se duradoura, como no caso italiano.
O espírito fascistoide idolatra o culto à tradição, possui tendências reacionárias, e tem uma indisposição aos novos saberes, portanto ao avanço do conhecimento. Há também uma recusa à modernidade, ao Iluminismo, às Revoluções do passado que destituíram valores e práticas milenares, e uma resistência a visão racionalista de mundo. Ele defende o irracionalismo, o irrefletido.
O irracionalismo combina também com o culto da ação pela ação, sem filtro, sem grandes gestos, ação que vale por si mesma, e qualquer tipo de reflexão mais profunda é visto como antinatural, perigoso e pouco saudável à convivência. “Pensar é uma forma de castração, por isso a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas” (p.48). Logo o anti-intelectualismo é outra faceta do fascismo. O espírito crítico, as discordâncias filosóficas ou científicas também são muito mal vistas, pois geram diversidades, diferenças, prejudicando consenso, visto, a priori, como indispensável para a ordem social
O Ur-fascismo é comum em diversas formas de autoritarismo, que inclui logicamente as ditaduras, e uma forma de eliminar o pensamento crítico é a criação de um léxico pobre e uma sintaxe elementar (lembram-se de novilíngua, em Orwell) em textos produzidos, nas propagandas e na educação. Tudo isso com a finalidade de limitar o raciocínio mais elaborado e complexo, que transgrida o comum, as práticas habituais.
O fascismo também se fortalece nas fortes crises econômicas (e por que não de segurança?) que afetam grupos e indivíduos de classes médias; os inimigos podem ser os desfavorecidos, imigrantes, etnias, ideologias, estrangeiros. Um forte sentimento de nacionalismo emerge e tende a destruir direitos civis em favor da apologia à homogeneidade de um povo, com uma “vontade comum”. O líder é o próprio intérprete dessa vontade; pretende encarnar a alma coletiva. O populismo qualitativo se opõe aos governos parlamentares: "cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a ‘voz do povo’, pode-se sentir o cheio de Ur – Fascismo” (p.58).
A aura do fascismo combina com um tosco Complexo de Armagedom: a crença de que depois de derrotar os inimigos do povo haverá uma Nova Era, uma Idade de Ouro que levará a paz ao mundo.
Nobres leitores, atualmente existe uma forte disposição para os elementos apontados ao longo do texto, configurados em trajes civis. Quando há um apelo popular, majoritário, para institucionalizar alguns desses elementos, as sociedades correm grande perigo. A luta contra o fascismo eterno é a luta a favor da liberdade. Resta saber se as pessoas preferem-na ou desejam a servidão voluntária.
ECO, Humberto. Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018.
fonte da imagem: https://www.mundodek.com/2018/12/umberto-eco-o-fascismo-eterno.html