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Torcidas organizadas pela democracia: O que podemos refletir sobre isso?


As torcidas organizadas são agremiações que reúnem uma ala de torcedores de um time profissional, de modo associativo e que manifestam a paixão através de cantos, hinos, flâmulas, símbolos e presença maciça nos estádios. A primeira a ser formada no país foi a Gaviões da Fiel, em 1969, vibrando pelas cores do Corinthians Paulista. Com o passar do tempo, outras foram surgindo e atingiram tal grau de cooperação que algumas delas fundaram entidades carnavalescas, como a Mancha Verde (Palmeiras) e a própria Gaviões da Fiel.


No entanto, a evolução no número de torcidas organizadas proporcionou rivalidades extracampo. Há décadas ocorrem embates, muitos deles bastante violentos, principalmente entre aficionados de times adversários fundados na mesma cidade. Assim, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife, e demais capitais, se enfrentaram em guerras urbanas, tanto dentro dos estádios, ao redor, ou em confrontos marcados, o que simboliza um culto à violência. A situação chegou a ponto de o Ministério Público intervir com medida que institui torcidas únicas em clássicos regionais. Uma pesquisa realizada em 2014 apontou o Brasil como campeão em número de mortes de torcedores nesses confrontos generalizados. Foram 18 naquele ano.


Com isso, diversas campanhas foram realizadas na mídia pedindo paz nos estádios. A sociedade se mostra cada vez mais intolerante frente a essa guerra. As torcidas organizadas foram perseguidas por autoridades, muitos clamaram seu fim. Membros dessas entidades eram chamados de marginais, bandidos, criminosos, assassinos e outras alcunhas. Muitos frequentadores de estádios lamentavam a impossibilidade de levarem suas famílias para apreciar os jogos em virtude do temor de um possível confronto violento. Pais se revoltavam e bradavam pelo fim das organizadas, já que não podiam levar filhos e esposas para assistir seu time do coração jogar. De fato, não há como negar que essas torcidas proporcionaram espetáculos deprimentes. Até mesmo em comemoração de títulos, realizavam depredações e vandalismo.


No entanto, vimos neste domingo 31 de maio de 2020, corintianos, santistas e palmeirenses – da Gaviões, Torcida Jovem e Mancha Verde - unidos em prol da democracia, numa marcha conjunta pelo fim da tensão social propiciada pelo presidente da República, em perigoso processo de ruptura institucional, na Avenida Paulista, em São Paulo. Dias antes, os mesmos corintianos impediram uma manifestação pró-Bolsonaro no mesmo local. E essa ação não se restringiu a São Paulo. Flamenguistas saíram às ruas do Rio de Janeiro com pauta semelhante, assim como as torcidas do Cruzeiro, Atlético Mineiro e América, unidas em Belo Horizonte. Em Porto Alegre, os colorados do Internacional também repudiavam um possível rompimento republicano. Os tricolores da torcida “Bahia Antifascista” vêm emitindo notas de repúdio ao presidente e deixa claro que vai às ruas pela democracia.


O que vemos aqui é um movimento curioso: torcidas outrora marginalizadas pela crueldade de suas ações dentro e fora dos estádios, estão se mobilizando e deixando velhas rixas de lado para agregar valores em defesa de ideais políticos enraizados. Ao invés de estarem silenciadas em suas sedes, lamentando a suspensão dos campeonatos de futebol, estão se expondo à contaminação viral, no meio de uma pandemia, para gritar contra um governo eminentemente autoritário. Enquanto isso, muitos daqueles que os criminalizavam por serem um “bando de trogloditas brigando por motivo torpe”, estão omissos ou defendendo insanamente as sandices de um presidente ultra reacionário! Observamos aqui uma gritante inversão de valores. Enquanto os “selvagens das arquibancadas” mostram preocupação e apreço democrático, misturando as cores de seus times nas ruas, “cidadãos de bem”, pagadores de impostos, e simpatizantes de “tudo isso que tá aí” fazem parte de um terço do eleitorado que acham essa bagunça presidencialista “boa ou ótima”, segundo a última pesquisa de avaliação do (des)governo. Acho que pouca gente imaginava que partiria de um grupo considerado despolitizado e motivador de tantos conflitos uma iniciativa popular de combate a um governo gerido por um presidente que sempre foi o rei da discórdia e do preconceito referente a vários segmentos da população, louvado por gente que pede “paz nos estádios” e a valorização da família. Tempos estranhos, tempos verdadeiros, tempos maus...


Ainda tem mais! Em entrevista à Globonews, concedida enquanto os manifestantes torcedores entravam em choque com tropas da PM, o deputado federal Fernando Gabeira conclamou os governadores a conversarem com a cúpula da polícia militar, pois ele considera que neste momento, as polícias estariam inclinadas a apoiarem as violações anticonstitucionais de Bolsonaro! E aí vem outra indagação: historicamente, as policias combateram as ações violentas entre torcidas, em seu papel institucional. Agora, corremos o risco de ver confrontos entre organizadas e policiais em versão ideológica, no qual os torcedores “marginais” estarão em defesa dos ritos constitucionais! É muita coisa pra assimilar, gente... Aguardemos os rumos dos próximos capítulos dessa impressionante alteração cognitiva.


FONTES:

https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/cotidiano/a-origem-da-confusao-como-surgiram-as-torcidas-organizadas-e-os-conflitos/58567


https://oglobo.globo.com/esportes/brasil-o-recordista-de-mortes-por-causa-do-futebol-14923352


https://www.atribuna.com.br/noticias/atualidades/torcedores-do-corinthians-impedem-manifesta%C3%A7%C3%A3o-pr%C3%B3-bolsonaro-na-avenida-paulista-1.100403

https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/manifestos-pro-democracia-ganham-forca-e-unem-rivais,f1f201cc76c0e9803d6fa7e322437d683x6zvn6o.html


https://www.redebrasilatual.com.br/esportes/2018/09/flamenguistas-e-colorados-engrossam-coro-das-torcida-contra-bolsonaro/


Imagem: Jornalistas Livres





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