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Lulonaro  e o extremismo


O Porta dos Fundos, produtora brasileira conhecida por produzir conteúdo de humor, sátiras críticas que vez ou outra incomoda muita gente, vide o Especial de Natal de 2019, publicou um vídeo no dia 13 de fevereiro, com o título Lulonaro.


Em resumo, o vídeo mostra um rapaz no bar conversando com uma mulher e tecendo críticas ao presidente da República. Em outra mesa, dois amigos mandam o rapaz calar a boca e chama-o de “petista de merda”. Imediatamente o outro diz que não tem nada a ver, que não era petista. Daí começa uma discussão explosiva. O extremista disse que não existe isso de não ser nem Lula nem Bolsonaro: é um ou outro. Pra piorar, ele ainda coloca o exemplo de um caso extremo ao seu interlocutor: "se tivesse que escolher um pra salvar num abismo, quem salvaria, Lula ou Bolsonaro?"


Eis a insanidade atual! Se você não é favor do governo é taxado de petista, lulista ou esquerdopata. Termos que são usados de forma completamente pejorativa. Ser contra Bolsonaro é ser colocado num saco comum; e pior ainda: antes de qualquer conversa, antes de qualquer desconstrução de ideias, o outro já é taxado como inferior, mau caráter, hipócrita, mentiroso, a favor da corrupção. Por outro lado, obviamente nem todo mundo que votou em Bolsonaro é bolsonarista, logo o extremismo político não é generalizado.


O primeiro aspecto importante é que colocar todo crítico de Bolsonaro na esquerda extremista é uma falácia, criada por pessoas descompromissadas com a verdade e os fatos. Meus caros, criticar o atual mandatário é também defender as instituições. Seu comportamento autoritário constante, apoiado por seus filhos, ministros e secretários, mostra o tom de ojeriza aos pilares da Democracia: Judiciário, Legislativo, Imprensa livre. A mentira, o combate excessivo e a desinformação tornaram-se bandeira política e método de governo. A pergunta que fica é se existe Democracia sem verdade factual? O atual presidente, em pouco mais de 10 meses de mandato, deu 400 declarações falsas ou distorcidas, uma média de 1,4 por dia. [1]. Semana passada o mandatário deu uma "banana" para a imprensa.


Em 'Como as Democracias Morrem', Levitsky e Ziblatt (2018) apontam quatro aspectos para identificar um gestor autoritário: 1- rejeição das regras do jogo (ou compromisso débil com elas); 2 - negação da legitimidade dos oponentes políticos; 3 - tolerância ou encorajamento á violência; 4 - propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.


Um conservador, um liberal, um social democrata podem criticar o atual governo sem exatamente compartilharem dos mesmos parâmetros de costumes ou projetos econômicos, se mais ou menos mercado, mais ou menos Estado. Estão de acordo sobre a defesa das regras do jogo democrático, e a legitimidade da oposição política, artística, religiosa, sexual ou de gênero. O outro não é inimigo, mas um adversário legítimo. Não é tática do confronto, mas sim do conflito de ideias.


Segunda questão. Ao assinar o pacto social civilizatório, há uma concordância lógica de que é absolutamente contrário à natureza humana ser oprimido, escravizado, perseguido. Como bem disse o pai do liberalismo político, John Locke, por que motivo aceitamos viver em sociedade senão para obedecer leis e, ao mesmo tempo, preservar a nossa liberdade, vida e bens? No estado de natureza - pré-civil - cada um age conforme sua própria vontade, sem intermediários, sem parâmetros legais, o que pode levar ao abuso e a tirania do outro (s).


Por causa do eminente perigo de representantes usurparem o poder, também é necessário e crucial que os poderes sejam independentes, que controlem o ímpeto autoritário do outro – sistema de freios e contra-pesos- , pois o ser humano é preza fácil a auto corrupção e ao abuso de autoridade. Se homens e mulheres são seres imperfeitos, logo são fadados a cometer barbáries. Alguém está acima do bem e do mal neste mundo?


Devemos compreender que representantes políticos que oprimem e atacam os opositores reverberam esses comportamentos aos seus apoiadores e ressentidos reprimidos, e estes sentem-se livres e respaldados a agirem da mesma forma. Tal tipo de comportamento empobrece a construção e absorção de valores democráticos e liberais. Para um país que sempre flertou com uma cultura autoritária e oligárquica, a tendência é que essas condutas se acentuem cada vez mais, chegando ao ponto que a tirania da maioria (questão tocquevilleana) seja autorizada a reprimir minorias e opositores. E mais, essa própria maioria pode autorizar o governante a ruir de vez o Estado de direito, e inviabilizar as instituições defensoras dos direitos fundamentais.


Existe grupos articulados, milícias virtuais, ressentidas com o Zeitgeist, que utilizam instrumentos obscuros, propagam todo tipo de mentira, disparam informações falsas ao cidadão mediano. Este, em geral, não tem senso de realidade sobre a esfera pública, e acaba reproduzindo, sem filtro, um senso de irresponsabilidade pueril.


Muito do atual espírito da antipolítica é devido aos problemas que assolaram e assolam o país, por culpa dos governos anteriores, com parlamentares e partidos envolvidos com esquemas de corrupção, como, por exemplo, o mensalão e petrolão, e a falta de responsividade com os cidadãos. Algumas mentes mancomunadas,de índole totalitária, não acreditam na saída democrática, nas instituições liberais e no Estado de Direito e disseminam sua destruição. Se as coisas não estão bem, eles desejam jogar a água suja do banho junto com o bebê.


Aqueles que rejeitam a solução democrática consideram-na morosa, difícil, por implicar acordos entre atores plurais discutindo sobre as leis e a políticas. Acham que todos são corruptos. Não aceitam que a convivência pacífica tem seus custos; é necessário abrir mão de vontades absolutas.


O que está em voga atualmente é o reacionarismo, e de direita. Seu modo de pensar é girar a roda da história para trás. Olham o ocidente como decadente. Reacionários são nostálgicos e acreditam numa Era de Ouro: a família patriarcal, a autoridade máscula, a tradição, os hábitos rígidos religiosos, a estética padronizada, a sexualidade reprimida (abstinência é uma saída?), a suposta integridade militar, o professor autoritário, o pater governante.


[...] A mente reacionária é uma mente naufragada. Onde os outros veem o rio do tempo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva. Ele é um exilado do tempo. O revolucionário vê o futuro radioso que os outros não são capazes de ver, e com isto de exalta. O reacionário, imune às mentiras modernas, vê o passado em todo seu esplendor, e também se sente exaltado [...] [2](p.12)


Nobres leitores, é importante ter ciência de que a oposição, civilizada, é válida em qualquer lugar e sempre. E mesmo a oposição é plural. Uma sociedade homogênea, além de ser uma utopia, é uma condição de baixa cognição, descendo alguns graus de racionalidade. Não tem jeito: o apelo a homogeneidade é a porta de entrada à barbárie generalizada.


Até mais!


[1] https://aosfatos.org/noticias/desde-a-posse-bolsonaro-deu-400-declaracoes-falsas-ou-distorcidas/


[2] LILLA, Mark. A mente naufragada:sobre o espírito reacionário. Traduzido por Clóvis Marques. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, p. 12, 2018.


Link da imagem: https://www.youtube.com/watch?v=tRcgyKVbWW0


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