“Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir” ( René Descartes).
A filosofia nasceu perguntando sobre coisas que não eram questionadas pelo senso comum. Por que o mundo existe? Do que são constituídas as coisas? Em que consiste o pensar? Estamos lançados aqui, e não sabemos o porquê! Não precisamos ser filósofos de formação para pensar sobre a vida e tudo que nos cerca. Acadêmicos precisam mergulhar em escolas de pensamento, filósofos do passado e do presente que indagaram ou indagam sobre a existência ou essência das coisas. E é extremamente necessário que possam criar novas reflexões e nos fazer pensar junto com eles, seja na escola, na universidade e nos diferentes espaços públicos. Mas fica a questão: não podemos filosofar? A resposta é sim!
Desejo falar com você, caro leitor. Vamos filosofar? Vou me ater a cinco questões importantes indagadas pelo professor de filosofia da UFBA, José Antônio Saja, falecido no ano passado. Ele repetia essas perguntas em aulas e palestras. O texto também é uma homenagem a ele. O texto é uma resistência contra aqueles que pregam o abandono da filosofia e de filosofar; que desprezam a racionalidade e apoiam a ignorância.
O que estou fazendo com minha única vida? Sobre as experiências diárias. Vive ou não se lamentando porque deixou de fazer algo que deveria ter feito ontem? Vive ou não preocupado com que os outros falam, sobre ser autêntico demais? Vive pensando, compulsoriamente, sobre a pós vida? Tem medo de mudar a rotina, criar novos hábitos, ter novas experiências por que não sabe se irá adaptar-se ao novo? Prefere louvar a ignorância, dispensar responsabilidades, não assumir o controle por que se acha inútil? Deixa escapar oportunidades por que tem receio de ser incapaz de mergulhar no incerto?
O que impede o leitor de ser uma pessoa melhor? Essa questão precisa ser respondida por você. Como disse Platão: “Uma vida não examinada não merece a pena ser vivida”
O que estou fazendo com a única vida das pessoas que passam pela minha vida? Estamos ou não contribuindo com o mundo à nossa volta. Contribuo com algo relevante com pessoas do meu círculo próximo, na família ou no trabalho? Qual fragrância deixo nesses ambientes? Crio somente atritos e dificuldades na convivência? Sou intolerante? Nunca me disponho a ajudar? Estou fechado ao diálogo com os diferentes? Os outros nunca terão nada a contribuir? Na minha vida, sou gentil, humilde, compassivo com todos, sem discriminar?
É preciso, meu caro, minha cara, saber se contribuímos para a elevação moral, emocional e intelectual das pessoas que passam por nós. A vida não se restringe só ao viver, um solipsismo extremo, uma bolha em si, mas também ao conviver, e conviver com os diferentes. Experiência difícil, mas necessária! Só nos tornamos melhores, mais humanizados, vivendo com outros: como cidadão, pais, amigo (a), trabalhador(a). Se nunca pensou sobre isso, bem, já passou da hora de um autoexame.
O que que eu estou deixando que os outros façam da minha vida? A pergunta é sobre a responsabilidade frente à própria vida social. Como anda a conduta em sociedade? Que tipo de cidadão eu sou: alguém que espera tudo do Estado, mercado, políticos sem ter nenhuma responsabilidade conjunta? Por acaso sou um ser apartado da política? Não tenho relevância na melhoria de meu país? Deixo tudo com os outros por que são totalmente honestos, justos, únicos responsáveis na construção do aperfeiçoamento da convivência? Mas, não será que minha forma de pensar, sentir e agir, ou seja, minha visão de mundo, não é condicionada patologicamente por construções ideológicas que pregam proselitismo? Realmente filtro as informações que chegam até mim? Por acaso, não existem falácias e aproveitadores na internet, na televisão, na comunidade?
Nobilíssimos, precisamos estar atentos às coisas que nos afetam! Somos seres sociais, logo nossa conduta não nasceu do nada. Condicionados pela formação dos diferentes saberes, da família ao Estado, é necessário estar consciente sobre nossa conduta. É muito fácil viver como robô. Não é preciso fazer lobotomia para moldar comportamentos. Não é difícil viver como gados, como na música cantada por Zé Ramalho, “Admirável Gado Novo”.
Ser só mais um na multidão é a total aceitação da mediocridade como forma de vida. É a ignorância, na sua mais pura essência, usada inúmeras vezes durante a história, por indivíduos e grupos mau - caráteres e totalmente descompromissados com fatos, manipulando informações a fim de fortalecer projetos obscuros ou desumanos. Como disse George Orwell, no livro 1984: Ignorância é Força! Uma cultura robotizada e lobotomizada é o que mais agrada aos governantes que desejam a sociedade alheia aos interesses públicos, desprovida de senso de realidade e responsabilidade. É preciso ficar atento!
Por que eu não consigo abrir mão daquilo que me faz sofrer? Estamos apegados a tantas coisas que, mesmo no sofrimento, não desistimos delas. Precisamos viver sofrendo sempre ou podemos ter mais momentos de bem-estar? Há, a priori, um condicionamento, uma lei implacável, que diz que nascemos para sofrer? Ou devemos encarar isso como uma escolha? Por que apegar-se a algo que apequena, diminui os momentos alegres?
Esse ponto é importante porque confundimos dor com sofrimento. Dor é algo bastante orgânico. Sentimos dor porque levamos uma topada, reação natural do corpo. Sentimos dor pela perda de um ente querido. Animais também sentem dor pela perda ou sofrimento de um próximo. A questão é como reagimos depois da dor inicial. Damos um jeito ou arrastamos aquilo por toda a vida? Atrapalha a coexistência? Prejudica no bom desenvolvimento das minhas faculdades mentais, emocionais e físicas? A dor é algo inevitável, mas é necessário não deixar que suas marcas sejam prolongadas. O sentimento da dor, quando arrastadas, paralisa o bem viver.
Será que existe vida antes da morte? Saja está usando uma metáfora para dizer que muitas pessoas estão adormecidas ou simbolicamente nem nasceram. Estamos negando a vida? Não podemos transformar alguma coisa? Pau que nasce torto nunca se endireita? Se meus avós e pais foram assim, então não tem jeito pra mim? Ou ainda: tudo será melhor depois da morte!
Essas interrogações e a última afirmação são reflexos de uma mentalidade de xerox. A sua vida é só mais um programa sem atualização! A sua existência é só mais uma extensão de vivos e mortos. A sua imobilidade é seu eterno sonho. Você nem precisava nascer. Não faz diferença nenhuma. É só mais um que repete movimentos impensados dia após dia! Um autômato completo. É só mais uma cópia dos predecessores, e incapaz de filtrar coisas boas e ruins. Se suas práticas são repetições eternas, se não há novidade em suas ações, em nada contribui ao seu aperfeiçoamento.
Por isso é crucial interrogar: qual contribuição damos ao nosso desenvolvimento e para a sociedade? Devemos encarar que o nosso futuro é um livro inacabado e cabe a nós escrevermos nossa própria história. Copiar e colar a história de outros é dispensável. Vamos nascer novamente?!
Até a próxima.
Fonte: https://www.fraseseversos.com/autores/immanuel-kant/nao-se-ensina-filosofia-ensina-se-a-filosofar/