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Tirania e Despotismo. Igual? Diferente? Dá na mesma?




O ensaio desta semana aponta as características do despotismo e da tirania. De forma didática, o leitor conseguirá enxergar as diferenças e similitudes. Espero contribuir para afastar a leitura do senso comum.


Despotismo é uma forma de poder orientado por um déspota, senhor ou governante acima de qualquer lei ou poder terreno. Antes tratada como um subtipo de monarquia, o Barão de Montesquieu, no século XVIII, atribuiu a um status de regime político comum ao mundo oriental.


Na concepção clássica aristotélica, o despotismo seria bastante singular aos povos asiáticos. O governante é aquele que reinaria como senhor de seus súditos, ou escravos, inferiores por natureza. Ou seja, esse tipo de poder político se caracteriza pelo caráter dos súditos, vistos como naturalmente submissos. Diferente da tirania, o despotismo teria algum tipo de legitimidade dos dominados.


Na definição de Montesquieu, o despotismo tem um princípio que converge para o temor, o medo, como um regime que, historicamente, tem um caráter duradouro, apesar de suas características dissonantes com a liberdade dos cidadãos. Além disso, é definido por algum tipo de mentalidade escravocrata, por ter elevados territórios, populações grandes, poucas leis e forte influência religiosa e tradicional. O povo, em geral, obedece incondicionalmente ao príncipe.


Já o chamado despotismo iluminado ou esclarecido foi uma construção teórica dos fisiocratas franceses modernos, uma variação do despotismo tradicional. Para esses filósofos economicistas protoliberais, como François Quesnay e Le Mercier de la Rivière, as sociedades deveriam organizar-se conforme à natureza, e para isso era necessário um déspota esclarecido, dotado de grande capacidade de compreensão racional sobre o funcionamento das leis naturais, para impor obediência dos súditos.


Em uma leitura mais contemporânea na ciência política, o despotismo se contrapõe a qualquer regime por ter menos liberdade política. Desta forma, o critério para um poder despótico não está no número, mas de onde advém o poder: se de baixo pra cima (democracia) ou de cima pra baixo (autocracia, ditadura). No primeiro caso, quem faz as leis as obedece, como qualquer cidadão; no segundo caso, quem faz as leis estão ainda acima delas, e não se confunde com os súditos.


Tirania vem do latim tyrannus, “senhor, chefe”, do grego tyrannos, “senhor, chefe, soberano, líder absoluto. É o tirano que exerce o poder político, de forma incondicional, na tirania. Em autores da Antiguidade, como em Platão e Aristóteles, é uma expressão degenerada da monarquia, sendo este um bom governo.


O tirano governa sempre conforme seus próprios interesses, sem apoio ou autorização dos seus súditos. Ou seja, é um poder não legitimado, nem por natureza, segundo a definição aristotélica, para falar das monarquias ou despotismos asiáticos (de domínio a “povos submissos” como escravos) e nem pelo consenso dos cidadãos.


Na concepção platônica, a tirania é uma espécie decaída, uma das piores formas de governo. Na sua visão clássica de regimes, ela é uma degeneração da monarquia. O autor considera a pior das piores formas de governo e seu caráter é a violência extremada. O homem tirânico nasceria de outra forma de poder decadente, a Democracia, baseado na completa liberdade sobre a obediência aos costumes e as leis, abrindo espaço para a própria anarquia. É nesse vácuo que tende a ascender o futuro tirano.


Na tirania, o soberano ultrapassa qualquer limite. Á diferença de monarquias absolutas, que ainda há restrições, como por exemplo nas ditas leis naturais ou divinas, o tirano pisoteia qualquer impedimento de ordem moral. Seu poder é ausente de legitimidade.


Na definição do filósofo Norberto Bobbio, a tirania é uma forma degenerada de poder que ocorre esporadicamente, tendo uma natureza ilegítima e temporária. É forma de exercício do poder que não tem um caráter permanente, geralmente ela aparece na resolução de questões atípicas, de graves mudanças ou crises em determinados contextos históricos. Pelo próprio princípio da falta de limite ou tolerância de seu governante, está fadada a desaparecer a curto prazo, pois os governados não suportam os excessos inerentes a essa forma de condução de ação arbitrária e violenta que oprime a população.


Link da imagem: https://capitalsocial.cnt.br/de-mei-para-me/duvida-transicao-de-mei-para-me/


Saiba mais:


ARISTÓTELES. A política. Bauru, São Paulo: EDIPRO, 2009.

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo na história do pensamento político. São Paulo: EDIPRO, 2017.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política, Rio de Janeiro, Campus, 2000.

BODIN, Jean. Os seis livros da república. Livro Segundo. São Paulo: Ícone, 2017.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. 3° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

PLATÃO. República. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3° ed. Belém: EDUFPA, 2000


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