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Adeus ano velho, feliz ano novo?


“Então é Natal, e o que você fez? O Ano termina e começa outra vez...” “Adeus ano velho, Feliz ano novo! Que tudo se realize no ano que vai nascer...” As festas de fim de ano, em especial o réveillon, podem trazer um ônus para uma boa parte da população. Há quem trema nas bases só de pensar em dezembro. Quando chega essa época, o social nos “convida", para além da festa, à um crescimento, uma mudança, renovação, uma virada - juntamente com a do ano - e nosso cérebro entende tudo ao pé da letra.


Começamos a nos perguntar: “E aí, o que eu fiz mesmo? Mudei em quê? Evolui?”

Essa semana percebi um meme circulando nas redes, bem realista: “Então é Natal e o que você fez? Fiz o que deu!”. Achei sensacional! Porque precisamos ter realizado algo de diferente, extraordinário, interessantíssimo ao longo desses doze meses?

Nesse ponto, iniciam-se as comparações. São tantas as retrospectivas no nosso entorno virtual e comentários no real: “Nossa, Fulaninho viajou para cinco lugares diferentes; Beltrano trocou de carro; Cicrana encontrou e casou-se com o amor da sua vida e ainda perdeu dez quilos! E eu? O que eu fiz? Nada demais!”

A mente percorre todo um percurso, que tem como ponto de partida esta comparação, passa pela etapa da autocrítica e dos pensamentos de culpa, para finalmente chegar à desqualificação do seu ano inteiro, e, de si mesmo como indivíduo. Isto porque, interpreta que todos que conhece fizeram tudo (e mais um pouco) de incrível nos últimos 365 dias.

Não é à toa que o momento de fim de ano é um gatilho para episódios depressivos e até tentativas de suicídio. Em 2017, o CVV (Centro de Valorização da Vida) divulgou que, no mês de dezembro, principalmente nesse período de festas, as ligações de pessoas pedindo ajuda costumam aumentar 15%.

Tendemos a fazer um tipo de balanço, olhar pra trás, nos reavaliar, um recorte que para alguns pode ser inofensivo, mas para outros tantos é perverso, um risco. Esse comportamento pode trazer à tona uma sensação remorso, incapacidade, inaptidão, por talvez perceber que não cumpriu todas aquelas metas que tinha estipulado no final do ano anterior.

Um outro ponto crítico é percepção solidão que pode ser experimentada. Se ver sozinho em meio à um momento tão festivo e alegre, onde todos mostram estar eufóricos e rodeados de pessoas, para alguém que está “pra baixo", pode se tornar grande evidência de que sua vida não presta e “todos são felizes, menos eu.”

Além disso, cresce uma sensação de ser inadequado, por não estar feliz como deveria (afinal, é Natal! E um novo ano está chegando!). Tristeza não escolhe mês ou dia para aparecer, mas parece que o mundo não se recoeda disso.

Por fim, mas não menos importante, a pressão para a mudança, renovação, que deve acontecer como um passe de mágica, ao final da contagem regressiva. É como se tudo fosse zerado a partir desse ponto e deveríamos ser pessoas novas, melhores, com uma infinidade de objetivos diferentes a serem alcançados e uma enorme motivação.

Fiquei cansada só de escrever esse parágrafo, leitor/leitora! É isso mesmo? Tem que acontecer uma transfiguração assim que rompemos o ano? Tal coisa não existe! Mas acabamos por nos contagiar por esta ideia e nos cobramos de fato, com base na mesma. Se para mim, foi exaustivo digitar esses caracteres, imaginem como deve ser na cabeça de alguém que não está bem. Uma receita amarga e quiçá fatal, concordam?

No começo de dezembro, o Google divulgou uma lista com as pesquisas mais realizadas neste ano. Dentre as campeãs de dúvidas consultadas pelos brasileiros, pasmem, estava: “Como fazer com que as pessoas gostem de mim?” O ser humano se preocupa excessivamente com a avaliação do outro, alguns a colocam num patamar mais alto ainda. E imaginar que não correspondeu às expectativas durante o ano, diante de tanta cobrança, pode ter um peso gigantesco.

Portanto, que tal pensar duas vezes antes de disparar um monte de perguntas “básicas” sobre relacionamentos, emprego, aparência, planos, encima do(a) parente, amigo(a), conhecido(a)? Não há como prever o emaranhado que essas palavras podem revirar nos pensamentos e sentimentos dele/dela.

Meu intuito com este texto não é contradizer, entristecer ou ridicularizar o simbolismo do réveillon, longe de mim! Apenas desejo trazer uma oportunidade de repensar sobre o que a sociedade prega, melhor, exige, através do que o seu significado da data carrega.

Mudanças, metas, renovação, tudo isto pode ocorrer a qualquer tempo e lugar nas nossas vidas. Não é preciso que um relógio decresça até o zero para que você modifique algo (se achar que deve).

Então, por que o “fiz o que deu", com o que tinha e onde pude estar, não serve? Será que este “o que deu" não foi exatamente o seu extraordinário neste ano? Talvez tenha sido algo de grande esforço nas condições que enfrentou. Uma daquelas pequenas vitórias do dia a dia, que valem à pena ser comemoradas nessa virada, pois foi a sua virada, seu desafio, único e intransferível. E nenhuma comparação se equivale a ele!

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