
Fonte: woman.at
Recentemente, tomei conhecimento da rede virtual Afrodengo, criado em 2017 no Facebook, voltado para relações entre pessoas negras. Na descrição do grupo, a idealizadora Lorena Ifé – uma jornalista baiana – informa que a plataforma foi idealizada “para dialogar a afetividade negra”, devido a baixa diversidade em aplicativos de paquera. O grupo possui quase 50 mil membros e promove, além de encontros, ações e eventos voltados para discutir a afroafetividade.
A comunidade virtual já gerou casamentos, inclusive com a concepção de filhos. O que no início tinha a intenção de ser destinado à paquera, foi se estendendo para laços de amizade, formação de coletivos artísticos, e geração de empregos. E a interação rende. Há encontros comemorativos entre participantes, com confraternizações e workshops. O grupo pode evoluir para um site, contendo investimentos para a profissionalização do Afrodengo.
Relações entre pessoas da mesma etnia, como constituição também política, sempre geram controvérsias. O Afrodengo mesmo surgiu pela “falta de diversidade” nos demais grupos, ou seja, havia um alto número de brancos, o que pode deixar alguém de outra “raça” desambientado. Ora, se não ocorre diversidade, se busca cria-la. Ao invés disso, criou-se um grupo sem qualquer diversidade: há apenas negros. Muitos afirmam que isso reforça o racismo, pois distancia e segrega uma etnia, apartando-a das demais de maneira imposta. Mas a conjuntura vai muito mais além.
Haver namoro, encontros, flertes, e idílios efêmeros (“ficar”) entre orientais e negros, ou brancos, indígenas, etc, não é em si a questão. Enquanto casal apenas, tudo em ordem. Porém, é preciso compreender que além de dois, existem mais. Quando a intimidade se aprofunda e torna-se duradoura, aparece a outra parte: a família. O debate está aí. Parentes passam a interferir, opinam, mostram insatisfações e querelas. Relatos não faltam para demonstrar que o racismo se manifesta não na rejeição do indivíduo, mas na socialização diária. Sim, há estranhamento na convivência entre um casal interracial, não como uma regra, mas na vivência de cada um.
Sim, muitas vezes a paixão ultrapassa as barreiras da oposição familiar e a união segue o rumo. Porém, o dia-a-dia ensina. Mulheres brancas já relataram – e as redes sociais não metem – o tratamento policial a seus namorados negros. Quantas vezes já tiveram carro revistado, perseguido, o rapaz intimidado pela autoridade; barrados em bailes e portarias; sem falar da desconfiança sobre as origens dos rendimentos laborais deles... Como diz o ditado “o buraco é mais embaixo”.
Recentemente, o príncipe Harry, herdeiro da Coroa Britânica, decidiu, juntamente com a esposa Meghan Markle, viver independente da Família Real, sem levar um centavo dos ganhos que sustentam a Rainha e seus descendentes e passar assim a labutar para a manter esposa e filho. Não ficou claro o motivo da decisão, mas boatos dão conta de que Meghan vinha sofrendo discriminações por conta de sua afrodescendência. Já há algum tempo, Harry vem divulgando “o tom racista de comentários na imprensa” no trato com sua esposa. Um apresentador da BBC, após o nascimento do filho de Harry e Meghan, postou no Twitter a foto de um casal segurando um chimpanzé e o título “bebê real deixa hospital”. O jornalista foi demitido. Fora outros episódios simbólicos desse estranhamento, como um comentário de que a presença de Meghan nos palácios reais traria “um DNA exótico” à monarquia inglesa.
E não para por aí. Há informações de bastidores que Meghan e Kate Middleton, a outra duquesa, esposa do príncipe Willian, mal se falam. A razão seria “diferentes mundos” da qual as duas teriam se originado. Meghan estava se sentindo isolada no Reino Unido. Harry e Meghan pretendem se mudar para o Canadá.
O exemplo do acontecimento na Família Real dá o tom de como é complexo o envolvimento entre pessoas provindas de grupos étnicos distintos e a aceitação por parte do meio social “branco”. Em virtude desse eterno imbróglio nas conexões entre “raças” divergentes, é sim importante um grupo como o Afrodengo existir e se perpetuar. Claro que nesse ínterim ocorrem passagens que nos chamam atenção. Fui lembrado do episódio envolvendo a escolha da atriz Fabiana Cozza, que interpretaria a sambista Dona Ivone Lara em um musical. A eleição da atriz para compor o elenco gerou protestos de grupos ligados à causa negra, em virtude dela não ter a pele “suficientemente escura” para compor a personagem. A confusão entre negritude como enraizamento e a cor da pele, deve ser melhor escrutinada. No entanto, a comunidade virtual criada por Lorena é muito bem-vinda e que outros grupos apareçam pra colocar mais lenha na discussão entre as relações étnicas na nossa sociedade.
FONTE:
https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/06/12/afrodengo-grupo-de-afetividade-entre-pessoas-negras-tem-quase-50-mil-integrantes-e-e-plataforma-para-unir-casais.ghtml
https://www.facebook.com/aafrodengo/
https://exame.abril.com.br/mundo/meghan-e-vitima-de-racismo-a-questao-que-cria-mal-estar-no-reino-unido/
https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2020/01/meghan-markle-e-kate-middleton-mal-se-falam-diz-site.shtml
https://revistacult.uol.com.br/home/o-racismo-nos-relacionamentos-inter-raciais/
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44378780