Em um artigo de 2013 (Consumo abusivo de álcool no Brasil: resultados da pesquisa Nacional de Saúde 2013) se diz que há uma prevalência do consumo de álcool por homens (13,7%) em comparação com mulheres;¹ em outro artigo se diz que na década de 1990, estudos indicavam que o consumo de álcool era significativamente superior entre homens em relação às mulheres (pesquisa realizada em SP). O que seguia uma tendência de pesquisas anteriores sobre o consumo superior de álcool entre homens em relação às mulheres.² O consumo de álcool no Brasil também aparece como acima da média per capita mundial, de 6,4 litros. De 2006 a 2016, o consumo de álcool por pessoas acima dos 15 anos aumentou 43,5%. Passou de 6,2 (consumo per capita anual) para 8,9 litros.³
Estive em um evento sobre contra-colonialismo na UFPE. O palestrante fez piada, um trocadilho, sobre AA (Alcoólicos Anônimos). Recentemente, também a relação entre álcool e etnias indígenas vem preocupando entidades ligadas à Saúde a defesa de povos indígenas (como a Funai e a Fiocruz)4. Em estudo de caso sobre em uma comunidade indígena Potiguara (PB), concluiu-se o consumo de álcool tem “afastado” ou “desvinculado” índios de sua “cultura” – não realizando ritos e não participando de outras atividades consideradas importantes para a manutenção da tradição e herança de seu povo.5
Esses dados são semelhantes à minha própria experiência. Decidi abandonar o consumo de cachaça há pelo menos dois meses. Sem sombra de dúvidas isso tem se refletido em um aproveitamento muito melhor em outras esferas da minha vida: tal como no caso indígena, eu vinha tendo um problema em manter rotinas acadêmicas, por exemplo. Psicologicamente também vinha com problemas que pareciam ser agravados com o consumo de bebida alcoólica – principalmente a cachaça. Deixar isso de lado só me gerou benefícios!
Mas se escrevo esse relato e o aproximo de dados estatísticos e estudos de caso qualitativos (da Saúde e das Ciências Sociais), é porque quero enfatizar a relação entre masculinidade e bebida alcoólica. Fazê-lo é também seguir críticas como à de Djamila Ribeiro, em “Lugar de fala” (2019). Neste caso, refiro-me à experiência masculina “média” - experiência comum entre homens de consumir bebida alcoólica. Levando em conta também um comentário que pego emprestado de uma colega de doutorado, Rosália – mulher negra - , sobre a “cultura” ser produzida (performada) “depois” das práticas. Neste caso, e, portanto, a relação entre masculinidade e bebida não seria resultado de uma “estrutura” “anterior” que “faz pessoas beberem”, mas o resultado do movimento, das relações criadas a partir de determinado momento.
O consumo de álcool entre homens, portanto, deve ser “des-romantizado”. No ano de 2014, saiu uma publicação do Instituto PAPAI (ONG feminista recifense) sobre redução de danos. Nela, além de alertar para a questão de consumo abusivo de álcool entre jovens ser também diferente em relação ao gênero (masculino/feminino), chamava-se atenção para algo que muitas pessoas acreditam ser um mito: relatos sobre apostas sobre o consumo exagerado de álcool em pouco tempo resultar em óbito (p. 21)6. Este ano, 2019, houve uma aposta dessas em um bar freqüentado por estudantes universitários em Dois Irmãos: resultado – uma pessoa foi levada para o Hospital pelo SAMU – o dono me contou que “nunca mais isso deveria ser feito no seu estabelecimento”; recentemente, num bar no bairro da Várzea, adverti educadamente uma pessoa jovem sobre isso, pois seu grupo de amigos/as gritavam entusiasmados/as para que tal pessoa “virasse” o restante de uma garrafa de 1 litro de Pitú (que estava pela metade, se bem me lembro). E tal pessoa assim o fez!
Por fim, este post foi feito no intuito de advertir sobre o consumo abusivo de álcool e outras drogas. Não se trata de moralizar, e sim, conscientizar. Segundo: falo de uma experiência comum a diferentes gêneros e gerações, mas enfatizo a relação entre masculinidade e bebida alcoólica porque achamos “bonito”, engraçado, fazemos piada sobre a relação homens e álcool: “pinguço”, trôpego, mamado, “borrachito/a” (espanhol mexicano)... e, assim, ignoramos os aspectos nocivos do consumo abusivo de álcool – como pessoas idosas e acidentes decorrentes do consumo de álcool; os danos à saúde, os acidentes de trânsito etc.
Passei quase duas décadas para dar esse passo de evitar o consumo abusivo, e deixar a cachaça. E não foi por falta de avisos. Enquanto sociólogo, não posso me abster deste assunto; enquanto homem, com privilégios de educação (acesso à universidade), ao “capital cultural” (na linguagem de um sociólogo francês - Pierre Bourdieu), decidi dar um passo para tentar ajudar outras pessoas. Espero que essa modesta atuação seja útil para alguém.
Notas
1 https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S2237-96222015000200227&script=sci_arttext&tlng=en
2 http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbp/v26s1/a02v26s1.pdf
3 https://www.cartacapital.com.br/sociedade/consumo-de-alcool-cresce-no-brasil-e-provoca-cada-vez-mais-danos/
4 http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4051-experiencias-sobre-o-cuidado-na-abordagem-do-uso-de-alcool-por-indigenas-sao-relatadas-em-oficina
5 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312011000100019
6 https://www.dropbox.com/s/1bq840268ryd894/cartilha-2016-ULTIMO-19-02%20%281%29.pdf?dl=0
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